quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

      Oshougatsu ou dia de ano novo
                                           (memórias)
                                
          Todo início de ano é a mesma coisa. Reunião de família, comida, muita comida, um converseiro só e bastante esperança. Esperança de, superar no novo ano, tudo que ficou sem resolver.
          É assim com todo mundo.
      Sempre que amanhece o primeiro dia do ano, crianças “pedem” boas festas de ano novo, para receber guloseimas.
     Como fui criada no sistema japonês, nunca saí por aí, fazendo isso. Fui criança nos anos do pós-guerra, de 1945 a 1950. E a lembrança que tenho desse tempo é que, o oshougatsu ou dia de ano novo, era comemorado pelos imigrantes do Japão, de forma totalmente diferente.
        Morávamos numa comunidade de japoneses e tudo era feito em conjunto. E na época, ainda predominava o culto aos Imperadores do Japão, culto fortalecido com a tristeza da derrota na guerra. Os japoneses aqui residentes, reverenciavam
os monarcas japoneses, como se fossem deuses. E tentaram passar esse sentimento para nós, crianças.
       Logo de manhãzinha, quando clareava o dia, todos os chefes de família, e seus filhos homens vestiam-se de ternos, e se reuniam num barracão, ou tulha de algum vizinho.
   Ali, diante das fotografias dos imperadores Hiroito e Nagako, e da bandeira vermelha e branca, realizava-se uma cerimônia solene de súditos, jurando fidelidade ao Japão. Naquela época, todos os imigrantes achavam que, estavam só de passagem no Brasil. A pátria, sem dúvida nenhuma, era o Japão. O Brasil era apenas uma terra emprestada, temporariamente.
      Se não me falha a memória, a cerimônia  constava de discursos, enaltecendo as figuras dos Imperadores, e relembrando sempre a pátria distante. Era um ritual rápido, com a entoação do Hino Nacional do Japão: “kimiga yoowa/ Chiyo  ni/   Yachiyoni/  Sazare/   Ishino /  Iwao to narite/ Kokeno/  Mussu made....” traduzindo:  “Que o reinado dos Imperadores dure até que, os rochedos se transformem em seixos, cobertos de musgos” (eternamente)
      É claro que nós, as crianças, também entoávamos o hino, sem saber o significado, e depois quando se davam os vivas, ficávamos contentes, porque a comemoração chegava ao fim. Os vivas eram: “Banzai, Tenno Reika !”... “Banzai, Kogo Reika!” ... “Banzai, Nippon!” ...”Banzai, Oriente Shokuminchi” ou, Viva o Imperador, Viva a Imperatriz, Viva o Japão, Viva a Colônia Oriente!
       Depois desses vivas repetidos várias vezes, alguém começava a distribuir os manjus, os motis e balas. Era o melhor momento da reunião para nós, crianças.
    Os adultos homens sentavam-se em volta de uma mesa, repleta de coisas gostosas, e saboreavam a culinária japonesa. Depois, iam de casa em casa, cumprimentar as famílias e desejar um bom ano para todos.
    Lembro ainda que, entre os pratos enfileirados, contendo  sushis , nishimê, ozooni e pedaços de toofu servidos com shoyu, havia também leitoas assadas inteiras , assim como frangos dourados, crocantes... Nesse dia, todos se alimentavam bem, pois se dizia que, quem passasse fome nesse dia, passaria necessidade o ano inteiro. Tudo era motivo para se encher a barriga.                     Hoje, relembrando aquele tempo que passou, vejo que nada restou desses costumes tão inocentes, dos japoneses.
    Cultuar uma pátria distante...cultuar Imperadores que nunca ninguém conhecera ... manter costumes de outro mundo... não há sentido nisso. Por isso, tudo se perdeu ao longo dos tempos...
     E acabamos adotando os costumes da Terra. E foi bom, porque não há sentido em consumir comida com temperos de uma região gelada, já que lutamos todos os dias, para sobreviver ao calor tórrido dos trópicos.
       E não há sentido em cultuar governantes de outros países, se é aqui   que sofremos, se é aqui que a inflação não perdoa, se é aqui que pelejamos todos os dias.
      E não há sentido fingir que, o Brasil é terra emprestada, uma vez que os nossos pais estão enterrados neste solo, para sempre. E nossos filhos e netos são totalmente brasileiros, assim como nós.
      Sei que muitos desses costumes vão prevalecer, pois origem é origem. E comer um sashimi de vez em quando é muito revigorante. E falar em japonês não faz mal a ninguém, porque cultura é cultura.
       Mas tudo isso já virou moda abrasileirada.
     E é por isso que gosto de, lançar de vez em quando, umas palavras japonesas como esse “oshougatsu”.
     Mesmo porque, há palavras que têm um significado especial para nós, descendentes de japoneses.
   Palavras como
 "Shinnem akemashite omedetou gozaimasu",
 ou Feliz Ano Novo!
       E Arigatô!

       Mirandópolis, 1° de janeiro de 2012.
        kimie oku      in


        

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

    Balanço Geral de 2014

E o ano está por um fio.
        Como podemos avaliá-lo?   
Foi bom? Foi ruim?
Em primeiro lugar, foi bom porque conseguimos sobreviver, e cá estamos para virar o calendário para outro ano. Muitos não tiveram essa ventura.
Não posso reclamar em relação à minha família. Estão todos vivos, saudáveis e pelejando. Ninguém ficou doente que requeresse muito cuidado, nem ficou mais pobre, nem mais rico. Houve problemas sim, mas quem é que não os tem? A vida se encarregará de resolvê-los, com certeza. Tenho parentes doentes é verdade, mas ninguém partiu em 2014, o que nos deixa com certa esperança no futuro.
        Comecei o ano cirandando com meus queridos amigos, e ao som das sanfonas, dos violões e do pandeiro, cirandamos também com os amigos da AMAI (Asilo local). A cantoria não falhou nem uma vez, e  cirandamos comemorando os quatro anos da Ciranda.
Perdi amigos para o Céu. Minha vizinha dona Cléia que partiu tão rapidamente, que até hoje não dá pra acreditar. O Professor Rizzo covardemente assassinado... A família Kawasaki, que admirava de coração, Sadao, Kazuko e Ricardo... A minha querida amiga dona Someko Miyamaru... O gentil seu Tonico Franco... Que estejam todos na paz do Senhor. Um dia, iremos também...
Para o povo brasileiro, o ano começou com a perspectiva de Copa do Mundo, e toda a indústria produzindo roupas e bandeiras em verde e amarelo. Só que o exagero da Comissão construindo Estádios monumentais irritou o povo, que saiu às ruas gritando sua revolta, agravada pela situação precária dos Hospitais Públicos. Atendimento ruim, doentes em corredores, no chão, falta de médicos, de equipamentos, pacientes morrendo... Foi um caos, que continua ainda e vai seguir pelo próximo ano. Verbas? Foram todas para os Estádios! Fazer bonito pro mundo, e deixar nossos pobres morrendo nas filas... Fácil é fazer cortesia com o chapéu dos outros...
E o pior de tudo é que o Brasil se esqueceu de jogar bola. Fez feio e muito feio. Eliminado! Por sete a zero, como nunca aconteceu! Foi como um teatro com palco bem iluminado e decorado até os mínimos detalhes, Mas, os atores não tinham decorado suas falas! Vexame total! Conseguiram frustrar toda uma Nação, e tirar o único consolo do povo, que peleja e sofre todos os dias, para garantir o funcionamento do país... A graça do futebol já era...
E para esquecer a vergonha da Copa, onde os estrangeiros deitaram e rolaram, veio o Horário Político da Propaganda Eleitoral. Quantas baixarias, quantas acusações, quantas mentiras, quantos golpes baixos.  Até nas redes sociais, a baixaria imperou. O eleitor não tinha mais o que ver, assistir, tudo era propaganda pró ou contra. Muito ruim. E no final, ficou tudo como estava com o PT se mantendo no poder. Alegria para metade do povo e desgosto para a outra metade...
E estourou a bomba da Petrobrás, com golpes de bilhões sacados dos cofres públicos, pelos funcionários que deveriam zelar pelo patrimônio do Estado. E quanto mais se mexe nesse poço da Petrobrás, mais sujeira vem boiando e, tanta gente considerada de respeito atolada na imundície até o pescoço! Até onde vai isso? Ninguém mais presta?
E a inflação subindo e ferrando o povo, que luta e dá o suor e o sangue para o país não parar. Tudo subiu e o governo faz cara de paisagem, e não contente passou a elevar os combustíveis, a energia elétrica... E o efeito dominó vem para cima de nós, que pagamos as contas... Fim de ano pobre, com recursos limitados... Graças às roubalheiras dos governantes que, em nosso nome desgovernam o país, enchendo seus bolsos.
E entre esse noticiário que envergonha todos os dias o povo brasileiro, procuramos viver com honra ajudando uns aos outros, e produzindo...  Apesar de aposentada há mais de duas décadas, não parei um dia sequer.  Plantei legumes, verduras e colhi muita coisa boa e distribuí entre vizinhos e amigos. Plantei árvores também, e cuidei que outras não morressem na seca prolongada. Recolhi e continuo recolhendo água de chuva para poupar a da Represa, que está secando.
Nesse ano que passou, escrevi mais de 60 crônicas das mais de trezentas que foram publicadas, que são lidas no Brasil e em vários países do mundo, como China, Ucrânia, Espanha, Alemanha, Estados Unidos, França, Portugal e Japão. Estou realizada, porque as leituras das minhas crônicas já ultrapassaram a marca de quarenta e duas mil visualizações, sem computar as leituras no jornal Diário, que circula aqui e na região. E isso em apenas três anos!  Entrevistei algumas pessoas que labutaram por Mirandópolis.  E terminei de copiar em japonês, as biografias de Toyotomi Hideyoshi, Uesugi Kenshin e Noguchi Hideyo... Agora passei a copiar a biografia de Minamoto Yoritomo, um dos pilares da História do Japão; e a estudar também os Provérbios japoneses, que são fantásticos. Sabedoria milenar, porque tem origem na cultura chinesa.
Em artesanato, andei fazendo toucas de crochê e tricô para o Hospital de Barretos e consegui terminar de bordar em ponto cruz uma toalha de banquete, que estava encalhada no fundo do baú há anos...
Ah! Ia me esquecendo! Toquei piano mais ou menos regularmente, e estou tirando Noturno de Chopin, devagarinho. Já consigo tocar Mulher Rendeira, Sonata ao Luar de Beethoven, Jesus, alegria dos homens de Bach, Reverie de Schumann, Serenata de Shubert,  Casinha pequenina e algumas outras mais...
Além disso tudo, ainda consegui interagir com muitos mirandopolenses que moram fora, via Face book. E conheci também via Internet pessoas fantásticas como a escritora Rosa Chimoni de Guarulhos, Cidinha Pereira Gomes do Rio de Janeiro, Itagiba Vieira de Sorocaba, Laudir Mathias de Bauru, Luiz Nunes de Adamantina... e muitos outros.
Minha saúde está normal, sem dores e consigo fazer todos os exercícios necessários para não me travar. Vou a pé até o Banco, às farmácias e à mercearia. Só que estou bem mais devagar... setenta e dois anos não são leves, não!
No final das contas, até que funcionei bem nesse ano de 2014. Não realizei nada de especial, e penso que ficou algum saldo positivo. Em 2015 quero realizar tudo isso, e curtir o tempo de vida que me resta.
E Boas Festas para todos, e saúde e muito trabalho em 2015!
Mirandópolis, dezembro de 2014.
kimie oku in
http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/



sexta-feira, 12 de dezembro de 2014





                                Noguchi Hideyo
   Acabei de ler uma belíssima biografia. Aliás, não só li como copiei, porque essa é a minha forma de estudar a Língua Japonesa. Há anos que faço assim: compro os livros japoneses através de uma Livraria de São Paulo, que os importa do Japão para mim. São livros sobre personagens históricas, heróis que construíram o Japão Moderno, literatos e personagens que se dedicaram a pelejar para salvar a humanidade.
      Assim, já li e copiei com pincel (fudê) e tinta a carvão, as biografias dos Samurais Shingen, Nobunaga, Hideyoshi, Uesugi, Ieyasu,Yoshitsune; além da escritora de novelas Higuchi Ichio  e do poeta Miyazawa Kenji. E agora, terminei a biografia do cientista Noguchi Hideyo.
      Aprendo muito com essas leituras. Elas me revelam o Japão que não conheci nem em sonhos. E contam como o Japão  Medieval foi se desenvolvendo aos poucos, saindo do ostracismo a que ficara confinado por séculos, por conta da crença em lendas que pregavam que os Imperadores tinham origem divina.
      Shingen, Nobunaga, Hideyoshi, Kenshin e Ieyasu foram os bravos samurais, que através de vidas totalmente dedicadas à guerra, conseguiram pacificar e unificar o Pais, que estava completamente dividido em pequenos países, que viviam guerreando entre si por posse de territórios. Eles fazem parte da história heroica do Japão e são venerados nos templos até hoje. Realmente, seus combates e suas vitórias não perdiam em nada para os heróis fictícios modernos, que enchem as telas de cinema hoje. Mas eram reais. Eles viveram num tempo em que, a derrota era considerada desonra, e para fugir dessa desonra tinham que praticar o “haraquiri” ou suicídio, cortando a própria barriga. E os inimigos capturados tinham seus pescoços cortados... Esses procedimentos faziam parte do Código do Samurai, e ninguém contestava isso. Por serem verdadeiras essas histórias, elas apaixonam os leitores.
      Mas, para dar uma trégua às leituras de guerras, resolvi ler a biografia do cientista Noguchi Hideyo. É uma das mais belas e reais histórias que já li até hoje.
      Noguchi nasceu num vilarejo bem pobre da Província de Fukushima, Japão em 1876. Sua família era mais pobre que pobres, com a situação agravada pelo pai viciado em bebida alcoólica. Sua mãe é que dava duro, todos os dias nas roças dos vizinhos, para pôr a comida na mesa.
      Quando tinha apenas um ano e meio, Noguchi caiu no braseiro de aquecimento que havia no meio da sala, e teve uma queimadura, que o deixou aleijado da mão esquerda. Ao frequentar a escola primária, foi alvo de perseguição e humilhação por causa da mão preta e defeituosa que possuía. Era chamado de Maneta, de Aleijado pelos colegas, por isso começou a ficar triste e solitário, evitando o convívio deles. Quando sua mãe percebeu isso, aconselhou o garoto a estudar bastante, para vencer os meninos que o perseguiam. E assim fez. Estudou tanto que era o melhor aluno da classe, e passou a ser o Monitor de seus colegas, por ordem dos Mestres. Um Professor em especial ficou impressionado com o empenho do menino, e resolveu investir em sua educação. Patrocinou o prosseguimento dos estudos equivalentes ao Ginásio, porque a mãe não podia pagar as mensalidades, e nem comprar o material escolar.
      Para ir a essa escola, tinha que andar 12 quilômetros diariamente, mas nunca faltou, mesmo em dias de nevasca...  Tinha apenas doze anos de idade. Um dia, ele escreveu uma redação, em que revelou o desejo de pegar uma faca e soltar cada um dos dedos da mão aleijada, para torná-la funcional, pois não podia nem apontar seus lápis. Com o acidente no braseiro, seu polegar estava grudado no pulso e, os demais dedos grudados na palma da mão. Todos os Professores que leram a redação ficaram bastante comovidos, e resolveram proporcionar-lhe uma cirurgia. Para isso, fizeram uma campanha na escola e na comunidade, e com a ajuda de todos foi feita a operação. Quando Noguchi conseguiu pegar um objeto com essa mão, chorou. E tomou uma decisão: Seria Médico. Para ajudar pessoas como ele que precisavam de cuidados.
      Para conseguir esse objetivo, apelou para os Professores que o encaminharam a um Hospital, onde aprendeu o ofício vendo os procedimentos dos médicos e enfermeiros, e estudando como autodidata em livros de Medicina. Ao mesmo tempo, estudou com afinco a Língua Inglesa e a Alemã, além do Chinês.
      Ao se formar, se dedicou à pesquisa para descobrir as causas das doenças. E foi designado para trabalhar no Centro de Pesquisas de Doenças Transmissíveis de Tókio. Ali, conheceu o Professor Emérito James Thomas Flexner da Faculdade John Hopkins, dos Estados Unidos. Este ficou fascinado com os conhecimentos de Noguchi, e lhe recomendou que o procurasse quando fosse aos Estados Unidos.
      A peste bubônica estava matando pessoas na China, e Noguchi foi designado para participar da Comissão de Médicos de vários países para deter a doença. Noguchi foi e realizou um bom trabalho. Ao retornar ao Japão, resolveu ir aos Estados Unidos para se dedicar às pesquisas. E lá, junto com o Professor Flexner pesquisou sobre venenos de cobras. Como era minucioso e muito dedicado, fez anotações que organizou numa tese que publicou. Sua tese sobre Venenos de Cobras deixou admirada a comunidade científica, e o nome de Noguchi Hideyo ficou conhecido em todo o mundo.
      Quando o Professor Flexner foi designado para atuar como Diretor do Rockfeller Center de Pesquisas, levou Noguchi consigo. Mas, antes o mandou para Dinamarca aperfeiçoar os estudos. E lá na Europa, ficou conhecido pelas palestras sobre venenos de cobras, que proferiu em vários países.
      Ao voltar para os Estados Unidos, pesquisou e separou   a bactéria causadora da Sífilis, doença sexualmente transmissível, que matava muita gente na época. Com a descoberta da bactéria, foi possível organizar os procedimentos para prevenção e tratamento da sífilis.
      Noguchi casou-se com Mary Loretta Dardis, que o apoiou totalmente em sua dedicação às pesquisas.
       Após quinze anos ausente, ao receber uma foto da velha mãe, que implorava a sua volta, retornou ao Japão. E nessa visita, ele conseguiu demonstrar todo o amor filial que sentia pela genitora, que acreditara na sua inteligência e capacidade.

      Mas, a sua vida de pesquisador o levaria a várias partes do mundo, indo para Equador onde conseguiu separar o agente causador da Febre Amarela, que estava dizimando populações inteiras de equatorianos. Após separar o agente causador da doença, a vacina era preparada no Rockfeller Center para controlar as epidemias. Depois, seria encaminhado para Merida no México, onde grassava a febre amarela. Por essa mesma razão, iria para o Peru, para Bahia no Brasil. E em todos esses lugares por onde passou, conseguiu salvar a vida de milhares de pacientes atacados pela febre amarela.   
      Por tudo isso, Noguchi recebeu as mais altas condecorações dos países por onde passou, e de outros países como a França, que lhe concedeu a Legião de Honra, a Espanha, a Suécia e o Japão lhe concedeu a Honra ao Mérito da Ordem do Sol Nascente.
Mas, a sua carreira de pesquisador de bactérias ainda o levaria para a África, onde havia uma modalidade mais violenta de febre amarela. Ali, ele se empenhou em separar o agente patogênico, que matava milhares de africanos todos os dias. E após duro combate, varando noites e dias, após cinco meses de trabalho fatigante conseguiu separar a bactéria. Mas, com o corpo enfraquecido e maltratado pelas noites mal dormidas, e pelo calor sufocante da África, acabou contraindo essa terrível doença, que o mataria a caminho de Nova Iorque, para onde estava levando o causador da doença.  Tinha apenas 52 anos de idade

      Sua morte causou uma grande consternação no mundo científico, e muitas homenagens foram feitas. Foi velado no Rokfeller Center e enterrado no Cemitério de Woodlawn em Nova Iorque, como Benfeitor da humanidade.
      Além de ser o descobridor das bactérias causadoras da Sífilis e da Febre Amarela, suas pesquisas contribuíram muito para deter essas doenças pela fabricação das vacinas. Também foram de muita importância suas pesquisas sobre venenos de cobras e sobre Tracoma, doença que atacava os olhos.
      Em várias partes do mundo há hospitais e Centros de Pesquisas que levam o seu nome, tal a importância que teve para o progresso da Medicina. Em Ueno, Japão e em Gana na África há estátuas para eternizar o seu nome, e a casa onde Noguchi nasceu em Fukushima foi transformada em Museu.
      As homenagens foram justas porque em nome da ciência, ele dedicou totalmente a sua vida às pesquisas para vencer doenças. E foi vítima de uma das mais terríveis. Podemos até dizer que viveu e deu a vida pela Febre Amarela.
      Por tudo isso, tive que contar essa linda história, para provar que, mesmo pobre e deficiente não haverá barreiras para quem quer vencer.
      Mirandópolis, dezembro de 2014.


      kimie oku in


                                                                                                                                                                

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

        Fim de ano
        Eu já fui do tempo que corria loucamente durante o mês de dezembro para dar conta de tudo. Já fui, hoje não. Levo a vida mais em câmara lenta. Afinal tudo ocorrerá exatamente como sempre.
        E a vida, quando se chega aos setenta anos tem outro significado, e cada momento tem que ser vivido na plenitude, pois ele nunca mais se repetirá. Então prá que correr e atropelar os outros?
        Fim de ano, Natal, Reveillon, Ano Novo. Já passei por tantos e, tudo é a mesma coisa. De repente, percebo que o tempo que me resta não é muito, e não devo desperdiçá-lo.
        Datas festivas em calendário, presentes, comemorações, roupa nova, baile branco, amigos secretos são recursos inventados pelos comerciantes para melhorar as vendas.
        Analisando friamente, come-se e bebe-se demais nessas festas, gasta-se demais em bobagens e inutilidades, agita-se demais, acelera-se demais. E morre gente demais, por conta de alguns imprudentes, que para comemorar um Natal, têm que encher a cara até perder o juízo.
        Por tudo isso, não gosto dessa agitação que toma conta da cidade e tira todo mundo do sério.
        Sou retrógrada? Acho que sim, porque meu ritmo é outro, e não estou nesse mundo só para agitar e festar.
        Então procuro ver algo novo, alguma ideia para me inspirar a escrever, converso com amigos e desconhecidos que leem minhas crônicas... Na tevê que só escuto, as notícias de sempre: sobre Pelé e sua doença repetidas até a exaustão, até cansar mesmo! Notícias da votação ocorrendo lá no Congresso, de compra de votos dos parlamentares, barganhados pela liberação “irrisória de Setecentos Mil Reais” de recursos por Parlamentar! E já foi aprovado o Projeto de Lei para descumprir a meta da economia, para pagamento de juros da dívida pública em 2014. Todo mundo recolhendo suas benesses, felizes e sem se envergonharem de estarem roubando a própria Pátria! Mercenários! Concordam com tudo desde que, encham seus bolsos! Congresso que é uma vergonha nacional!
         Mas, dentre as dezenas de ideias interessantes que são postadas todos os dias no face book, achei sensacional a seguinte proposta:
       
     “Façamos o seguinte para o Natal: vamos comprar os presentes de pequenas empresas e autônomos. Da vizinha que vende por catálogo, de artesãos que fazem bijuteria ou boa sorte, da amiga que tem uma loja no bairro. Do pasteleiro que faz doces artesanais, do rapaz que tem uma banca no mercado... Façamos o dinheiro chegar às pessoas comuns e não às grandes multinacionais. Assim haverá mais gente a ter um melhor Natal. Apoiemos a nossa gente! Se acha que é uma boa proposta, copie e cole no seu mural. Vamos tentar ao menos. Vamos fazer uma corrente.” (De Flocos de Mel)
        
     Estou, divulgando essa ideia no face e gostaria que todos adotassem mesmo! Já pensou na felicidade daquela senhora que, faz um panetone caprichado e delicioso ter de repente, dezenas de encomendas? Da boleira que passa o ano todo servindo bolos de aniversário, ter pedidos além do esperado? E daqueles cozinheiros que preparam leitoas e perus como ninguém, que de repente têm seus serviços requisitados como nunca? E a alegria da batian, que faz um sushi delicioso, receber encomendas e mais encomendas para o ano Novo? E sashimi e udon?
        Aí sim, estaremos contribuindo para a felicidade de nossos amigos, pequenos e simples confeiteiros, padeiros e cozinheiros. E a sensação que fica é a melhor do mundo, sabendo que através do trabalho digno e caprichado desses artesãos da culinária, tivemos um Natal e um Ano Novo mais saboroso para nós, e mais satisfatório para eles.
        E quanto aos presentes? Vamos recorrer a pequenas lojas, que passaram o ano todo tentando sobreviver à crise econômica, que não está fácil pra ninguém. Vamos recorrer às vendedoras de cosméticos e perfumes por catálogos, que elas também querem ter um Natal melhor.
        E se quiser um presente mais requintado, que tal passar naquela loja que está liquidando tudo para encerrar as atividades, porque seus proprietários partiram para sempre? Tem tanta coisa linda lá, pela metade do preço! Vá lá antes que a loja encerre suas atividades.
        E lá na Feira, há o rapaz que vende lindas orquídeas, cultivadas por ele mesmo! Dar orquídeas de presente, taí uma boa ideia! E tem ainda feirantes que oferecem frutas e verduras frescas, por preços tentadores. Vale a pena dar uma passadinha lá.
        O Natal está aí, fala-se em espírito natalino, mas na realidade pratica-se muito pouco. Essa forma citada aí em cima é um jeito simples de fazer alguém mais feliz, e não está difícil de realizar.
Ainda dá tempo! Vamos repensar esse Natal, vamos nos unir e tornar mais felizes as pessoas que vivem ao nosso redor. Gente que luta e peleja o ano todo merece o reconhecimento da comunidade.
Vamos fazer essa corrente e esse Natal será diferente, com certeza!

Mirandópolis, dezembro de 2014.
kimie oku



        

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014



                               A gente aprende
   A gente aprende sempre.
        Tem um ditado que diz: “Quem não aprende por amor, aprende pela dor.” Isso é uma grande verdade.

        Erramos pelejando em obras ruins, acreditando que estamos no caminho certo e acabamos por dar com os burros n’água.... E depois de quebrar a cara muitas vezes, acabamos refazendo o caminho e descobrimos que a alternativa era melhor. Talvez mais penosa, mais íngreme, mais sofrida mas, correta.
        A falta d’água no Planeta está devagarinho, mas muito devagarinho despertando consciências. Eu mesma sou uma dessas consciências, que agiu errado, e esbanjei água sem um tico de responsabilidade. Hoje, diante da iminência de secar as fontes, tive que despertar e começar a agir.
        Comecei a analisar tudo que fiz até agora em relação à água, que achava inesgotável. Lavei quintais, carros, tomei vários banhos diários, esqueci torneiras abertas, não consertei outras que pingavam água incessantemente... Encharquei vasos de flores, afogando-as, Varri o quintal com água por preguiça de usar a vassoura, enxaguei roupas na lavadora mais vezes do que o recomendado pelo fabricante, e lavei a louça com a torneira aberta por horas, lavei a casa com borrachas jorrando água sem parar. Nunca prestei atenção em como as minhas auxiliares domésticas usavam a água. De repente, percebi que elas como eu, não tinham consciência de seus atos, e muitas vezes ficavam conversando com os passantes de rua, segurando a borracha que jogava água para o nada... e isso quase todos os dias, pois haviam aposentado as vassouras...
     
  Então, descobri que sou culpada pela falta d’água na terra. Que tenho imensa culpa e devo me redimir, agindo de outra forma daqui para a frente.

        E então me lembrei que, antigamente todas as casas tinham um poço no quintal, de onde se retirava a água necessária para o consumo. O poço era um buraco aberto no chão, e tinha sempre mais de cinco metros de profundidade, para se ter acesso ao lençol freático do subsolo. Por cima da boca aberta no chão, construía-se uma caixa e em cima havia um sarilho com corda e balde para puxar o precioso líquido. A gente soltava a corda com o balde na ponta, que ao chegar ao lençol se enchia e então era a hora de rodar o sarilho para trazer a água para cima. Fiz isso centenas de vezes na minha infância e juventude. Inclusive sofri um acidente, por ter soltado o sarilho com o balde cheio, e machuquei minha cabeça, de onde jorrou sangue até eu desmaiar. Coisas de gente distraída...
        Como o poço ficava fora de casa, sempre tínhamos um pote cheio na cozinha para uso diário. Não me lembro de ter desperdiçado água, usando-a sempre na medida certa para as tarefas caseiras. Puxar água do poço era uma tarefa dura para crianças...
        Para se molhar as verduras e flores do quintal usávamos regadores, e era muito trabalhoso e cansativo.

        Então quando chovia a cântaros, recolhíamos água para lavar a roupa, para molhar a horta e também para lavar a cabeça, que água de chuva é excelente para a saúde dos cabelos, assim diziam os mais antigos. Lembro que, como as bacias e os baldes eram de metal (não havia plástico ainda), as gotas de chuva caindo do telhado tamborilavam nas vasilhas e produziam um som bonito, como se a água estivesse cantando. Lembrança doce, que traz saudades... os plásticos produzem um som seco, sem graça...
        Mas, a tecnologia invadiu nossas vidas, e trouxe a água encanada para dentro de nossas casas, facilitando drasticamente as tarefas caseiras. Era só girar a torneira que a água jorrava sem parar. E nunca ninguém nos orientou para usar esse líquido precioso com parcimônia.
        E inventaram as borrachas com um bico para ligar na torneira e pronto, ali estava a vida totalmente facilitada para lavar a casa, os quintais, os carros, as calçadas, molhar os jardins, as hortas... lavávamos até as paredes da casa!
        Mas, um dia as fontes começaram a secar. Era gente demais povoando a Terra, era gente demais desperdiçando água, era gente demais inconsciente jogando fora o líquido precioso.
        E então chegamos até aqui, com todo mundo olhando para o céu, e pedindo clemência para Deus mandar chuva e encher as represas, que o nível baixou e não dá para servir as populações das cidades...
       No Brasil, ainda há muita água potável; há por esse mundo afora lugares pobres de rios e fontes, onde morre gente de fome e sede...
       Aqui em nosso país, quem mais sofre é o nordestino, com pouca densidade de chuvas o ano todo, e morre muito gado de desnutrição. (Oh! Senhor, pedi pro sol se esconder um pouquinho/ Pedi pra chover, pra chover de mansinho/Pra ver se nascia uma planta no chão – em “Súplica Cearense” de Waldeck Artur de Macedo e Nelinho, lançado em 1960, e tornada famosa por Luiz Gonzaga).
Mas, temos recursos hídricos invejáveis: o São Francisco, cujas obras de transposição se concluídas estariam salvando todo o povo nordestino; o Paraná que possibilitou a construção de uma Usina Hidrelétrica, que fornece energia para Argentina, Paraguai e Brasil; o Tietê que atravessa nosso Estado irrigando as pastagens e as culturas agrícolas dos moradores ribeirinhos. E mais uma centena de rios volumosos, que servem as extensas regiões do país. Somos abençoados pela natureza tão pródiga em nos fornecer água. Só não sabemos usá-la com cuidado e economia, para que ela nunca falte.
Só então, agora que as fontes estão secando, passamos a usá-la com parcimônia. E estamos aprendendo a reutilizar a água da lavagem de roupa para lavar o quintal, a água do enxágue para lavagem de outra remessa, a do enxágue de louça e de lavagem de legumes feita em bacias, para molhar as plantas, a água do banho para descarga dos vasos sanitários. E retomamos o antigo hábito de coletar água da chuva em baldes e bacias. Quando chove por horas, é possível recolher mais de cem litros de água. Basta ter vasilhas para recolher e encher os tanques e as máquinas... E a consciência fica leve, porque é uma forma fácil e prática de poupar a água da torneira.
Desde que começou o noticiário de falta d’água em várias regiões do país, não me sai da cabeça a história de José Fernandes e Jacinto, narrada por Eça de Queirós, em 1901. A obra se chama “A cidade e as serras” e marcou época em Portugal quando foi lançada.
Jacinto é um riquíssimo milionário que vive em Paris, considerada na época, a capital da Europa em luxo e modernidade. Vivendo com todas as regalias possíveis, desenvolveu uma teoria de que a Suma Ciência adicionada à Suma Potência resultaria em Suma Felicidade. Quanto mais facilitada a vida pela civilização, mais feliz seria o homem.
Em contrapartida, seu amigo português procedente de vida campesina das serras de Portugal, fica deslumbrado ao constatar as modernidades que facilitam a vida do parisiense. E como o luxo e o acesso a tais modernidades trazem muita satisfação, os dois vivem uma fase mergulhados na vida citadina, sorvendo com avidez tudo que a civilização lhes oferece.
Mas, um dia, eles percebem o vazio de toda aquela vida social, de madames e senhores respeitáveis, que viviam mais de aparência do que a realidade lhes permitia. E da tecnologia que de repente falha, negando a luz e a água para o mínimo indispensável. E a vida na cidade tão luxuosa, tão moderna se transforma num caos, com a falta de luz e de água... E um acidente com uma propriedade de Jacinto, fá-los voltar para as serras de Portugal, onde descobrem que a verdadeira felicidade estava na vida simples do campo, onde o ar é perfumado, a natureza é pródiga e a água nunca falta...
E com isso, a equação de Suma Ciência aliada à Suma Potência  provou para os dois, que não resulta em felicidade do homem.
E assim, cá estamos nós agora, como o Jacinto e o José Fernandes de Eça de Queirós, que viveu em outro século, constatando que felicidade mesmo é ter um poço no quintal que nos sirva água sempre, como foi antigamente. Que todas as modernidades da civilização podem facilitar a nossa vida, mas nunca representarão a felicidade.
Sem água, o planeta está condenado. Vamos salvá-lo!

Mirandópolis, novembro de 2014.
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