domingo, 30 de julho de 2017

        Última Ciranda no
              Diário
   É com muita tristeza que estamos publicando pela derradeira vez sobre o Grupo Ciranda.
     Esse Grupo foi instalado aqui em Mirandópolis em 15 de outubro de 2010, com o propósito de ajudar os idosos solitários a vencer a solidão de suas vidas.
   Iniciamos com meia dúzia de participantes e hoje, passados quase sete anos, temos cerca de cinquenta participantes ativos. Para a execução desse projeto por mim idealizada, foi fundamental a ajuda e participação do senhor Mario Dias Varela, atualmente afastado por motivos de saúde. Como os participantes são idosos, nesse período perdemos mais de uma dezena de amigos, que foram cirandar no céu. Foram felizes por terem cirandado na terra.
    

O grupo conta com voluntários para levar os idosos e colaborar nos lanches, e nos reunimos na Chácara de outro benfeitor, o senhor Albertino Prando.
    Também foi de suma importância a colaboração do Jornal Diário de Fato, que ao longo desses sete anos registrou todos os encontros, gratuitamente. As notícias da Ciranda e sobretudo as fotos publicadas no Jornal, fizeram a alegria de todos os participantes, pois muitos deles nunca haviam sido destacados... Em todos os nossos encontros, alguém do Jornal comparecia para registrar os momentos de alegria. Luan Fabrício, Eloyce, Allan Mendonça e até a Diretora Alice compareceram, valorizando sempre o nosso trabalho. E a jovem Eloyce que hoje está em Palma de Maiorca na Espanha, solicitou que o grupo cantasse para ela. Escolhemos “Saudades de minha terra”, porque ela está com muitas saudades de todos que deixou aqui. O Allan gravou e enviou para sua irmã. Ela ficou bastante emocionada e chorou muito ao ver as fotos e ouvir o grupo cantando. De saudades. Desejamos a ela que seja bastante feliz, junto do esposo Eduardo e que Deus abra seus caminhos.
     No final da tarde após muita cantoria, comemoramos o aniversário do Moacir, do João Francisco, da Euclídia e da Júlia, cantando parabéns para eles.
     Assim foi a Ciranda de julho, que continuará no próximo mesmo sem o jornal. Infelizmente...
     E antes de encerrar essa publicação, quero agradecer em nome do Grupo Ciranda, todo o empenho do Diário, que nunca falhou com as nossas notícias... Desejamos à Alice, ao Allan e a todos os funcionários, que Deus guie seus passos e sejam felizes em outras empreitadas. Muito obrigada e que Deus os proteja.
Sempre.
     Mirandópolis, julho de 2017.
kimie oku in


quinta-feira, 27 de julho de 2017

         O Jornal
       De repente, um pensamento me ocorreu:
     “ O Jornal é necessário?“
      Nos primórdios dos tempos, quando o homem começou a se comunicar com seus parceiros sentiu a necessidade de algo além da fala, para atingir outros que não estivessem à vista. Usando códigos acabou inventando a escrita. E o mais incrível é que surgiram diversas formas de escrita: grego, egípcio, aramaico, arábico, fenício, sânscrito... Que por sua vez, deram origem a milhares de línguas escritas em diferentes recantos do planeta. Assim, hoje temos línguas escritas originárias do alfabeto grego como o Português, o Espanhol, o Inglês, o Francês... O Japonês, o Tibetano, o Coreano tiveram origem no alfabeto chinês, que era quase uma escrita pictográfica, usando símbolos semelhantes aos objetos representados... E a escrita pictográfica mais conhecida é a dos egípcios, que ainda está nas tumbas de seus Faraós...
      Voltando à comunicação, depois que inventaram o alfabeto, tudo ficou mais fácil. Escritos nas areias, nos rochedos, nos portais de casas sinalizavam uma ordem, um aviso, uma advertência, que atingia de forma muito eficaz a massa. Dispensou um anunciante, que deveria ficar repetindo em alto e bom som até a exaustão, essas ordens e essas advertências...
E depois da invenção do papel, a escrita se vulgarizou. Panfletos, jornais e livros foram produzidos, formando uma indústria, que se propagou no mundo todo. Escolas direcionaram os ensinamentos baseados em livros didáticos, que facilitaram bastante o processo ensino-aprendizagem. A transmissão do conhecimento ficou muito mais eficiente.
Não só o alfabeto como o sistema de numeração decimal adotado no Ocidente aceleraram a comunicação entre vários países, e está sendo absorvido pelo Oriente, entre os árabes, chineses, hindus e japoneses. É a necessidade de entendimento imediato em transações comerciais, sociais e políticas. Peace, stop, love, war, tsunami, money, dólar, café são palavras de domínio público no mundo todo, assim como o sistema de numeração decimal arábico que usamos. O mundo tem muita pressa.
No mundo atual a Tecnologia vai invadindo e substituindo tudo: os livros não têm mais leitores... As Bibliotecas estão às moscas... E os jornais estão se reduzindo de volume e de edição. A Internet conectou o mundo todo e as informações são acessíveis em segundos. Isso facilitou bastante a vida de todos. Entretanto a Tecnologia não dispensa a escrita de letras e numerais, e nem a linguagem fonética. Ainda. Por enquanto, os alfabetos são indispensáveis até que se criem outras formas de simbologia mais rápida e eficiente.
E quanto ao Jornal? É indispensável?
Será dispensável em futuro bem próximo.
     Ultimamente, os jornais passaram por uma mudança radical. Foram reduzidos de tamanho para se adequar às exigências econômicas e continuar circulando. Os cadernos dos grandes jornais atuais estão cada vez mais finos. Porque o momento atual é de grave crise econômica e é preciso se adequar à dança dos números...
Mas, o jornal tem uma característica que outros meios de divulgação não têm. É um papel, que publica informações silenciosamente a que se pode reportar a qualquer momento, sem dificuldade. É barato e acessível até ao mais simples cidadão. Não requer tecnologia e nenhuma parafernália para sua leitura. E possibilita a leitura e releituras de informações sobre os acontecimentos sociais, políticos, esportivos, culturais e econômicos, além de acesso às informações sobre os mais diversos assuntos. E ainda, o Jornal é formador de opinião pública, que é um fator muito importante. Quem lê, acaba sabendo mais sobre o que está ocorrendo no mundo e não vive alienado. Mesmo assim será descartado.
      O jornal está condenado. Irremediavelmente. Também as Bibliotecas e as Livrarias. Assim como as Escolas. Porque os conhecimentos podem ser acessados via Internet sobre os mais diversos assuntos. E os arquivos do Google satisfazem a maioria de seus usuários. Embora incompletos. Que serão melhorados com a passagem do tempo.
A cada dia a Internet está dominando a área da comunicação. E o primeiro a cair será o jornal. E depois serão os livros. Porque logo, logo se tornarão obsoletos e ultrapassados. E é um caminho sem volta. É uma batalha perdida de antemão.
Inexoravelmente.
E aí, fica a questão:
O jornal é indispensável?  
Até quando?

Mirandópolis, julho de 2017.
kimie oku in


sábado, 22 de julho de 2017

        Bon Odori


    
          Há muitos e muitos séculos, existiu um Monge budista no Japão, chamado Mokuen que tinha um poder extraordinário. Ele possuía uma visão transcendental e podia ver o que acontecia em qualquer dimensão.
       Quando sua bondosa mãe faleceu acreditava que ela estaria no Nirvana, junto de Buda. E se concentrou para visitá-la e confirmar sua suposição. Mas... qual não foi sua surpresa ao constatar que ela estava no Mundo dos Gakis, ou Demônios famintos...
         Desolado ao ver a mãe nessa condição, resolveu levar comida para ela. Mas, tudo que ela tentava consumir se transformava em fogo e lhe queimava a boca...  Mokuen se retirou e orou bastante para o Buda aliviar o sofrimento de sua querida genitora. Então, o Buda lhe disse para recolher todos os Monges do Mosteiro no dia 15 de julho e os mantivesse enclausurados o dia todo, sem sair para não pisar nos insetos e nas flores. Um dia inteiro sem pisar nos insetos e nas flores... Buda amava demais a natureza...
         Mokuen convidou os parceiros para prestar uma homenagem a sua mãe e fez tanta comida, que os manteve ocupados em comer e descansar o dia todo. Ninguém se lembrou de sair do Mosteiro.
         Quando o dia terminou, sua mãe apareceu tão linda e luminosa como um chochin (lanterna japonesa usada nas festas) flutuando leve e feliz... Encantado, Mokuen a seguiu e começou a dançar de felicidade. Os monges também fizeram uma grande roda e saíram dançando felizes...
Foi assim que surgiu o Bon Odori, ou a Dança para os Mortos.
De acordo com os preceitos budistas, os espíritos dos mortos têm três dias para revisitar os vivos. É o Obon, que significa o Dia dos Finados, dos Mortos. No Japão, é comemorado em agosto. Nesses dias as famílias retornam aos vilarejos, e fazem uma romaria aos túmulos da família levando flores, incensos e comida para os antepassados ali enterrados. A comida tem um significado doloroso: É um consolo espiritual para aqueles que morreram de fome em épocas de guerra e pós guerra...
Além dessa romaria, os familiares se visitam para rever parentes que ficaram morando na terra natal. É época de recordar o tempo passado, de relembrar os membros que já partiram, de lhes prestar uma homenagem com uma celebração religiosa e jantares em família.
No terceiro dia, antes que os espíritos retornem ao seu mundo espiritual, realiza-se uma grande dança. É o Bon Odori, que tem a finalidade de saudar os antepassados que já partiram para Deus. E ao anoitecer, todos se juntam à beira de rios e riachos para lançar uns barquinhos de papel com velas acesas. A intenção é iluminar o caminho de volta dos espíritos. Assim é em algumas partes do Japão, até hoje.
O Bon Odori já faz parte do calendário festivo de todas as cidades, onde ainda residem alguns remanescentes dos imigrantes japoneses, que para cá vieram há mais de um século.

Aqui é cultivado como uma festa pagã e faz a alegria de muita gente, descendentes de japoneses, ou não.
Daquela lenda do Monge Mokuen, ainda estão preservados alguns costumes: a imensa roda de pessoas dançando ao som de taikô e shakuhachi, os happi, os chochin coloridos e a comida típica japonesa.  A comida se compõe de udon quentinho, que é uma deliciosa sopa especial com macarrão branco, sushi e doces...  Só que não tem mais a conotação religiosa que tem no Japão. É uma festa simplesmente.
A música que repete sempre Yaren soran, soran, hai, hai  provoca uma reação interessante. Parece que as pessoas estão realmente perguntando onde estão os arenques que os pescadores buscam... Mas, todos dançam ao som desse Soran Bushi sem saberem o significado da música, da dança, dos gestos... Importa é dançar, e se divertir.
Mesmo os nikkeis não sabem o significado do Obon odori. Menos ainda os brasileiros, pois é encarado mais como uma grande festa de origem japonesa.
Acredito que, se Mokuen pudesse retornar à Terra e visse o nosso Obon odori, ficaria encantado de ver a diversidade de pessoas, de ver as mudanças do significado dessa celebração, de ver como uma dança sua se tornou universal.
E viva o Bom Odori!
Eternamente!



Mirandópolis, julho de 2017.
kimie oku in



quinta-feira, 20 de julho de 2017

     Elegia para uma pomba


Eu vejo coisas que não gostaria de ver. Porque ver significa sofrer.
Há uns dois meses mandei podar as árvores de minha casa, uma sibipiruna na calçada e uma acácia imperial do jardim. Elas ficaram quase peladas de folhas...
E um casal de pombos resolveu fazer um ninho na acácia. Enquanto a pombinha ficava botando os ovos, o parceiro carregava galhinhos secos para reforçar o ninho. E quando chegou a terrível frente fria da semana passada, a pombinha estava lá firme e forte chocando os ovos... O vento chegava a assobiar, mas ela ficou lá no relento, desprotegida totalmente. A noite foi tão fria que eu toda embrulhada em cobertas e mais cobertas não conseguia me aquecer. Pensando na pombinha. Rezei pro São Francisco de Assis, protetor dos  animais para protegê-la... E postei a foto da valente bichinha no face book.  E o amigo Dinho Resler comentou que os gatos não lhe dariam folga... E eu contestei. Não havia gatos rondando.
E de lá pra cá, todos os dias ia vê-la lá no alto, aquecendo os ovos. Eu jogava migalhas de pão no chão para que seu parceiro as levasse pra ela. De repente, não mais vi o parceiro. E ficou uma grande dúvida. Morrera de frio? Fora consumido por algum gato? Desistira da parceira?
Felizmente, as noites e os dias ficaram mais quentes e o sol voltou a brilhar e a aquecer a terra e a pombinha.
E eu pesquisei no Google quantos dias ela teria que ficar de plantão para os filhotes eclodirem... 18, 19, 21 dias... Pobrezinha! Muito tempo! Fazendo um regime forçado, sem voar por recantos conhecidos, sem bailar no ar com os companheiros... sem cruzar os ares, sem poder comer comidinhas preferidas... Percebi que o exercício de maternidade para uma pomba é um sacrifício sem tamanho, que os filhotes não vêm pois eles ainda estão no interior dos ovos... E comecei a respeitar a bichinha e torcer para que tudo corresse bem.
E foi. Até esta madrugada.
Como de costume, fui espiar a pombinha. Ela não estava no ninho. Pensei que ela havia saído um pouquinho para se alimentar. Porque mesmo pomba não é de ferro...
Qual não foi minha desolação ao encontrar uma porção de penas no chão! Penas longas de asas, penas com penugens do peito... Fiquei atordoada! Tanto sacrifício para no final ser traçada por algum bicho!
Quando a minha ajudante chegou, contei o ocorrido. Aí ela me disse que após o almoço vira um gato descendo da árvore... Então fora ele!
Aí me lembrei do Dinho que me alertara sobre os gatos... Infelizmente, ele tinha razão. Os gatos ficam espreitando... E a pombinha provavelmente estava dormindo quando o felino a abocanhou. E com certeza, também consumiu os ovos... Senti uma pena imensa da bichinha. Mas, nem pude ficar com raiva do gato! Afinal, ele também deveria estar com fome. E é um felino e carnívoro... E os passarinhos estão na sua cadeia alimentar. É a lei da natureza.
Entretanto, ficou um pesar imenso pela pombinha que teve sua vida interrompida repentinamente, após amargar noites e noites ao relento em defesa de sua ninhada.
Requiem para a pombinha!
Mirandópolis, julho de 2017.
kimie oku in



quinta-feira, 13 de julho de 2017

        Festividades
    
    Quando chega o mês de junho, a cidade fica em polvorosa. É festa aqui, é festa ali, outra acolá que não acaba mais.
     É o mês de aniversário da cidade de fato, mas é comemoração demais pro meu gosto.
     Nesse mês tem festa junina, bom odori, futebol, vôlei, desfile, festa do peão, quermesses e outras coisas mais... É um festejar sem fim.
     Eu não sei quem inventou que o aniversário da cidade tem que ser festejado o mês inteiro... Acho um exagero. Que me perdoem as autoridades e comissões organizadoras.
     Ora, sabemos que a Municipalidade está praticamente quebrada e precisa conter os gastos. O povo que trabalha também faz o que pode para garantir o sustento da prole...
     Mas, o que vi até agora sinaliza que as pessoas têm muita grana, muito combustível pra queimar... Carros circularam de forma desenfreada pelas ruas durante os eventos, irritando os moradores com seu som a mil decibéis. Insuportável! É um desfile de carros, de gente feliz, sem nenhuma preocupação, a não ser seguir a onda.
     Sempre que vejo essas manifestações lembro da Expô Agropecuária de Araçatuba. Os adeptos desse evento não perdem um show, se preparam antecipadamente comprando roupas caras condizentes com o clima e com o rodeio...  Chapéus, botas, cintos, bolsas e roupas de vaqueiro... Tudo a caráter, pra não fazer feio... E lá vão ouvir os cantores que vêm sugar o grosso do dinheiro da cidade. Enquanto eles cantam e dão o seu show de milhões, os jovens dançam e cantam felizes por estarem nessa roda...
      É uma festança que não acaba mais. A moçada feliz gasta o que tem e o que não tem, sem pensar nas consequências... É cerveja todas as noites, um lanche aqui, outro ali, um churrasco, um doce... Mês de curtição, de alegria só. Ninguém está preocupado com nada. Com nada.
     Mas, um dia a festa acaba, como vai acabar aqui... E tudo volta à rotina. Então, é preciso trabalhar, porque o saldo do Banco está vermelho... E de repente, chegam as cobranças... As prestações atrasadas... E cadê dinheiro? E como honrar compromissos? E o credor fica irritado porque viu o cliente se divertindo à beça nas festanças, como se fosse o rico do pedaço... Gastando a rodo... Rindo feliz... Mas o credor também tem compromissos... Daí sua irritação.
     No Money, No prestação, No compromisso... A grana foi embora no mês de festas. Agora é preciso renegociar as dívidas, concordar com os juros altos e não fazer cara feia. Afinal, você assinou a fatura. E honra é honra. E Serasa não perdoa ninguém...
     E aí o cidadão fica irritado no serviço, porque sabe que gastou o que não tinha, e o pagamento do mês não vai cobrir as despesas. E fica azedo com a família, com os amigos... Sair? Nem pensar! Churrasco de sempre? Ah! Não vai dar, tenho outro compromisso... Desculpas, desculpas...
     E assim, por meses a fio entra num jejum forçado de festas, de rodas de amigos... Até conseguir nivelar a conta no azul... Para isso pagou juros altíssimos que corroeram suas finanças... E o deixaram mais ou menos quebrado.
     Enquanto isso, as duplas que vieram fazer o show estão felizes, montados em grana gorda e de olho em outros festejos... Minaram as finanças de mais uma cidade e estão mirando o calendário de aniversários de outras cidades... Felizes porque faturaram alto e estão ficando famosos...
     Mas, na cidade, os comerciantes estão de bolsos vazios, mal humorados porque muitos clientes não podem pagar as faturas vencidas... E eles têm que pagar aos fornecedores... E a conta ficará no vermelho... E esse comércio que não anda! E essa crise que não vai embora! E esse governo que só rouba! A cidade está exaurida... E nenhuma perspectiva boa à vista.
     E os meses que seguem são um tempo apertado, todos andando na corda bamba por falta de um troço chamado dinheiro. Que sumiu do pedaço...
     E isso leva meses e meses para recuperar.
     E o Natal vem chegando. E com ele o 13º.
     E contando com ele, o consumismo volta.
     Fazer o quê? Dinheiro é pra gastar!
     E assim, a carruagem vai andando.
     Capengando às vezes, descarrilhando outras, travando as rodas... Parando muitas e muitas vezes, procurando atalhos... E desembestando outras vezes ladeira abaixo...
     E novamente vem o novo ano.
     E com ele todos os vícios do ano anterior.
     E tudo ocorre igualzinho ao ano que passou.
    Novamente as festas. Novamente os gastos. Novamente a conta negativa. Novamente a ameaça da Serasa...
     E assim, a vida vai.
     Todo mundo pobre, porque não sabe se conter.
     Brasileiro é feliz por viver em corda bamba.
     Nunca vai se acostumar a viver frugalmente.
     Mirandópolis, junho de 2017.
     kimie oku in

quinta-feira, 6 de julho de 2017

                                               Joana...
        Na minha vida de professora tive contatos com diversas pessoas, notadamente com famílias pobres e sofridas.
        Foi no final dos anos 80, quando estava deixando a Escola Ebe Aurora, tive uma experiência que me marcou para sempre.
        Uma adolescente chamada Joana estudava na sexta série. Era uma garota franzina e muito quieta. O que chamava a atenção nela eram os seus lábios roxos e as unhas também roxas. E ela já estava traumatizada de tanto responder que não havia comido amoras... Era problema de saúde, de má circulação.
        Um dia, ela se sentiu mal na Escola, e tive de levá-la para casa. Aproveitei a oportunidade para recomendar aos pais que procurassem ajuda médica. Mas, a mãe disse que estavam cansados de pedir ajuda, de ficar em filas por horas e horas e nada de bom fora feito pela menina...
        Passei a observar a garota. Percebi que além de quieta e retraída, não participava de brincadeiras, não corria, não falava alto... Estava sempre meio esgotada. Mas, era boa aluna e dava conta dos estudos. As coleguinhas sempre tinham um certo cuidado com ela.
        Um dia, ela passou muito mal, com falta de ar e não conseguia respirar. Eu a levei ao médico. E o Dr. Afonso após examiná-la disse: “Ela está com 80% da circulação comprometida. É urgente fazer um cateterismo, porque ela não vai aguentar a próxima crise!”
Voltando à casa dos pais, passei o recado do médico. Muito preocupado, o pai resolveu levá-la a Rio Preto, onde ao fazer o cateterismo, ela quase perdeu a vida. Mas, lá foi bem cuidada, cheguei a falar com a Enfermeira Chefe, que me disse do estado crítico em que a menina chegara.
Passado um tempo, a garota voltou e mudou completamente. Passou a andar mais firmemente (antes precisava parar de quatro a cinco vezes para chegar à Escola que distava apenas duas quadras da casa), passou a cantar e a correr pelo pátio. Com as veias desobstruídas a circulação deveria estar normal. A menina mudou totalmente, os lábios já não estavam mais roxos, nem as unhas... Achei que eu tinha feito grande coisa alertando a família...
Nesse ínterim, saí da Escola para assumir um outro serviço numa cidade próxima. Pela nova função, visitava escolas, e a Ebe Aurora era uma delas. Mantive contato com os professores, mas sem o convívio diário, perdi o contato com os alunos.
        Certo dia, a Ester Pandin daEscola me comunicou que a Joana havia falecido. Tive um imenso choque!  Não pude ir ao funeral, mas fui ver os pais. Estavam desolados, é claro. E eu nem sabia o que lhes dizer. Choramos juntos e pedi perdão a eles por ter interferido na vida da menina... Mas, a mãe me disse que eu não havia errado. Que a Joana tivera a chance de viver normalmente durante dois anos.  Que nesses dois anos, ela brincara de roda como nunca havia brincado, que andara de bicicleta até os mercados distantes umas dez quadras, para fazer pequenas compras, que brincara com as amigas, que correra e saltara feliz...
        É bem verdade que tudo isso me tirou um peso do coração. Mesmo assim, gostaria de ter conversado com ela nesses tempos felizes... Porque mesmo feliz, ela se sentira meio abandonada por mim... Eu não percebera que estava tão apegada a mim...
        As pessoas entram em nossas vidas e interagem até um certo tempo. Tive contatos com outros adolescentes, mas apartar-se é natural, são as exigências da vida. Mas, a Joana era diferente, era carente ao extremo, pela vida difícil e dolorosa que tivera até então. E eu saí de sua vida, sem lhe dizer uma palavra, pois outras eram minhas preocupações... Carrego essa dor até hoje...
Há pouco tempo descobri no face uma pessoa que tem o mesmo sobrenome dela. Entrei em contato, soube que era sua irmã. Perguntei dos pais, mas ela não me retornou. Procurei a casa dos pais e não achei...
E de vez em quando me vem à memória a imagem doce daquela menina valente, que queria tanto viver e foi podada pelo destino... E não nego, sinto remorsos...
Joana...
Mirandópolis, junho de 2017.
kimie oku in