domingo, 31 de março de 2019


             
                   Mercador
        Cheguei em Santos em novembro de 1951 e lá fiquei até janeiro do outro ano.
Logo comecei a vender as mercadorias que trouxera de Las Palmas. Havia gasto cinco mil dólares e em pouco tempo tripliquei o capital.
        Após três dias fui procurar o senhor Carvalho, que me ofereceu um emprego em sua loja. Aceitei prontamente, porque quando jovem trabalhara na loja de ferragem de meus padrinhos em Rabaçal e tinha experiência.
        Em fevereiro, o Antônio Ventura que morava em São Paulo veio me ver. Ele disse: “No Brasil mais vale ter amigos que dinheiro no bolso!”
(Mario Varela)

sábado, 30 de março de 2019



                Brasil
        Depois das peripécias que ocorreram nas Canárias, prosseguimos viagem e chegamos ao Brasil.
No Rio, um maçom amigo de papai veio ao meu encontro. Queria que ficasse com ele, para trabalhar no seu armazém atacadista de tecidos. Recusei a proposta, pois o Antônio Ventura estava à minha espera em Santos.
Então, esse amigo de meu pai deu-me uma carta de apresentação para o senhor Passos Carvalho que tinha uma loja de ferramentas, louças e presentes na Rua General Câmara em Santos, que mais tarde passou a ser as Lojas Americanas
Enfim estava no Brasil.
(Mario Varela)

quinta-feira, 28 de março de 2019



          
                 Negócio da China
        Frustrados com o episódio das canetas, resolvemos comprar sedas para iniciar um comércio no Brasil.
Entramos numa loja e compramos a mercadoria, sempre atentos para não sermos ludibriados de novo.  E tínhamos pressa, porque chegando a hora da partida, o navio não esperaria ninguém.
Paguei a mercadoria e o vendedor deveria me devolver 5 dólares de troco. Em vez disso me entregou uma caixa que conteria uma camisa de seda. Como estávamos com pressa não contestei. E corremos desabaladamente para o atracadouro com o saco de compras.
Quando me acalmei no navio, fui conferir a caixa de camisa.
Era um logro! A camisa só tinha a frente. Não possuía a parte de trás nem as mangas.
Guardei-a como lição de vida.
(Mario Varela)


quarta-feira, 27 de março de 2019




               Autenticidade
         Quando a bela Jade concluiu a curiosa história da oração, o vendedor apareceu com as desejadas Parker 51.
        Ao examiná-las, porém constatamos que eram falsas e então eu e os quatro companheiros sacamos do canivete espanhol, que é acionado por mola e encostamos o vendedor na parede. Já lhe havíamos pago parte do dinheiro, e tínhamos que pressioná-lo para não sermos logrados.
    As monjas imploravam de mãos postas que não molestássemos o desgraçado.
        Por fim, o homem entregou para cada um uma legítima Parker 51, e mais que depressa sumiu de nossas vista.
        E assim, o comércio das Parker 51 gorou-se.
(Mario Varela)

terça-feira, 26 de março de 2019




                             Jade
        Enquanto negociávamos as canetas, notamos a presença de três monjas.
        Eram lindas de rosto, que era a única parte visível do corpo todo coberto de vestes próprias.
        Uma delas morena, cor de jambo de olhos amendoados mui bela, parecia uma cópia daJade da telenovela O Clone que a Globo exibiu um tempo atrás. Essa monja que chamarei de Jade também encomendou uma Parker 51, para dar de presente à sua Madre Superiora.
        Fechamos o negócio e ficamos aguardando.
Perguntei à Jade como elas costumavam orar no Convento.
E ela: “Deus, Tu és um, eu sou uma, ajuda-me e protege-me!”
E me contou a origem dessa prece.
“Numa remota ilha do Pacífico viviam três monges num Convento.
Um dia, atracou lá um enorme navio para manutenção e abastecimento.
Um padre que nele viajava foi hospedar-se no Convento.
Ao perguntar das orações, os monges lhe disseram: “Deus, Tu és um, eu sou um, ajuda-me e protege-me!”
O padre achou a prece tão rudimentar e lhes ensinou o Pai Nosso e a Ave Maria, antes de partir.
Decorridos sete anos, o navio retornou à ilha com o mesmo padre, que foi reconhecido pelos monges. Esses correram até ele, e pediram que lhes ensinasse de novo as orações, que eles haviam esquecido.
O padre perfeito conhecedor das almas lhes disse: Continuem a dizer a vossa primitiva oração, pois sabendo essa, não precisam orar outra.”
(Mario Varela)

segunda-feira, 25 de março de 2019



                Las Palmas, Canárias

        Em 05 de novembro de 1951 embarquei em Lisboa no transatlântico inglês o Coito 2 Tigrante, rumo ao Brasil.
        O navio fez escala em Las Palmas nas Canárias, para manutenção e abastecimento.
        Cansados de ver apenas o mar por cinco dias, eu e quatro companheiros de viagem desembarcamos.
        Queríamos a caneta Parker 51, uma caneta que possuía um reservatório de tinta no bojo, e era a coqueluche da época, ou o topo da gama.
        A caneta autêntica tinha como referência três pontinhos em forma de triângulo, gravados no seu corpo. Estávamos ansiosos para comprá-las e revendê-las com bom lucro no Brasil. Queríamos comprar outras mercadorias como colchas, sedas e a caneta Parker 51.
        Logo vimos as canetas, eram lindas, com o aparo embutido na parte de dentro, tinha três pontos em forma de triângulo, garantindo sua autenticidade, e uma tampa reluzente e dourada. Havia nas cores preta, verde, azul, branca e vinho tinto.
        Analisamos uma a uma do mostruário.
        Encomendamos dez, duas de cada cor.
O negociante foi buscá-las e ficamos à espera...
(Mario Varela)



domingo, 24 de março de 2019




          Deixando o ninho
         Driblei a proibição de mamãe sobre a minha saída de Portugal.
        Consegui com o senhor Adriano o Rei da banana na época, um convite para trabalhar como motorista em sua firma de Santos no Brasil, uma das três exportadoras de bananas.
        Tomei o navio e vim para o Brasil.
      Meus irmãos ficaram em Portugal, cuidando do Armazém “Varela e Cia Ltda”, que vendia vinhos, azeites, farinhas. Eu tinha a terça parte da Loja...
Trouxe comigo vinte mil dólares destinados a comprar a passagem para Austrália.
Cheguei ao Brasil em 1951, com apenas 22 anos de idade.
(Mario Varela)

sábado, 23 de março de 2019




                Pátria incômoda
        A Ditadura de Salazar incomodava muitos jovens em Portugal.
        Tanto é que nós resolvemos procurar outros ares.
        A primeira meta era Venezuela onde tínhamos patrícios. Mas, por falta de segurança devido à crise política da época, optamos por Austrália. Austrália porém, não tinha convênio com Portugal.
        Era preciso ir para Lyon na França ou para o Brasil e baldear-se para Austrália. As saídas só podiam ser liberadas mediante uma carta/convite de algum amigo residente aqui.
        O Ventura logo conseguiu a sua, mas a que solicitei para a minha tia Maria Luz de Jaboticabal não vinha.
        Descobri depois que minha mãe lhe havia proibido de me enviá-la...
        (Mario Varela)



sexta-feira, 22 de março de 2019



          Profissões
        Já experimentei fazer de tudo ao longo da vida.
        Quando criança fui balconista em Rabaçal.
        Depois fui somelier, acompanhando papai na compra de vinhos para “Varela e Cia Ltda”.  Somelier é provador de vinhos.
Servi ao Exército Português no Hospital Militar de Lisboa, no Bairro da Estrela, onde trabalhei como enfermeiro.
Fui vendedor ambulante e bilheteiro de cinema no Cine Teatro São Pedro em São Paulo, logo que cheguei ao Brasil.
Mais tarde fui construtor, cafeicultor, pecuarista, minha função atual.
E agora estou me aventurando como escritor.
(Mario Varela)

quinta-feira, 21 de março de 2019




                Fernando Namora
        Fernando Gonçalves Namora nasceu em Condeixa em 1919.
        Foi conterrâneo nosso, e tinha a idade de Arthur meu irmão.
        Mamou o leite de mamãe, sendo pois nosso irmão de leite.
        Seus pais eram oriundos de camponeses da Aldeia do Vale Florido.
   Namora foi médico oncologista, também foi poeta, romancista e humanista. Publicou muitos romances, novelas e poesias.
Em 1988, quando retornei a Portugal com meu irmão José fomos visitá-lo. Estava muito doente, mas nos recebeu normalmente com ajuda de morfina.
Faleceu no ano seguinte...
Fernando Namora foi um pensador preocupado com a natureza. Sofria muito ao perceber a inconsciência do homem na relação cotidiana com o meio ambiente. Ele amava as árvores. Deixou um quadro que reproduz pura e simplesmente a árvore. E escreveu:
“... e há momentos em que o homem fica tentado a restituir à árvore as folhas que se desprenderam... e só a arte é capaz disso.”
“Ser feliz é não esperar felicidade. É ser simples, sem ambição, e saber dosar as aspirações até a medida de nosso alcance.”
Fernando Namora...
(Mario Varela)

quarta-feira, 20 de março de 2019




          Padre Antunes
        Padre Antunes foi o homem mais culto de Condeixa.
Era padre Teólogo, Professor, Advogado.
Entendia de arte e até de Literatura.
Criou o primeiro grupo de Canto Orfeônico de Portugal e a primeira Escola de Artes de Condeixa. Ensinava marcenaria, funilaria ou latoaria e cerâmica.
Hoje Condeixa é famosa pela produção de louça artesanal.
Padre Antunes era chamado de Padre Boi, por comer muito.
Fernando Namora famoso humanista escreveu sobre o Padre Antunes:
“Um homem que fez tanto pela humanidade e não teve um lençol para cobri-lo quando morto.”
(Mario Varela)


terça-feira, 19 de março de 2019


         
                Irmãos...
Tive dois irmãos, o Arthur e o José.
O Arthur nasceu em 1918, tinha portanto dez anos mais que eu. Casou-se com Auzenda Cadima Murta e tiveram dois filhos dois filhos, a Graça e o Manuel.
Arthur faleceu aos 67 anos em Rabaçal.
O José nasceu em 1920. Era casado com Clélia Terezinha, com quem teve os filhos Lígia, Lúcia, Terezinha Maria, Maria Eduarda, José Mário, Ana Crisitina e Sílvia Maria.
O José que tinha oito anos mais que eu foi um segundo pai para mim, especialmente quando papai faleceu.
José faleceu em Londrina com 86 anos.
Ambos os irmãos deixaram numerosa descendência.
( Mario Varela)


segunda-feira, 18 de março de 2019




                     Juventude
        Antônio Ventura era meu vizinho.
        Éramos tão amigos como irmãos.
     Seu pai José Ventura foi um grande autor de teatro e latoeiro.
    Dos 12 aos 21 anos, Antônio Ventura, Antônio Pocinho e eu formávamos um grupo de estudos – pegávamos três livros e cada um lia um. Após isso, fazíamos os comentários na biblioteca de minha casa.
   Junto com mais colegas, formamos a primeira biblioteca móvel de Condeixa, com livros que recolhíamos de casa em casa, por doação. Assim nasceu a Biblioteca Itinerante.
   Sob pressão política do Regime de Salazar resolvemos sair de Portugal; queríamos ir para Venezuela. Mas, os desígnios de Deus eram outros.
O Ventura e eu viemos parar no Brasil
(Mario Varela)

domingo, 17 de março de 2019



             Professor Mateus
Na escola primária em Condeixa fui aluno do Professor Mateus, que era casado com dona Mencília.
        Quando nos conhecemos, a empatia foi imediata e a amizade com eles duraria a vida toda. Como não tinham filhos, fui muito benquisto por eles. Sempre que tinha dificuldade em assimilar alguma matéria, recorria sempre ao Professor Mateus. Mesmo quando fazia o Colegial e Ciências Contábeis em Coimbra, ele me ajudou muito.
Eu costumava rever as matérias nas ruínas romanas de Conímbriga, às seis horas da manhã. Pedia ajuda ao Universo e aos romanos para vencer minhas dificuldades.
(Mario Varela)


sábado, 16 de março de 2019




                Família
        Quando meu pai completou 18 anos deixou as propriedades do Vovô Zé Caetano e foi para Condeixa montar uma loja.
Meu avô conhecia um comerciante em Figueira da Foz, e pediu-lhe que treinasse papai no balcão da loja.
As lojas da época vendiam de tudo: desde açúcar e feijão até botão e linha.
Tia Rosa acompanhou papai para ajudá-lo no bazar de Secos e Molhados – o “Varela e
 Cia Ltda”.
        Durante a guerra todo mundo passava fome.
        Papai mandava anonimamente, caixas cheias de mantimentos aos amigos necessitados.
(Mario Varela)

sexta-feira, 15 de março de 2019



                Coimbra
Aos onze anos fui estudar em Coimbra.
        Papai me deu uma nota de 100 escudos, que equivalia a cem dólares e me disse: “Faça o que quiser com esse dinheiro. Se quiser fumar, fume. Se quiser ir com mulheres, lave-se bem. A partir de hoje, a vida é sua. Você tem que administrar a sua vida e o seu corpo”
        No mês seguinte, perguntei ao meu pai se poderia me dar o dinheiro trocado. E ele me perguntou: “Por quê, filho?” “Porque gastei tudo em uma semana.”
        No mês seguinte fui ao Banco, pedi 4 envelopes e dividi os 100 escudos em quatro envelopes de 25 dólares, que teria que durar a semana toda, e sobrar 10%.
Com a economia dos 10 %, quando tinha 13 anos comprei uma escrivaninha de um estudante de Medicina.
Em 1958 quando voltei a Portugal, pedi a João Pocinho para restaurá-la e a trouxe ao Brasil.
(Mario Varela)

terça-feira, 12 de março de 2019



                                       Eu
        Sou Mário Dias Varela, português naturalizado brasileiro.
        Nasci em Condeixa A Nova, ao sul de Coimbra, mais ou menos na região central de Portugal.
        Condeixa é terra de um dos melhores queijos do mundo.
        Nasci, pois em Condeixa em 06 de agosto de 1928.
Sou filho caçula de Manuel Maria Dias Varela e de Maria da Penha Aires da Costa.
Papai participou da campanha pela promoção da República de Portugal, que ocorreu em 05 de outubro de 1910 em Lisboa.
Meus pais já partiram há muito tempo, mas tenho em Portugal lá em Rabaçal, parentes e familiares da linha Varela.
Meu avô Zé Caetano era um cidadão abastado, dono de diversas propriedades. Está enterrado na Igreja do Furadouro, honra concedida a poucos.
Papai tinha três irmãs: Maria da Luz a primogênita é fazendeira em Jaboticabal, estado de São Paulo, Brasil, Ana que foi para Rabaçal e casou-se com Manuel Pedro Pires, e Rosa solteira que faleceu aos 95 anos de idade.
Manuel meu pai nasceu numa Aldeia do Furadouro em 1883 . E faleceu quando eu tinha  apenas 17 anos.
Mamãe Maria da Penha era mulher enérgica, perfeccionista. Era muito exigente quanto à ordem e à limpeza. Faleceu em Mirandópolis em 1984.
Mamãe..
(Mario Varela)

                  O cinema

 Quando criança gostava de ir ao cinema aos domingos.
        Os filmes de Charles Chaplin eram em preto e branco.
     Quando apareceu o cinema colorido, vi o Frank  Sinatra numa limusine, falando  ao telefone móvel. Fiquei fascinado.
        Eu faria qualquer coisa para ir ao cinema.
     Chegava a me benzer na igreja, para Deus abençoar as minhas escapadas ao cinema.
       Para ir ao cinema à noite, mamãe estabeleceu que eu tinha que ir à missa de manhã.
        O padre rezava em latim e de costas para o público.
Para provar que tinha ido à missa, tinha que dizer à mamãe a cor do manto do padre.
Eu entrava pela porta principal, olhava o manto do padre Pimenta e saia pela porta lateral.
Tinha que fazer isso com cuidado, porque da minha casa podia se avistar a igreja.
(Mario Varela)
  

segunda-feira, 11 de março de 2019



                  Nilo

Com sete anos eu já ajudava como balconista de meus tios/padrinhos Manoel Pedro e Ana, no Rabaçal. Ia de carona ou bicicleta.
Meu tio possuía um moinho de vento, que produzia eletricidade para casa.
Às cinco horas, íamos regar na Chácara Agudinha.
Lá, eu montava num cavalo em pelo.
Nilo era andaluz, cavalo proveniente da Andaluzia espanhola.
Os cavalos andaluzes eram muito inteligentes, treinados para as touradas e para as hípicas do mundo inteiro.
Nilo puxava uma carruagem preta com quatro rodas e quatro rédeas.
Quando passava por gente conhecida, meu padrinho puxava as rédeas e o cavalo se aprumava, levantando a cabeça.
(Mario Varela)


sábado, 9 de março de 2019



                Molecagem
        
         Dei a primeira trombada com sete anos de idade.
        O caminhão era um Chevrolet de 6000 quilos.
    O motorista Manoel Jacinto tinha ido almoçar.  Entrei no caminhão, mexi na “mudança” e andei 300 metros. De ré.
O caminhão bateu e derrubou a porta da casa da senhora Albina.
Rachei a cabeça e apanhei pela primeira vez de meu pai.
Levei três palmadas na bunda.
A segunda vez que apanhei foi quando chamei o homem que vendia galinhas de “mula”.
(Mario Varela)

sexta-feira, 8 de março de 2019




                 Óleo de fígado de bacalhau
        
         Todo dia tinha que tomar uma colher de óleo de fígado de bacalhau.
        Eu detestava.
Para me convencer, mamãe me dava uma moeda de um escudo em troca do óleo.
Na terceira garrafa, mamãe me pediu dinheiro emprestado para comprar um presente para mim.
Negociei com ela – só emprestaria se me pagasse em dobro.
Ela concordou.
Então, com o dinheiro que lhe emprestei, comprou outra garrafa de óleo de fígado de bacalhau...
(Mario Varela)

quinta-feira, 7 de março de 2019


      
                    O que é demais sobra...

       Sou de uma família de imigrantes japoneses, que sofreu tudo que é possível sofrer com a falta de recursos, numa terra desconhecida.
       Meus pais vieram para o Brasil em 1913 (papai) e 1917 (mamãe).
       Vieram para trabalhar nas fazendas de café, porque no Japão faltava comida para todos. Vieram com a ilusão de viver no paraíso, mas a realidade era bem diferente. Tiveram que viver no meio de matas fechadas, de árvores centenárias ou milenares, onde moravam as feras... Tudo foi áspero, duro, difícil e tiveram que se virar com a força de seus braços.
       Além disso, foi muito difícil superar as saudades da Pátria distante, a fala ininteligível dos brasileiros, os costumes, as humilhações por serem tão diferentes fisicamente.
       Havia falta de tudo.
De comida, de água, de roupas, de sapatos, de remédios, de assistência médica. Tinham que se virar entre os próprios imigrantes. Por isso, uns começaram a cuidar dos outros como médicos, enfermeiros, assistentes jurídicos. Tudo na raça, na base da experiência e de informações....
Foi um tempo muito, muito difícil. Que até hoje me espanto de terem vencido. Meu pai  Jitsutaro Osaki que trabalhou com o Dr. Kihachi Dayan na Região de Araçatuba e Valparaiso atuou como o homem que curava tracoma, gripe espanhola, ferida brava, aplicava injeções e fazia partos... Serviu a tanta gente gratuitamente, mesmo porque ninguém tinha com que pagar. Uns e outros pagavam com frangos e ovos de galinha... que sempre eram bem vindos naqueles tempos de escassez.
Criada nesse regime, onde tudo era precioso e não deveria ser desperdiçado, aprendi a economizar tudo para não faltar... Calçados eram usados até os ossos, porque cada um só tinha um par, e quando estavam em boas condições eram reaproveitados pelos irmãos menores. Então, roupas e calçados eram comprados ou feitos para os maiores, para servirem sucessivamente aos menores... E isso era tão natural, que ninguém se incomodava. Era assim em todas as famílias. Todos eram paupérrimos. Mais pobres que pobres...
Então, nosso sonho era sempre ter as coisas com fartura, comida que satisfizesse todas as vontades, roupas do bom e do melhor, calçados em quantidade para escolher para sair...
E quando nos tornamos pais, exageramos na aquisição de bens materiais aos filhos pequenos. A criança nem andava e já comprávamos bicicletas... bonecas de todas as marcas... Roupas e calçados que nem cabiam nos armários... tudo em excesso, tudo sobrando... E assim, estragamos uma geração inteira com provisões desnecessárias.
E hoje a moçada não se contenta com três pares de tênis, cinco calças jeans, dez camisetas...  E isso abrange os celulares, os whats, as motos, os carros... Tudo tem que ser bastante. Ostentação é a palavra da moda. Não importa se está devendo até a alma no Banco, tem que ostentar e passar a imagem de poder.
E por tudo isso, pelo excesso de coisas, pela possibilidade de qualquer um poder vender uma imagem poderosa é que os jovens se perderam. Os objetos de consumo não mais lhes satisfaziam, precisavam de outras emoções... E aí procuraram substâncias que fizessem-nos empreender viagens surreais... e com isso, muitos se reduziram a zumbis...
E quanto mais sobra a grana, mais se perdem. O exemplo mais gritante de tudo isso é o político Aécio Neves.  Descendente de uma família respeitável, de boa estampa, seguiu os passos do famoso avô Tancredo Neves, que entrou na História do Brasil como O Presidente que nunca chegou à Presidência...  Aécio tinha tudo para dar certo. Apoio quase total do povo brasileiro, um nome a honrar, uma família de que se orgulhar, posses materiais, Partidos políticos que o apoiavam... Mas, se perdeu porque tudo isso deve tê-lo enfastiado. Queria mais outras emoções, outra sensações misturadas ao poder excessivo. Acredito que nunca passou carência de bens materiais, tinha tudo de mão beijada.
Não só ele, como os demais políticos que todos os dias aparecem na Mídia como corruptos, se perderam pelo excesso de conforto, excesso de comida, excesso de vantagens, excesso de dinheiro. E passaram a comprar tudo. Compraram cargos, amigos, parceiros, sócios, Igrejas, padres, juízes, Delegados, policiais, empresários, Bancos...
O noticiário ficou muito chato! Todos os dias mais nomes de gente corrompida, que não presta. O mais triste de tudo isso é que famosas figuras do cenário artístico também esticaram e muito essa lista. Gente que todos os brasileiros comuns admiravam e idolatravam... E tudo pelo vil metal. Ostentar é preciso?
Então, ter pouco e partir para a luta para conseguir o mínimo necessário é a lição que fica. Se você precisa de algo, vai à luta para obtê-lo. Mas se já tem tudo, pra quê trabalhar? Se a grana está sobrando também vai se aventurar para experimentar outras emoções... E aí ficará irremediavelmente perdido.
Se tem demais, por quê não ajudar jovens que querem estudar?  Apoiar crianças que precisam de assistência médica especializada?
Mas, Não! Preferem se drogar!
Estaremos formando uma geração de ZUMBIS?
Mirandópolis, março de 2019.
kimie oku in



           O grilo
     Na infância em Condeixa ( Portugal), era  costume negociar grilos.  Era um comércio de compra e venda entre crianças.
        O grilo que cantasse mais custava mais caro.
Com três anos de idade comprei um grilo de um garoto de sete anos de idade. Paguei 5 escudos ou 7 dólares.
Fu enganado, porque ele me vendeu um grilo morto. Disse que estava dormindo.
Foi a primeira vez que fui enganado...
(Mario Varela)

quarta-feira, 6 de março de 2019

     

                                                    Felicidade


        Às vezes abro a janela e vejo ginjeiras em flor, que dão frutos vermelhos como ameixas.
        Vejo também margaridas e quaresmeiras e gerânios vermelhos, rosas e azuis.
        Às vezes, vejo nuvens espessas.
Crianças vão para a escola.
Pardais pulam o muro.
Gatos abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas bailando no ar. Duas a duas, como refletidas no espelho.
Um galo canta.
Passa um carro.
Tudo certinho – cada qual cumprindo sua função.
Eu sou feliz. Completamente feliz.
Há felicidade diante de minha janela.
(Mario Varela)

terça-feira, 5 de março de 2019


         Comerciante

       Quando estudava em Condeixa, Portugal comecei a ser comerciante.
    Convenci o Professor Mateus que cuidaria da distribuição de tintas para os alunos, sem derramar. 
  A tinta era para molhar a pena da caneta, com que se escrevia nos cadernos, pois não havia ainda canetas tinteiros nem as atuais esferográficas.
    Inicialmente, punha pouca tinta nos tinteiros
    Quem quisesse mais, teria que me dar cadernos velhos.
  Eu trocava os cadernos velhos com o homem que fabricava bombas, usadas em festas juninas.
   Cada caderno equivalia a três bombas.
   Eu tinha apenas sete anos de idade.
(Mario Varela)




     Passo a publicar umas crônicas interessantes de um dos  homens mais fascinantes que conheci nesta vida.
    Por enquanto, quero que os amigos conheçam os pensamentos dele.

          Da janela

Minha janela se abria para a cidade de Condeixa, que no inverno parecia feita de giz.
Perto da janela havia um jardim.
Era um tempo de estiagem, de terra farelada e o jardim era  muito lindo.
Todas as manhãs vinha a tia Maria com um balde, e em silêncio ia tirando com a mão, umas gotas de água.
Não era rega.
Era uma aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
Eu olhava para as plantas, para a tia Maria, para as gotas  de água que caiam de seus dedos magros, e meu coração ficava completamente feliz.
( Mario Dias Varela, 90 anos)