Cultivar a terra
Quando era jovem e
tinha que ajudar na roça a derriçar café, apanhar algodão, carpir os matos,
achava que era uma tortura ... trabalhar ao sol, transpirando o tempo todo e
não vendo nada diferente, era muito, mas muito monótono e desgastante.
E vivia sonhando com
o dia, em que me libertasse desse desconforto da vida na roça, para viver uma
vida mais leve, mais agradável.
E os estudos me
levaram a ser professora. Uma professorinha como tantas outras, para ensinar o
be a bá às crianças. E isso também me levou para o mato, para as escolinhas
rurais. Sim, porque os professores recém formados começavam na profissão, dando
aulas nas escolas isoladas, que ficavam distantes dez a cinquenta quilômetros da
cidade. E tinham que morar lá, porque não havia meios de transporte. E viver a
vida do campo junto com os alunos...
Com o acúmulo de
pontos e a efetivação no cargo por concurso, acabei vindo morar na cidade, onde
era a minha sede de serviço. Isso só depois de anos na roça... E aqui acabei me
aposentando, como gente que mora na cidade. Cidade pequena mas cidade.
E após anos de
aposentada, senti sem querer o apelo da terra, que me convidava a plantar...
Plantar flores, árvores frutíferas, ervas medicinais, legumes e verduras.
Talvez como dizem alguns amigos, esse gosto pela terra venha de minha origem,
pois japonês gosta mesmo de cultivar a terra...
A propósito, li uma linda
biografia de um jovem da Província de Iwate, Japão, que se dedicou a cultivar a
terra com todo empenho, porque os conterrâneos passavam muita fome no
Inverno... Kenji Miyazawa era de família rica, mas tinha imensa compaixão dos
coleguinhas de escola, que não levavam marmita quando acabava a comida da
despensa... E se condoía com o sofrimento de todos os lavradores da região, que
era uma das mais pobres do Japão. Em Iwate ken, chovia sem parar e nevava o
Inverno todo, impossibilitando o arroz de cachear. Vendo todo esse sofrimento,
ele resolveu ser Técnico Agrícola, para descobrir meios de melhorar a colheita,
e diminuir a fome. Saiu do conforto de casa, onde nada faltava, e foi morar num
casebre para ficar junto dos agricultores, para orientá-los no preparo da
terra, na adubação, na escolha das sementes... Tornou-se um guia de todos que
cultivavam a terra. Enfrentou nevascas, e tempestades, indo socorrer os mais
desamparados. E com isso, ficou doente dos pulmões e acabou perdendo a vida,
com apenas 38 anos de idade... Nesses trinta e oito anos, trabalhou com
desespero, dando aulas na Escola Agrícola, e fazendo reuniões com os
trabalhadores rurais, para orientá-los em técnicas de melhor produção. Além
disso, foi Poeta também. Seus poemas procuram sempre animar o trabalhador para
não desistir. O mais famoso deles é o que fala em não perder para a chuva, não
perder para a neve, não perder para o vento, não perder para o sol
inclemente... que todas as crianças do Curso Primário do Japão conhecem de cor.
Quando li essa
história verdadeira, fiquei bastante emocionada. Parecia que estava lendo a
história de Madre Teresa da roça. Ele só se dedicou a defender os lavradores,
viveu só, não se casou e nas poucas horas vagas, escreveu centenas de poemas para
animar os trabalhadores.
E tudo isso me levou
a cultivar a terra também. Se bem que, conto sempre com a inestimável ajuda do
meu companheiro, que faz a parte mais pesada. E assim, já fizemos milhares de
mudas de árvores madeira de lei como cabreúva, aroeira, cedro, pau brasil,
jacarandá mimoso, ipês de todas as cores, seringueira e outras mais, que
andamos distribuindo para quem as quisesse plantar. Tenho amigos que as têm
formado em suas chácaras, florindo e dando boas sombras.
Mas, agora, estamos
na horta, cultivando legumes para o consumo. São as beterrabas, os quiabos, as
abóboras, os espinafres, os brócolis, as cenouras, os tomatinhos, as berinjelas...
É fácil cultivar uma
horta? Não, não é! Requer muita
dedicação e olho atento, para combater as pragas em forma de formigas, pulgões
e lagartas... como as lagartas são vorazes! Elas devoram as folhas de um dia
para o outro. E os pulgões são terríveis, quando atacam os brócolis, não há
solução. Além disso, ainda temos o problema do sol quente demais que chega a
sapecar as folhas como uma fogueira, e da chuva que nunca vem quando
precisamos. E ultimamente, temos sentido muito a sua falta. Felizmente temos um
poço, que nos fornece água boa em profusão.
E quando os dias
estão quentes demais, os passarinhos vêm disputar o chuveirinho dos esguichos
de água, com que molhamos os canteiros. Outros vêm se banhar nas poças, que se
formam no chão. De qualquer forma, acho que nossas incursões na horta, são
providenciais também para outros seres vivos.
Por que será que a
gente se põe a cutucar a terra, se é tão fácil comprar os legumes na feira e na
mercearia? Eu mesma não sei explicar. É um gosto, um prazer que a gente sente
ao preparar o solo, semear e ver os brotinhos despontando da terra fofa,
crescendo dia a dia e se frutificando. E a alegria da colheita? Nada se compara
a esse prazer, pois é fruto do próprio esforço e dedicação.
E agora, estamos
colhendo tantas berinjelas, que preciso dividir com os vizinhos e outros
agregados...
Tenho um amigo, o
Jorge Chain que sempre diz: “Reforma Agrária no Brasil só dará certo se, o Governo
der um japonês para cada família que receber a terra.”
Às vezes, acho que
ele tem razão.
E vamos plantar, que
o Brasil é imenso e a fome do mundo é maior ainda!
Mirandópolis,
fevereiro de 2015.
kimie oku in
Legenda de fotos:
1. Pé de mexerica, que morreu com a última seca
2. Pés de pau brasil, plantadas pelo Nori
3. Legumes que cultivamos em nossa horta
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