domingo, 30 de junho de 2019


        Os píncaros da glória...
       O ser humano peca muitas vezes pelo extremismo.
     Ele nunca se conforma com a mesmice das coisas, com a rotina da vida, com o seu pequeno poder de ganho. Nunca se contenta com a vida normal, com os dias tranquilos de paz. Vai logo gritando: “Nada acontece nesta vida!” Ele pensa sempre em ter mais emoções, em se superar. Experimentar coisas diferentes... Radicais. E mais que isso, superar ao outro, ao irmão, ao pai, ao vizinho, ao adversário, ao chefe... Pra ter mais, ser mais, e chegar sempre em primeiro lugar.
       E muitas vezes, nessa escalada para o topo acaba deixando vítimas pelo caminho...  A História da Humanidade está cheia de exemplos de loucos, que se escudaram na busca da perfeição, para atingir seus objetivos de ganância e, sacrificaram milhões de inocentes...
       Por quê o homem tem tanta ambição?
       Por quê não se contenta com o mínimo que a vida oferece?
Será essa a diferença que destaca o homem dos demais seres viventes? Os cães, os gatos, os passarinhos, os ratos e as borboletas se satisfazem com o pouco que a natureza lhes oferece, desde o princípio dos tempos... Nunca vi um macaco ser dono exclusivo de uma floresta, nem uma borboleta dominar sozinha um jardim...
Dizem que o homem é racional e os bichos, não. Eu acredito que os bichos são mais racionais que o bicho homem. Mesmo sendo racional e considerado tão inteligente o homem tem uma ganância sem limites. E os bichos desconhecem a ganância. Então, o egocentrismo é um atributo específico do ser humano e por causa dele, ele semeia desgraças por onde passa. Fato que não acontece no reino animal.
Nesta vida tenho visto tanta gente se ralando para sempre ter “o carro do ano”, em estar sempre na moda, em frequentar lugares top, em conviver com os graúdos do pedaço...  E agem como robôs treinados para serem perfeitos. Só querem vender a imagem de sucesso. Mas... Ao dialogar dois minutos a gente percebe que são pessoas vazias, sem empatia, sem um mínimo de sensibilidade. “Pobres são pobres, eu sou Eu e os outros que se danem!” É essa a filosofia que as rege. Nessa classe estão os políticos inescrupulosos, que querem controlar os outros, os que precisam do poder para sobreviver. Vivem mais para acumular riquezas e por elas são capazes das mais vis ações... Só pensam em se dar bem.
O mais estranho é que todos sabem que a vida é passageira, que o tempo é limitado e nada se leva deste mundo. Mesmo assim, o apego é muito forte.
Quando se é jovem, é natural que tenha ambições, porque é isso que impulsiona o indivíduo para a luta, para alcançar seus objetivos.  Ter uma casa boa, um bom emprego, uma família saudável é o sonho de todo jovem. Isso é normal e é a mola propulsora de todas as atividades de gerações e gerações desde que o mundo é mundo... E nada há de errado nisso. O que não presta é a desmedida ambição que motiva indivíduos a se apossarem de bens alheios, de tomar propriedades e benesses a que não fazem jus. E é isso que ultimamente muita gente está fazendo.
O mundo está mudado.
Querer mais, ter mais, aproveitar mais, aparecer mais, poder mais se tornou lei para as novas gerações. Mal sabem que isso só conduz a uma vida de insatisfação e sofrimento.
Espero de todo o coração que, os jovens de hoje amadureçam e percebam em tempo que, o tempo é fugaz e só vale a pena semear a bondade neste mundo.
 O resto vai ficar para os lobos famintos disputarem entre si.
Ai deles!

Mirandópolis, junho de 2019.
kimie oku in



quarta-feira, 26 de junho de 2019


            Viver para servir
       Há gente que passa pela vida sem nada realizar.
       Falta de oportunidade? Falta de vontade? Falta de inspiração?
       Estive num velório de uma amiga, que passou a vida inteirinha só ajudando outras pessoas, outras famílias e acredito que terminou com um travo amargo de não ter se realizado... E tenho uma ex aluna que passou a vida inteira servindo, ajudando patroas a criarem seus filhos, a encaminharem-nos, a realizarem seus sonhos... E hoje ela é uma mulher alquebrada, sem saúde, e não possui nada de seu. E os próprios filhos estão pelejando para sobreviver... E ela se orgulha de ter ajudado filhos alheios a se salvarem!
       A humanidade apresenta essas diversidades. Gente que chega ao topo da escala social, realizando sonhos nunca sonhados. E gente que nunca sai do anonimato, levando uma vida rasteira, sem sabor nenhum... Será justo isso?
       Li em algum lugar que, as sociedades modernas mantêm sempre um exército de mão de obra reserva de operários, para substituir os ativos em situações de emergência... Desempregados! Como em casos de epidemias, rebeliões, greves. Os patrões nunca perdem. Daí a razão das greves não serem eficazes...
       Mas, tenho um sentimento de compaixão por pessoas que passam pela vida sem nunca ter realizado um sonho. Escrever um poema, viajar para um lugar de sonhos, ganhar na Loteria, ser um líder na comunidade, ser um campeão em alguma atividade esportiva... Porque acredito que todos têm sonhos. Mesmo pequenos sonhos que tragam um sentimento de realização.
       E constato que noventa e nove por cento da humanidade leva a vida assim... Só trabalhando, só penando, só servindo. Sem nunca ser servido.
       Numa cidade como a nossa, há as autoridades, os pequenos empresários, os políticos, os pequenos donos de lojas e vendas, que perfazem um total de cinco por cento ou até menos da população. Os demais 95 por cento levam a vida a servir à minoria e concomitantemente servir à população. Parece um grande formigueiro, onde uma Rainha manda e milhões lhe prestam vassalagem. O que me dói não é o fato de servir, porque todos nós viemos a esse mundo com alguma função, e servir é uma delas.
O que me dói é o anonimato, a desimportância de suas vidas, nunca reconhecidas, nunca curtidas com alguma realização. Fico imaginando se cada um de nós pudesse realizar um sonho, um pequenino sonho que seja antes de deixar esse mundo, como seríamos felizes!
Eu tive a felicidade de ser professora e isso me basta. Porque interagi com centenas de alunos e os servi, encaminhando-os honestamente para seus destinos. Não sonho ser famosa, nem ser rica, nem viajar por esse mundo afora e nem chegar ao topo da escala social.
Mas gostaria que todas as Marias e todos os Josés deste mundo tivessem a glória de realizar pelo menos um sonho antes de partir. Para sentirem o sabor da vida.
A maioria passa pela vida em completa sensaboria.

Mirandópolis, junho de 2019.
kimie oku in


domingo, 23 de junho de 2019


  
            Inverno chegando!

      Já contei várias vezes sobre uma moça japonesa que no pós guerra, quando tudo era racionado foi premiada com um casaco de lã, doado por alguém da Europa. Era Inverno e no Japão as temperaturas caem até 40 graus abaixo de zero em algumas regiões... Naquela época faltava comida, faltava carvão para aquecer as pobres moradias e mais ainda roupas que  foram incineradas pelas bombas...  A moça estava no Colegial e do pacote de doações que veio da Europa, foram sorteadas apenas duas peças para cada classe de 30/40 alunos. Muito feliz por ter sido agraciada, mais que depressa ajustou o casaco para usá-lo imediatamente e não mais passou frio. Depois de alguns anos, sua irmã também usou o casaco em outros Invernos. E ela nunca mais se esqueceu da generosidade que a salvou.
Inverno rigoroso e Guerra é uma combinação letal...
Parece heresia afirmar, mas eu amo as manhãs frias que exigem um agasalho macio e quentinho. E as noites que nos envolvem em cobertas e mantas no Inverno... É fato que muita gente sofre com o frio. Crianças e idosos são as maiores vítimas...  E os sem teto que ficam encolhidos pelos becos da cidade, tentando se aquecer com o calor de alguns cães...
       Mas, o Inverno é uma época necessária para a natureza se renovar. As árvores se desfolham e apresentam suas figuras esqueléticas de galhos secos, como se estivessem mortas.  É a renovação que está ocorrendo. Debaixo da terra, as raízes estão sugando os nutrientes necessários para se fortalecerem e recuperarem o verdor da ramagem. Porque elas são incapazes de manter indefinidamente as flores, os frutos, as sementes e a copa verde.
       “As flores se transformam em frutos, os frutos viram sementes e as sementes voltam a ser plantas”, como disse o poeta indiano Rabindranath  Tagore comparando a árvore à nossa breve existência. Nós somos apenas umas plantinhas anônimas que florescem esplendorosamente ou não, oferecem frutos mais ou menos doces ou amargos, que terminam em sementes boas ou bichadas... Depois, outros seres vêm ocupar nosso lugar no mundo. É assim o ciclo da vida. Eternamente. E a árvore é o nosso mais verdadeiro espelho.
       Se há o Inverno, há também a Primavera quando a natureza se veste de todas as cores inimagináveis para encantar nossos olhos.  E o Verão que transforma as flores em deliciosos frutos, que no Outono sempre nos regalam. Tudo tem o seu tempo, a sua lógica. Deus é muito sábio!
       E agora estamos indo para o tempo mais duro e frio do ano. Inverno chegando e trazendo as gripes, os resfriados, as dores de cabeça, os reumatismos que judiam dos idosos...
      Felizmente, há uma forma simples de driblar esses males da época. E está ao alcance de todos. São os agasalhos, que algumas pessoas têm em demasia, e outras em carência...
       Inspirada pela história da moça japonesa, passei a fazer pulovers para crianças de Creches locais. Todos os anos faço uma remessa de vinte a trinta peças. E vou até essas Escolas nos dias mais frios e visto as crianças que estão passando frio. Para isso, passo dias e dias de Outono tricotando. Combino as cores para tornar as peças mais vistosas e alegrar as crianças. Faço isso com imenso prazer e a lã vai aquecendo as minhas mãos de mulher idosa e friorenta.
     Voltando à história da moça japonesa,  ela deu uma entrevista a uma Revista  afirmando que, na época em que o casaco  a aqueceu  prometeu a si mesma que, um dia retribuiria a graça recebida. Na impossibilidade de agradecer à pessoa doadora, faria mil cachecóis para os idosos de asilos. Cachecol é uma faixa longa que pode ser de tecido, ou de lã tricotada ou crochetada, para envolver o pescoço de pessoas que sentem muito frio.  E ao se aposentar, ela começou a tricotar e já havia doado quinhentas peças... E com o firme propósito de confeccionar mais quinhentas.
     Foi então que comecei a tricotar os pulovers...
    Estou terminando a décima segunda peça, e estou atrasada.
    Vocês não fazem ideia do que é sentir calor ao fazer isso! Cura tristezas e depressões.
Porque acima de tudo os pontos que vou tricotando aquecem o meu coração. Se mais gente fizesse isso, não precisaria haver Campanha do Agasalho.
Vamos tricotar?

Mirandópolis, junho de 2019.
kimie ku in

      


quinta-feira, 20 de junho de 2019


                Homenagem
       Há uns trinta anos numa Reunião de Diretores de Escola, ouvi sem querer uma conversa no mínimo engraçada.
Era o intervalo da Reunião e eu estava lá como Coordenadora Pedagógica da Escola Ebe Aurora. E a conversa era entre os Diretores Sérgio Bruzadin  da Escola Hélio Faria, a dona Mercedes Bafile Cheida do Dr. Edgar Raimundo da Costa e  o Jorge Chain Rezeke, aqui presente  que era Diretor da Escola Noêmia Dias Perotti.
A conversa foi mais ou menos assim:
 Sérgio: “Nem adianta morrer, porque não tem mais nenhuma Escola para levar o nosso nome!” E todos começaram a nomear as escolas: Ebe Aurora, Edgar Raimundo da Costa, Tomika Abe, Noêmia Dias Perotti,  Itelvina Ferreira,  Hélio Faria, Sara Beatriz de Freitas, Marilena Santana Correa  Fernandes... Realmente não havia Escolas sem nome.
Dona Mercedes: “Não gostaria que meu nome fosse dado a uma Escola de Datilografia. Já imaginaram ficar eternamente ouvindo os tec tec tec das máquinas de escrever?”
Jorge: “ Mercedes,  e que  tal uma Escola de Corte e Costura?”
A dona Mercedes abominou a ideia. E todos deram muita risada...
Na época achei engraçada a conversa. Meio fora de propósito, mas engraçada.
Hoje, depois que a dona Mercedes partiu, me entristece o fato de que essa grande Educadora, que dirigiu a Escola Edgar  por anos e anos nunca recebeu uma simples homenagem.  Ela dirigiu com firmeza  a Escola e influenciou  na vida de dezenas de Professores e milhares de alunos, que passaram por aquela Escola. Gerações e gerações iniciaram seus estudos lá,  e hoje estão  por esse mundo afora cumprindo seus papéis como profissionais, graças ao bom encaminhamento recebido. Mirandópolis tem uma grande dívida para com ela.
Então, foi com imensa alegria que compareci  a essa homenagem à querida Therezinha, minha amiga Thê,  que também como a dona Mercedes dedicou  sua vida inteira  à educação
A Therezinha Pereira Felício foi Professora Primária, foi Diretora de Escola e terminou sua carreira como Supervisora de Ensino. E ela galgou todos esses patamares estudando muito, e prestando Concursos oficiais da Secretaria da Educação. Sempre estudando, pelejando e vencendo. Sem favor de ninguém.
Mas o que mais destacava na personalidade dela era a simplicidade. Ela acolhia a todos, se envolvia com os problemas da comunidade, levava pessoas doentes para o Hospital em Mirandópolis sempre que precisavam de sua ajuda. E se dedicou totalmente ao Asilo local no final de sua vida. Era uma pessoa admirável.
Que o exemplo desta mulher inspire os jovens presentes e os que vierem depois a estudar bastante, a lutar por seus sonhos e a vencer todas as dificuldades.
Parabéns a todos que se envolveram neste evento e especialmente à Prefeitura que tornou mais solene esse momento. Parabéns aos familiares, alunos, Professores, funcionários e à Direção da Escola.
Thê, felizmente você não vai ouvir o tec tec tec de máquinas de escrever nem de costura, como não queria a dona Mercedes. Para sempre ouvirá vozes de crianças correndo e gritando por esses corredores e salas. Vozes de crianças significam vida. Vida que você viveu tão bem! E verá representações de dramas da vida nesse Teatro.
Estou muito feliz por você!
Mirandópolis, 19 de junho de 2019.
kimie oku in
 http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/
Observação: Na inauguração da Sala de Teatro da Escola Cel Franco de Mello em Lavínia, no dia 19 de junho de 2019.


sábado, 15 de junho de 2019


                 Família
       Muitas vezes me admiro de ter cumprido minha missão de professora, ao mesmo tempo em que constituia uma família.
       Não foi nada fácil. Era tudo na correria, no sufoco, sem nunca ter certeza de dar conta do recado. Os filhos é que foram mais sacrificados. Nunca consegui ser aquela mãe ideal, que cuida de tudo, da saúde, da alimentação, das compras, de ajuda nos deveres dos filhos...  Logo  no começo da vida de casada eu tinha dois bebês em casa, com apenas dois anos de diferença. O terceiro veio sete anos depois da segunda. E o esposo também ficava mais ou menos de escanteio, quando eu tinha reuniões e viagens inadiáveis...
       Nunca tive tempo para ficar vendo novelas nem noticiários. Quando muito eu ouvia as notícias mais relevantes. E sempre dependi de minhas irmãs pra cuidar dos pequenos quando ia à Faculdade e de auxiliares na cozinha, na lavagem de roupa, na limpeza de casa. Nesse aspecto fui privilegiada. Tive irmãs e ajudantes excelentes, inclusive uma delas quase assumiu o papel de mãe de um dos meus filhos. Materialmente nunca faltou nada para eles. E a atenção do pai que estava sempre presente supriu as minhas falhas. Meu esposo trabalhava no Banco, tinha um horário fixo que garantia a ordem e o ritmo da família.
       Há quarenta, cinquenta anos os tempos eram outros. As crianças se desenvolviam soltas em companhia de meninos da vizinhança. Não havia celulares e nem drogas, que viriam destruir as estruturas familiares. Os meninos inocentes se juntavam na minha rua, a São João e brincavam de skate, de bola, de burquinha... Todos os dias havia de oito a doze garotos, todos saudáveis correndo pra lá e pra cá. Um dia voltei do trabalho de Andradina, e saí à procura do menor de casa. Ele estava na casa de uma vizinha com outros garotos, todo sujo e empoeirado. Olhei pra ele e lhe disse: “Que sujeira é essa?” E ele me deu a resposta que me cortou o coração: “Mãe, olha o seu menor abandonado!” O garoto tinha uns dez anos apenas. E nunca mais esqueci essa frase... Mãe ausente.
       Havia grande vantagem de se morar nessa rua. Ninguém tinha trancas nos portões, todos entravam e saiam o dia todo, sem pedir licença e a conversa saudável rolava o dia todo. Iam todos juntos à Escola, comentavam sobre as aulas, falavam mal de alguns professores e riam muito das armações que aprontavam. E as festas de aniversário eram umas atrás de outras. Quase todo mês havia uma. E nessas festas juntavam-se as meninas também e alguns familiares.
       Meu objetivo na vida foi sempre crescer profissionalmente e de concurso em concurso consegui vencer as etapas. O primeiro concurso me efetivou no Cargo de Professora Primária em 1964. Em 1976 me tornei Assistente de Direção em Amandaba. Após prestar outro Concurso, me tornei Coordenadora Pedagógica, e atuei nessa função por treze anos na Escola Ebe Aurora. Depois prestei o Concurso de Supervisor de Ensino por duas vezes, e terminei a carreira nessa função em Andradina, em 1992. Trabalhei na área da Educação do Estado desde 1961 até fevereiro de 1992, quase 31 anos. E acredito que fui uma profissional cumpridora das obrigações. Como prova da relevância de nosso trabalho, tenho a lembrança triste do Bairro Nossa Senhora de Fátima, que era a área mais pobre da cidade. A vida era difícil e dolorosa para muitos pais, que trabalhavam na lavoura, no corte de cana e moravam em taperas, que mal comportavam a família. Mas, a Escola fez uma grande diferença. As crianças mal nutridas passaram a receber a merenda escolar e os pais compareciam às Reuniões de Pais e Mestres quase na totalidade. A equipe de Professores era engajada, orientava os pais a observar melhor os filhos, a interação era muito boa. E pouco  a pouco o Bairro foi mudando, os meninos faziam pequenos serviços no comércio e a vida de todos mudou radicalmente. Hoje o Bairro é de classe média e todos os moradores levam uma vida pacata, sem problemas. É bem verdade que tudo isso se deve ao duro trabalho dos pais, mas a Escola Ebe Aurora teve uma grande participação nisso.  Disso tenho muito orgulho.
        Não tem jeito, acabo voltando para o assunto escola.
       Voltando à família, já temos 52 anos de casamento estável. Tenho no meu esposo o melhor amigo, o melhor conselheiro e companheiro. Tivemos muitas crises nos anos jovens do casamento, mas hoje estamos em paz e vivemos um para o outro. Ele é uma pessoa que não gosta de reuniões sociais, então respeito isso e tudo bem. Mas não é controlador e respeita o meu espaço. Procuramos sempre ajudar os filhos, o genro e e neta, que são saudáveis e vivem bem. Nosso tempo está cada vez mais se reduzindo, porque já estamos chegando aos oitenta anos.
       Minha realização maior além da família e da escola foi a Ciranda. Há dez anos junto com alguns amigos inventamos um grupo que denominamos Ciranda. Seu objetivo é puramente filantrópico - servir aos idosos solitários, levando-os a se encontrarem com outros idosos esquecidos para vencer a solidão. Tivemos sucesso na empreitada e, uma vez por mês nos reunimos num barracão do Asilo local, e passamos a tarde toda conversando, rindo, dançando, cantando e brincando. Com música ao vivo e lanche para todos.
      Posso concluir essa minha narrativa registrando que os amigos foram fundamentais para me sentir realizada hoje. O que mais gosto de fazer hoje é tocar piano, ler e escrever. E já publiquei mais de seiscentas crônicas, que hoje atingiram a marca de 111.714 (cento e onze mil e setecentas e catorze visualizações).
     Finalizando só posso agradecer a Deus pela vida cheia de trabalho e estudo que tive,à família que amo acima de tudo e aos amigos fiéis, que me estimulam a escrever sempre.
      E um brinde à VIDA!
      Kampai!
      
     Mirandópolis, junho de 2019.
    kimieoku in
    http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/   



       

quarta-feira, 12 de junho de 2019


              Majupira
            (para Fauzer Mansano e Marcos Roberto dos Santos)

        Quando eu tinha doze anos de idade descobri a Biblioteca.
       Lá no Ginásio Estadual de Mirandópolis, que ficava na Rua hoje Avenida Dr. Raul da Cunha Bueno. Para mim, que amava os livros, foi a maior descoberta de uma menina inocente e caipira. Era a arca do tesouro!
       Fiquei tão encantada que li todos os livros de contos infantis. E um dia li um romance. Chamava-se Majupira. Gostei tanto do enredo que nunca mais esqueci o nome do livro. Como eu era uma menina alienada de tudo fiquei fascinada com o enredo do romance. E na crônica “ Biibliotecas” que publiquei recentemente, comentei que andei procurando esse livro em vão.
     E de repente fui presenteada com dois volumes desse livro, um deles pelo amigo advogado Fauzer Mansano, que o conseguiu num Sebo em São Paulo; o outro pelo Professor Marcos Roberto dos Santos que o achou num Sebo em Londrina, se não me falha a memória. Fiquei bastante emocionada pela gentileza dos amigos, que se lembraram de mim depois de lerem a crônica.
     Ambos os volumes foram editados pela Editora Saraiva em São Paulo em 1949, há setenta anos, exatamente no ano em que comecei a estudar. A tiragem foi de 40.000 exemplares, e deve ter feito sucesso na época. A autoria é do escritor J. B. Mello e Souza, que dentre outras obras, publicou livros de Gramática da Língua Portuguesa e de História do Brasil para os Cursos de Admissão ao Ginásio. Ambos os volumes em papel brochura estão amarelecidos pelo tempo, mas conservados integralmente. Não falta nenhuma folha.
       Logo que abri, percebi que as letras são minúsculas e fiquei admirada de eu ter lido um livro tão volumoso, quando era uma adolescente. Contém 334 páginas, fato que assustaria qualquer estudante hoje.
      Feliz pela atenção dos jovens que me presentearam com essas relíquias, me pus a ler.
     Marcos e Fauzer, fiquei abobada ao perceber que é um romance tipo água com açúcar nos moldes dos anos 40/50... Deve ser o retrato de uma época, que não volta mais... Tudo é meticulosamente narrado, com os pingos nos iiis e a leitura hoje pode ser considerada enfadonha. O enredo total poderia ser contado em vinte páginas apenas: "Uma professora de uma cidadezinha do interior paulista chamada Pequiri é idolatrada pelos alunos, que fundam um Clubinho de Escoteiros chamado Majupira. Esse nome foi tirado das iniciais de Maria Julia Pimentel Ramos, nome da mestra. E tudo gira em torno dessa jovem, que parece ser a própria Mulher Maravilha, pois além de ser ótima professora, é pianista, entende de enfermagem e resolve todos os problemas da comunidade num passe de mágica. E para dar um toque de romance, aparece um Doutor que se apaixona por ela e como um benfeitor caído do céu, ali se instala para trazer empregos para a comunidade. Ele é auxiliado por um garoto, o Pedro Luiz, que acaba transformado quase que num herói do lugar. O estranho é que o rapaz tem apenas 15/16 anos e tudo ele resolve. Ele protege a professora das maldades de um Inspetor Escolar, que ao visitar a escola tentou assediá-la. Ele investiga ações de pessoas que tentaram prejudicar a sua querida professora. Ele junta provas para inocentá-la de acusações maldosas do Inspetor. Ele tem poder para falar com o Juiz, que lhe autoriza a comunicar o resultado do julgamento da professora.
       Quando li o livro em 1954 tinha apenas doze anos e nunca havia lido um romance, por isso fiquei fascinada. Não tinha capacidade para discernir da veracidade da história, das incoerências de atos atribuídos a um menino... Atos que se me afiguram inverossímeis, posto que uma autoridade judicial  jamais encarregaria um adolescente de entregar documentos oficiais, a quem quer que fosse. Mesmo que fosse um rapaz muito inteligente, como ele é descrito. Porque seria irresponsabilidade do Juiz, no mínimo...
       Por outro lado, há o mérito de o autor ter descrito com detalhes o funcionamento da Linha férrea da Rede Sul Mineira e as paisagens serranas da divisa de São Paulo com Minas. Mas, a localização da cidade de Pequiri ficou  incerta em minha cabeça, porque de acordo com o Google é uma cidade mineira. E o autor a localiza perto de Lorena, Cruzeiro e Aparecida, cidades paulistas. Será que o autor se confundiu?
       Passados mais de sessenta anos, com os milhares de livros que andei devorando, meu conhecimento ficou um pouco mais apurado. E sei que um livro desses hoje em dia não teria a menor chance de sucesso. Nessa releitura, me lembrei dos livros de José de Alencar, que descrevia cenários com tantos detalhes, que a maioria dos leitores acabava se cansando. J.B. Mello e Souza segue o mesmo estilo, e deve ter agradado aos leitores da época, mas hoje com a pressa que caracteriza o nosso tempo, e com a leitura dinâmica que elimina os detalhes desnecessários, esse livro nem sairia das prateleiras de uma Biblioteca...
     Pra mim foi valiosíssima na época. E hoje foi excelente para perceber que os costumes mudam, que os estilos se apuram, que os gostos se modificam com a passagem do tempo.
    E quase tudo no enredo é inverossímil. A multifacetada professora, o garoto que parece um Superman, a solução de todos os problemas com a ajuda de autoridades tendo como intermediário um garoto de apenas 15 anos... Acho que foi apenas um sonho que teve o autor. Os leitores mudam,a análise fica mais exigente e o encanto se vai. O tempo passa e as mudanças são inexoráveis.
      Majupira é um retrato de uma época.
      Ao Fauzer Mansano e ao Marcos Roberto dos Santos, minha gratidão por essa viagem ao passado e o reencontro com a criança inocente e pura que um dia fui.
     
      Mirandópolis, junho de 2019.
      kimieoku in
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domingo, 9 de junho de 2019


                       Direitos

       Vivi longos anos atrelada a Escolas, livros, deveres, viagens, que de repente me vi perdida. Estava aposentada! E tinha apenas cinquenta anos de idade! Tinha muita energia, muita vontade de produzir, de enfrentar desafios.
       Então, fui fazer a Faculdade de Comunicação Social, junto com os jovens que lá estavam em Araçatuba. Havia mais algumas alunas na minha faixa etária e acabamos nos entendendo bem.
       A Faculdade era nova, e o Curso não era aquelas coisas, mas alguns Professores eram muito excelentes...  Maria Cecília, Gilberto, o Queiroz...
       Viajávamos para Araçatuba todas as noites num ônibus fretado pela Prefeitura, e colaborávamos mensalmente com o combustível e a diária do motorista.
       Quando comecei a viajar, o ônibus fazia um roteiro na cidade de Araçatuba, que favorecia só os alunos da Faculdade de Direito. E nos despejava na Avenida Luís Pereira Barreto às 19 horas, na hora do rush, e tínhamos que correr para a nossa Escola, que distava umas dez quadras, para chegar em tempo. Era muito perigoso atravessar a Avenida, porque os carros passavam em alta velocidade. Éramos em 13 estudantes na nossa Faculdade.
       Uma noite, falei ao jovem responsável que pedisse ao motorista para mudar o roteiro e entrasse na cidade pela Rua Cristiano Olsen e, nos deixasse a duas quadras da escola. O moço não concordou, mesmo eu expondo todos os perigos que enfrentávamos. Simplesmente me ignorou. Pedi duas vezes, e ele conseguiu colocar o motorista contra mim.
       Daí, escrevi um manifesto em nome dos meus parceiros de escola explicando a nossa dificuldade e os riscos, e deixei nos bancos do ônibus. Já que não éramos deixados na Escola, pagaríamos menos na divisão do combustível. Foi um escândalo! A maioria era gente do Curso de Direito e foi contra... E uma Professora (?) gritou durante uma hora, de Mirandópolis a Araçatuba sobre a prioridade dos alunos de Direito. Eu não retruquei e nem deixei meus colegas baterem boca com ela. Era uma baixaria mesmo!  Ela despejou seu veneno e revelou naquele ato que tipo de Advogada seria futuramente. Não me esqueço da frase final: “Esse ônibus foi contratado pelo prefeito para conduzir só os alunos do Toledo. Não tem nada que mudar o caminho!" Ônibus contratado pelo Município para conduzir Universitários, sem discriminar Cursos, e cada usuário entrava com a sua contribuição para dividir as despesas da viagem.
       E ela se arrogou o direito de mandar no ônibus... E nos passageiros. Professora...
       E aí, uns jovens ignorantes punham as pernas no corredor quando entrávamos no ônibus na volta, para que caíssemos. Não sei se eram orientados por ela.
       Mas o fuxico chegou à Prefeitura e o Prefeito convocou o motorista e o responsável para saber o que estava acontecendo. Decisão: Que o motorista fizesse um roteiro que favorecesse a todos, porque o ônibus era para TODOS os estudantes! E o ônibus passou a fazer o roteiro que nos deixava pertinho da Faculdade, e não prejudicava ninguém. Justiça foi feita. E o prefeito era meu cunhado, mas nunca comentei essa questão para ele, por julgar que um Prefeito não deve perder tempo com essas ninharias...
       E agora vendo o cenário jurídico do país, com tantos juristas corruptos se destacando na Mídia, fico imaginando o quê esses Cursos de Direito ensinaram a todos os Advogados do Brasil? Advogado que não vê um palmo diante do nariz? Que não reconhece o direito do outro? Advogado que só enxerga o seu umbigo? Que diferença existe entre essa laia de Advogadozinhos com os bandidos que enchem as cadeias, por se julgarem melhores que os outros? É claro que isso não abrange  a todos os Advogados, mas aos rábulas que só querem a grana e o poder. Há Advogados e Advogados.  E há os que respeito muito.
       De que adianta ser um Ministro do Supremo, ter títulos e mais títulos e pregar Conferências em famosas Universidades, se não tem empatia para sentir a dor do outro, se não aprendeu que o direito de um termina onde começa o do outro!
        Advogado é para defender os direitos de todos
        Ou só o próprio?.
       
       Mirandópolis, junho de 2019.
      kimieoku in
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sexta-feira, 7 de junho de 2019


                   Abordagens
                      (para todas as Mauras do Mundo)

Depois que publiquei a crônica intitulada “Os jovens, os velhos”,  percebi que o tema permite várias abordagens diferentes. Minha abordagem foi sobre o tratamento diferenciado que a sociedade oferece aos jovens e aos idosos. Os mesmos jovens que um dia serão idosos...
Eu poderia ter comentado sobre os jovens que agem como velhos, nunca tendo experimentado a juventude por serem duros, radicais e exigentes demais. Ou sobre os velhos que nunca tiveram juízo e agem como adolescentes inconsequentes, dando muitos aborrecimentos às famílias. Ou ainda, sobre velhos que agem como velhos ranzinzas desde que foram crianças, e jovens que nunca amadurecem... Honestamente percebi que, a primeira e a segunda abordagens são as que mais ocorrem.
Em Consciência Negra abordei a inutilidade de um dia dedicado a Zumbi, para acabar com o preconceito racial. Poderia ter defendido a ideia de que uma data pode fazer toda a diferença.
Depois vi publicações denegrindo a imagem do Zumbi, que sucedeu a Ganga Zumba, que formou um reduto em Quilombo dos Palmares, para acolher os negros foragidos das senzalas e, aos índios perseguidos por capitães do mato... Acredito que, o reverso dessa medalha de Zumbi foi criado pelos senhores dos engenhos, que não aceitavam sua liderança para acolher os escravos fugitivos. É preciso entender a verdadeira história para não distorcê-la. Zumbi era um guerreiro, descendente de gente nobre da África e, não aceitava servidão por causa da cor da pele, para si e nem para os seus. Houve excessos no Quilombo? Sim, com certeza, pois não deve ter sido fácil controlar uma multidão faminta, revoltada e sem renda. Ele conseguiu afrontar e bater de frente com os escravagistas. Nesse sentido foi um herói africano, defendendo sua gente das garras de gente branca, que se julgava superior e agia como carrascos. E a História oficial do Brasil, aquela mesma História dos compêndios que ensinamos na Escola, está cheia de incongruências e mentiras. Porque foi construída e narrada pelos brancos que mandavam. Versão dos mandantes, sem nenhum respeito para com os africanos. Mesmo agora, os mandantes do país distorcem as verdades em benefício próprio. Sempre foi assim e sempre será, infelizmente. A História oficial invariavelmente é contada pela perspectiva dos dominadores.
Quando eu trabalhava na Delegacia de Ensino em Andradina, havia lá uma funcionária supercompetente chamada Maura. Era Diretora de Finanças da Delegacia. Era uma mulher forte, bonita e totalmente negra. De branco só os dentes perfeitos. Acho que era Professora de Física em alguma Escola. Professora mui capaz! Um dia, a convidei para almoçar comigo num restaurante local. E ela disse que não poderia ir comigo, porque sua irmã que morava na África estava à espera para almoçar junto.
Interessada pelo assunto, lhe perguntei o que essa irmã fazia num lugar tão distante. Era Irmã de Caridade e desenvolvia um trabalho social lá. Então, lhe sugeri que procurassem as raízes da família lá na África, para descobrir a procedência de seus pais e avós que vieram como escravos. E de repente, ali na calçada em pleno meio dia, essa Maura desatou a chorar. Levei um susto vendo aquele rosto querido devastado pelas lágrimas... Não entendi nada... Fiquei perplexa.
Quando se acalmou, explicou que haviam tentado várias vezes essa pesquisa. No Consulado... E descobriram que, o Governo brasileiro havia queimado todos os documentos, para não deixar provas de escravidão no Brasil!!!
Então, ali na calçada de uma cidade próxima, em plena luz do dia, vendo a dor da minha amiga, senti imensa vergonha da nossa História que, está recheada de mentiras e traições contra o próprio povo de sua terra. Mentiras que roubaram a verdadeira história dos africanos que aqui vieram forçados, para serem subjugados e humilhados. Nem direito às próprias raízes, à própria história foi respeitado! Mentiras dos coronéis, dos senhores de engenho, dos escravagistas, dos políticos sem caráter e dos “sábios” que escreveram a nossa História... Passagem triste e vergonhosa de nossa História.
E fico pasma de ver gente, que ainda não acordou para a realidade de nossa História, e em pleno século XXI acredita em histórias de carochinha. E divulga que o Zumbi foi um bandido... Puro resquício de preconceito e discriminação racial. Espantoso! E dizem que não têm preconceito. Zumbi foi o herói dos africanos e continua sendo. Eternamente.
Vamos acordar, meus amigos!
Zumbi foi prepotente? Foi duro com os irmãos escravos que procuravam a liberdade?  Acredito que deve ter sido! Mas, ele estava procurando um caminho livre para todos! Um caminho de luz, de libertação. Liderar uma multidão revoltada, vilipendiada que não queria se submeter a ninguém depois de anos de cativeiro, não deve ter sido fácil. Ao invés de criticar Zumbi, seria mais honesto analisar a atuação dos senhores escravagistas, que trataram os africanos como seres inferiores. Como animais que não sentiam dor, mágoa, tristeza, banzo...
E aí seria mudar a abordagem para a verdadeira história de nossa triste História.
Será que um dia isso acontecerá?
Maura...

Mirandópolis, novembro de 2017.
       kimie oku in





      

quinta-feira, 6 de junho de 2019


                         Influências
        Minha vida foi uma caminhada voltada só para o Magistério.
       Mas quando decidi ser professora era uma menina sonhadora e achava que, a profissão era leve e teria uma vida boa, melhor que a maioria. Ledo engano! Na primeira escola, errei muito ao preencher os Livros de Matrícula, as Cadernetas de Chamada e os Resumos Mensais, que ninguém me ensinara no Curso Normal. Rasurei tanto esses livros que fiquei com vergonha de entregá-los na Inspetoria, no final do ano... Não existia corretor.
       E na alfabetização?
      As crianças de roça não conheciam lápis, borracha, caderno, livros, quadro negro (era negro mesmo!), giz, apagador. A molecada era louca para pegar os tocos de giz e levar para casa... Giz em cores? Só se eu comprasse. Aí, desperdício maior...
     A primeira lição da cartilha era a pior “Eu vejo a barriga do bebê” E a gente obrigava as crianças que mal conseguiam firmar o lápis entre os dedos, a escrever essa frase. E olhe que não tinham sido preparadas com exercícios de coordenação motora... (aqueles exercícios que todas as crianças do Pré Primário faziam desenhando o llllll manuscrito e emendado, enchendo linhas e páginas) para amaciar a mão e treinar a coordenação motora fina, diziam...
      A Direção da Escola ou a Inspetoria ocupada demais com questões burocráticas, nunca orientava professores recém formados, que assumiam classes lá nos quintos, onde o Judas perdera as botas... E ninguém, NINGUÉM mesmo nos ensinou a dar aulas para três séries diferentes!  Enquanto eu contava alguma coisa da História do Brasil para os alunos do 3º ano, os demais paravam de trabalhar e ficavam de boca aberta, ouvindo... Quando uma criança ia à lousa resolver um problema, todos paravam de trabalhar também... Como controlar tempo, espaço e turmas? Não foi brincadeira, não! Todos os dias eu me sentia tão perdida, tão incompetente, tão desastrada! Ah! Se tivesse alguém pra sanar minhas dúvidas! Mas, não havia ninguém! Só cabritos e boiadas... A Teoria na prática é outra! Senti isso nas escolinhas rurais, pois as teorias estudadas em Didática, em Psicologia, em Pedagogia e em Sociologia não se encaixavam na realidade que estava vivendo. A Escola Rural era uma aberração em termos pedagógicos, para os Professores cheios de ideias psico-pedagógicas. Tive um começo de total frustração. Eu me sentia uma incapaz, uma incompetente, completa idiota! Aos dezoito anos de idade, sozinha lá no fim do mundo tantas vezes tive vontade de sentar no chão e chorar, chorar, chorar...
       Mas, Deus o Grande Provedor colocou anjos no meu caminho...  Os nordestinos José João e a Valdete que me salvaram do desespero da primeira escola. Depois, colegas Professores e Diretores sempre me deram o estímulo necessário para seguir adiante. O começo foi difícil, mas pouco a pouco fui descobrindo a melhor forma para ensinar o alfabeto, as tabuadas, a interpretar textos, a entender a História do Brasil. E tudo isso entremeado de canções e hinos pátrios, além de aulas de civilidade e amor à Pátria, que todos os Professores passavam com naturalidade.
        Fui forjada como ser humano nas longas horas perdidas esperando um carro que não vinha, nas areias da estrada de Tabajara, nas caronas de pessoas generosas,  na bondade e simpatia de colegas, no carinho das crianças tão pobrezinhas que Deus colocou no meu caminho. Mas acima de tudo, eu me firmei como Professora nas escolas rurais multisseriadas, e sobretudo com a inestimável orientação do seu José Domingos Paschoal, que me ensinou a planejar aulas com objetividade, para poder avaliar o rendimento. Seu Zé Domingos foi meu Diretor no Grupo Escolar de Amandaba nos anos 60, e meu colega de trabalho no final de minha carreira na Supervisão em Andradina. E lá também ajudou, ensinando-me a consultar a Legislação sobre questões educacionais - Decretos, Leis, Resoluções, Portarias, Atos e seus incisos e parágrafos não são ensinados na Escola Normal, e eu era completamente ignorante disso. Mas um Supervisor se vê às vezes, diante de Recursos legais de Professores e Pais de alunos, que se julgam lesados em seus direitos... Na Supervisão participei de duas Sindicâncias, uma envolvendo uma Professora e outra envolvendo alunos... Supervisão não é brincadeira...
         Em 1992 eu me aposentei após 31 anos de trabalho ininterrupto. E posso afirmar que fui feliz como professora. Acredito que fiz a diferença na vida de centenas de crianças e jovens. Mas nada disso teria acontecido  sem que meu pai tivesse entendido  o meu sonho.                                                        Sonho de ser professora.
       Aqui quero deixar a minha gratidão a Deus e a todas as pessoas que de alguma forma me empurraram para cumprir essa missão.
         Porque ser Professor é cumprir uma missão.
         E exige vocação.
       
         Mirandópolis, junho de 2019.
         kimieoku in
         http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/


     



quarta-feira, 5 de junho de 2019


Supervisão Escolar
       Enquanto professora, sempre quis saber mais, aprender mais, por isso vivia estudando, porque sempre fui muito curiosa.  E sabia que para crescer era preciso estar sempre preparada. Pegava os livros da Biblioteca da Escola e os lia para me informar. Sempre.
       Quando estava na Coordenação Pedagógica da Escola Ebe Aurora, a Secretaria  da Educação houve por bem realizar o Concurso de Supervisores Escolares, para conferir se as Escolas estavam funcionando dentro dos parâmetros ideais. Acho que foi em 1981/82. Passei! Daí dois anos fui chamada para escolher uma das vagas. Só havia vagas em Araçatuba, distante 70 km daqui. Na época eu tinha dois adolescentes e um caçula que ia entrar na Escola. Achei que não aguentaria morar em Araçatuba e deixar a família nessas circunstâncias... Quando anunciaram a minha desistência o salão onde ocorria essa escolha  na República quase veio abaixo, porque era a 1ª que ocorria. Os candidatos ficaram pasmos de saber da minha desistência! Todos eram idosos, quase no final de carreira e era a última chance de se aposentarem com um cargo melhor. E de repente do salão lotado, uma candidata veio até mim e perguntou porquê eu havia desistido. Respondi que optara pela família e ela me deu um abraço, desejando sucesso no futuro. Fiquei atônita, porque a pessoa me era totalmente estranha, e ela fez isso diante de toda aquela multidão...
       E Deus dispõe quando o sonho é grande. Novo Concurso e novamente passei! E aí, com a família mais organizada, pude escolher a Delegacia de Araçatuba. E tive a felicidade de ser "emprestada" para a DE. de Andradina, porque a Supervisora dona Áurea Calestini  Martinho Rodrigues estava respondendo pela Delegacia e eu pude substituí-la na Supervisão. Andradina dista apenas 35 quilômetros de Mirandópolis, metade de Araçatuba.
        Em Andradina trabalhei com José Beloto Jr., Narzira Zanellato do Lago, Jorge Chain Rezeke, Flávio Guirado Braga e a Diná, Adelaide Nóbrega, a Graça, a Irene, o Wilson, a Cidinha, a Sâmia, o Coca, e José Domingos Paschoal. Mas logo de cara, trombei com a velha guarda da Delegacia. Não aceitavam mudanças no processo de Alfabetização. Acreditavam piamente na Cartilha e nos métodos antigos. Foi difícil conviver com o grupo/dono do pedaço, que não acreditava em mudanças. Mas, me aliei a Maria Perpétua, responsável pela Orientação Pedagógica de Língua Portuguesa do antigo SEROPE e fizemos um Projeto de Alfabetização, nos moldes da Construção do Conhecimento. E passamos a orientar os professores alfabetizadores. Deu certo!  E em algumas Escolas, professoras perguntaram chorando porque demoramos tanto a chegar lá... Só que infelizmente constatei que, a resistência acontecia nas próprias escolas! Certos Diretores e Coordenadores do Ciclo Básico trancavam com cadeado, o material que vinha da Secretaria da Educação para os alunos. Material exclusivo para  eles juntarem as letras de plástico para formar palavras... Brincando com as letras coloridas na sala de aula. Mas os diretores nem abriam os pacotes para os meninos manusearem.. Boicote total! A troco de quê? Difícil lutar contra a ignorância! Bolas de borracha, de vôlei, de futebol e de basquete ficavam trancadas num cubículo, apodrecendo... Dezenas delas! E alguns Professores se queixavam que eram obrigados a brincar com bolas rombudas, furadas e tortas. Os Diretores não deixavam substitui-las, não sei por quê razão. E  as que estavam escondidas  iam perdendo a elasticidade, e a capa externa colava na mediana e era impossível brincar com elas, porque quicavam errado...
          Muita coisa não dá certo na Educação por conta da ignorância e do exercício de poder dos responsáveis. Poder dos mandantes.
       Também participei de greves. Fui com os colegas até a Praça da República protestar contra o Governo, que havia se esquecido dos Educadores... O governo nunca se lembra! As greves pouco valeram. Era apenas um período de grande tensão, em que boatos maldosos eram divulgados, e cobranças eram feitas a colegas que não queriam aderir. Ou fazia greve ou não. Não permitiam livre arbítrio. Houve uma greve que durou 45 dias! Foi muito ruim e desgastante. No final, os pais se revoltavam contra os professores...
          Na Supervisão tive muita alegrias. Visitei dezenas de Escolas da Delegacia de Andradina, incluindo as rurais e percebi que havia professores dedicados ao extremo e outros nem tanto. Que iam à Escola pelo salário simplesmente, que nunca foi grande coisa.
         De tudo que passei, constatei, sofri e aprendi tirei a seguinte conclusão:
      " Não adianta o Governo baixar Decretos para melhorar o Ensino, enquanto nas Escolas e nas Diretorias de Ensino reinarem os controladores, que só querem usufruir o bem estar atrás de mesas confortáveis, ocupando-se apenas com assuntos alheios à Educação." 
        Conheci dezenas deles, que nunca visitaram uma sala de aula, e viviam falando mal do governo, dos alunos e da sociedade. E só preocupados com aumento de salário...

        Mirandópolis,junho de 2019.
        kimie oku in
       http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/


terça-feira, 4 de junho de 2019


                Joana Pazzinatto
(Reprodução de uma publicação de junho de 2017)
Na minha vida de professora tive contatos com diversas pessoas, notadamente com famílias pobres e sofridas.
Foi no final dos anos 80, quando estava deixando a Escola Ebe Aurora, tive uma experiência que me marcou para sempre.
Uma adolescente chamada Joana estudava na sexta série. Era uma garota loirinha e muito quieta. O que chamava a atenção nela eram os seus lábios roxos e as unhas também roxas. E ela já estava traumatizada de tanto responder que não havia comido amoras... Era problema de saúde, de má circulação...
Um dia, ela se sentiu mal na Escola, e tive de levá-la para casa. Aproveitei a oportunidade para recomendar aos pais que procurassem ajuda médica. Mas, a mãe disse que estavam cansados de pedir ajuda, de ficar em filas por horas e horas e nada de bom fora feito pela menina... Passei a observar a garota. Percebi que além de quieta e retraída, não participava de brincadeiras, não corria, não falava alto... Estava sempre meio esgotada. Mas, era boa aluna e dava conta dos estudos. As coleguinhas sempre tinham um certo cuidado com ela.
Um dia, ela passou muito mal, com falta de ar e não conseguia respirar. Eu a levei ao médico. E o Dr. Afonso após examiná-la disse: “Ela está com 80% da circulação comprometida. É urgente fazer um cateterismo, porque ela não vai aguentar a próxima crise!”
Voltando à casa dos pais, passei o recado do médico. Muito preocupado, o pai resolveu levá-la a Rio Preto, onde ao fazer o cateterismo, ela quase perdeu a vida. Mas,  foi bem cuidada, cheguei a falar com a Enfermeira Chefe, que me disse do estado crítico em que a menina chegara.
Passado um tempo, a garota voltou e mudou completamente. Passou a andar mais firmemente (antes precisava parar de quatro a cinco vezes para chegar à Escola que distava apenas duas quadras da casa), passou a cantar e a correr pelo pátio. Com as veias desobstruídas a circulação deveria estar normal. A menina mudou totalmente, os lábios já não estavam mais roxos, nem as unhas... Achei que eu tinha acertado em cheio alertando a família...
Nesse ínterim, saí da Escola para assumir um outro serviço numa cidade próxima. Pela nova função, visitava escolas, e a Ebe Aurora era uma delas. Mantive contato com os professores, mas sem o convívio diário, perdi o contato com os alunos.
Certo dia, a Ester Pandin da Escola me comunicou que a Joana havia falecido. Tive um imenso choque!  Não pude ir ao funeral, mas fui ver os pais. Estavam desolados, é claro. E eu nem sabia o que lhes dizer. Choramos juntos e pedi perdão a eles por ter interferido na vida da menina... Mas, a mãe me disse que eu não havia errado. Que a Joana tivera a chance de viver normalmente durante dois anos.  Que nesses dois anos, ela brincara de roda como nunca havia brincado, que andara de bicicleta até os mercados distantes umas dez quadras, para fazer pequenas compras, que brincara com as amigas, que correra e saltara feliz...
É bem verdade que tudo isso me tirou um peso do coração. Mesmo assim, gostaria de ter conversado com ela nesses tempos felizes... Porque mesmo feliz, ela se sentira meio abandonada por mim... Eu não percebera que estava tão apegada a mim...
As pessoas entram em nossas vidas e interagem até um certo tempo. Tive contatos com outros adolescentes, e apartar-se é natural, são as exigências da vida. Mas, a Joana era diferente, era carente ao extremo, pela vida difícil e dolorosa que tivera até então. E eu saí de sua vida, sem lhe dizer uma palavra, pois outras eram minhas preocupações... Carrego esse remorso até hoje...
Há pouco tempo descobri no face uma pessoa que tem o mesmo sobrenome dela. Entrei em contato, soube que era sua irmã. Perguntei dos pais, mas ela não me retornou. Procurei a casa dos pais e não achei...
E de vez em quando me vem à memória a imagem doce daquela menina valente, que queria tanto viver e foi podada pelo destino... E não nego, sinto uma dor no peito...
Joana...

Mirandópolis, junho de 2017.
kimie oku in