56 anos
Estive assuntando...
Completamos 56 anos de união.
Sem comemoração, sem alardes, sem bolos, sem cantorias...
Só nós dois. Em paz, em comunhão.
Cinquenta e seis anos não são cinquenta e seis dias, nem
cinquenta e seis meses. É uma longa, longa, longuíssima caminhada.
Caminhada permeada de atritos, de desentendimentos, de brigas,
de mau humor, de intolerância. Sim, éramos jovens cheios de desejos e sonhos particulares.
E muitas, muitas ilusões.
Ilusões de uma vida a dois num mar de rosas, onde o Príncipe
e Princesa seriam felizes para sempre.
Ilusão de que ninguém precisaria sofrer, sacrificar-se, renunciar, abrir mão dos
sonhos mais caros. Ilusão plantada em nossas cabeças por uma cultura irresponsável. Histórias da carochinha...
Casamento é uma união de duas pedras que vem rolando pela ladeira.
Duas pedras brutas, cheias de arestas, que ferem ao se tocarem, e os toques não
são nada elegantes. Incompreensão, dores íntimas, mágoa profunda, e dias sem se
falarem... Duas pedras que tentam se acomodar, mas as arestas pontiagudas
atrapalham... Educação diferente, ambiente diferente, costumes diferentes,
valores diferentes, sonhos totalmente diversos... Como acomodar tudo isso?
Não tem uma receita. Não tem quem ensine, não existem peritos
nisso.
Casais que se amam profundamente não suportam essa situação e
acabam se separando, se odiando... Porque nos contaram uma grande mentira. “E
assim casaram e foram felizes para sempre” Mentira, uma grande mentira.
Mas, quem foi criado na dura luta de todo dia, nas pelejas
diárias para alcançar objetivos vai vencendo a diferença, deixando de
discriminar, aceitando os defeitos do outro, perdoando o mau humor, relevando
uma palavra áspera tão desnecessária...
E quando vem a prole, tudo se complica. Divergência no modo de
lidar com as pequenas criaturas, mimando mais, mimando menos, sendo rígido,
sendo tolerante... Tudo excesso de carinho, de afeição.
Mas, as conquistas dos filhos unem os dois, ambos se felicitam
pelas glórias alcançadas. Assim, muita coisa deixa de ser considerada pela
harmonia do lar. Os filhos passam a ser a razão da luta diária, a razão da
existência. Depois... Cada filhote se vai, cuidando de voar sozinho, de
realizar seus sonhos, e o casal volta a ficar sós. Fase muito estranha. A gente
se sente roubada, abandonada, esquecida.
Mas a vida prossegue.
Já alquebrados com o peso dos anos, sem muito alento e os
sentidos se esvaindo. Surdez, voz baixa, pernas trôpegas, memória curta,
confusão.
Mas é preciso viver, que a vida ainda é uma bênção.
Então, os dois se voltam um para o outro e fazem um remake dos
anos dourados. Olhando, reparando, cuidando, ajudando, estimulando, socorrendo
nos momentos difíceis. Dificuldades essas que irão se repetindo mais e mais. É
chegada a hora do companheirismo. Parceria, cumplicidade. Cumplicidade nas
pequenas coisas diárias: um tombo, um mal estar, um abuso na comida, um esquecimento
dos remédios.
Tudo é relevado, porque o que mais importa é o outro estar bem e
confortável. Não é preciso mais luxo, mais ostentação, mais Ibope. O que tinha
que ser, foi.
Sinceramente essa é uma fase maravilhosa, porque a gente se
descobre no outro, nas virtudes do outro, nas gentilezas de cada dia, nas
pequenas atenções do outro. Porque não somos mais dois, mas uma fusão, apenas dois em um. E podemos olhar
para trás e reviver tudo que passou, a vida que construímos, os filhos que
soltamos no mundo, os sonhos que acalentamos... E uma sensação de grande
realização toma conta do coração.
Felizmente, como muita gente que conseguiu superar todas as
dificuldades de um casamento, chegamos ao termo da vida com essa satisfação. E
nada há que possa ser comparado a isso.
Felizes e gratos pelos cinquenta e seis anos bem vividos.
E nem precisamos de saudações e cumprimentos.
Mirandópolis, fevereiro de 2023.
kimie oku in
http://cronicasdekimie.blogspot.com
Palmas silenciosas para ti e ao Nori. Também, na surdina, em 8 de janeiro deste ano, Beth e eu fomos , ao invés de comemorar, agradecer por tudo junto à Nossa Senhora Mãe Aparecida no seu Santuário, Beijão!
ResponderExcluirDuas palavras: Que lindo!
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