A chuva choveu de novo
Depois de uns três meses de estiagem braba, de ar
poluído, de calor misturado com friagens repentinas, a chuva deu o ar da graça.
Já fazia um bom tempo que todo mundo
reclamava da seca, que acabou com as pastagens, com a lavouras, com os
pomares... E havia uma tristeza no ar, como se todos tivessem sido abandonados
por Deus...
Com a ausência das chuvas, os
reservatórios de água que servem a cidade começaram a baixar de nível, e a
Prefeitura solicitou a colaboração dos munícipes para pouparem água. A maioria
da população entendeu, mas os ignorantes continuaram a lavar suas calçadas e
seus carros. Foi necessário a Prefeitura começar a multar alguns cidadãos, para
que a lei fosse cumprida. Boa medida!
Eu
realmente não entendo como um cidadão normal, que sabe da utilidade e da
necessidade da água para viver, não possa entender e colaborar em campanhas
assim. E também não entendo como ainda tem gente que, não atentou para a
urgência de proteger a Terra, para a humanidade continuar existindo. Algumas
pessoas não se preocupam com o mundo que vão deixar para seus filhos e netos. E
derrubam árvores, e poluem os rios, e sujam as estradas e os caminhos, como se
o mundo fosse um imenso lixão a céu aberto. Então, as pessoas conscientes
desses problemas têm que ficar cobrando o tempo todo, para que gente
inconsciente não acabe destruindo o Planeta, que é a nossa verdadeira morada.
Ensinamos
durante toda a nossa missão de professora aos alunos que, as árvores são
necessárias para fazer o ciclo da água. As árvores absorvem a água do solo e a
eliminam em forma de vapor para formar nuvens, que se transformam em chuva para
molhar a terra, A chuva enche os regatos e rios, que com a ajuda do calor do
sol se evapora e forma nuvens, que novamente se transformam em chuva... e assim
num continuum, que é o ciclo da água. Ora, se derrubarmos todas as árvores, a
formação de nuvens será menor, e no locais vazios a chuva não cairá. E se não
chover, o solo ficará seco, árido e se transformará em imenso deserto.
Toda
vez que penso em chuva, lembro-me de um senhor que arrendou terras para plantar
algodão. Esse senhor de origem japonesa tinha esposa e, uma penca de filhos
menores. Por motivo de trabalho, eu me hospedava em sua humilde casa, que era
bem retirada da cidade.
Havia
uma colônia de treze famílias de peões, para ajudar no plantio e colheita do
algodão. Os homens aravam diariamente a terra, preparando o solo para a
semeadura. Todos os dias, a mesma lida. E a terra foi ficando seca e cada vez
mais solta, que levantava espirais nos redemoinhos, quando ventava muito.
E diariamente,
quando amanhecia, os homens olhavam o céu em busca de nuvens que viessem molhar
a terra para o plantio. E nada... E coçavam a cabeça preocupados, pensando nos
dias difíceis que viriam.
E os
meses foram passando: maio, junho, julho, agosto, setembro... Já era um
desespero só. O patrão que, tinha um coração recheado de bondade, fazia o que
podia para animar os pequenos agricultores. Aos sábados, levava todos os chefes
de família para a cidade, para comprar os mantimentos. Querosene, arroz,
feijão, óleo, café, açúcar... Pra mais de quarenta bocas... E tudo patrocinado
por ele, que tinha uma dívida enorme no Banco, que seria paga com a safra do
algodão.
Todos os sábados, ao voltar de tardezinha da cidade, ele chamava o
pessoal da colônia toda para saborear melancia. Talhadas de melancia eram
distribuídas a todos e era uma festa, uma alegria geral. Mais tarde, ele
distribuía uns golinhos de pinga, para animar os homens.
E assim, o tempo foi passando. O sofrimento
aumentando. E todos sonhando com a chuva. E arando a terra diariamente. E o patrão
espiando o céu todos os dias.
E chegou o dia 19 de outubro. Todo mundo foi
dormir triste, sem esperanças... Sol quente e vermelho, firme e forte como
sempre...
Mas, lá
pelas vinte e três horas, começou uma ventania, que parecia querer arrancar a
casa do chão. Era um ribombar de trovão contínuo, emendando um som no outro, e
relâmpagos clareavam o interior da pobre casa, como se fosse dia. E a chuva desceu que dava gosto. E choveu
chuva pesada, como se Deus estivesse despejando toda a água, represada durante
aqueles longos meses de espera. Era a bendita chuva, tão esperada. Tão
abençoada!
E no
meio daquela barulheira toda, ouvi claramente o dono da casa gritando: “Mulher,
levanta, levanta molecada! Deus se lembrou de nós! Vamos agradecer a Ele!”
Eu me
levantei e fui ver o que estava acontecendo e, vi uma cena que nunca mais
esqueci. À luz dos riscos de relâmpagos, vi a família toda ajoelhada no chão
batido, orando para Deus. Não era nem oração, era um choro contínuo do chefe
gritando: “Obrigado meu Deus! Obrigado, meu Deus!” reprisado pela esposa e
pelos filhos pequenos. E assim ficaram uns bons momentos, emocionados e
prostrados, só agradecendo e chorando.
Quando
a chuva se acalmou, o homem pegou uma lanterna, vestiu uma capa e saiu. A
mulher preocupada, perguntou: “Onde vai?” E ele: “Vou ver a terra beber água,
mulher!”
Só voltou
quando o dia amanhecia, feliz como uma criança que houvesse ganho um belo
brinquedo.
E a chuva durou uma semana, chovendo todos os
dias e saciando a sede da terra, dos campos e regatos.
E um
belo dia, as crianças não vieram à escola. A colônia estava vazia. Intrigada,
olhei para os campos onde havia um barulho de bater de latas. E lá estavam.
Todos os homens, as mulheres e as crianças. Semeando as sementes de algodão,
que todo mundo tinha pressa. Os homens e mulheres iam à frente batendo as latas
de semeadeiras, e as crianças atrás, tampando as covas com os pés. Parecia uma
grande baile, uma grande festa! E todos rindo, falando alto e cantando.
Mais
tarde, fiquei sabendo que a colheita fora maravilhosa.
Bendita
chuva!
Mirandópolis, julho de 2014.
kimie oku in
http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/