sexta-feira, 25 de julho de 2014



                               Cirandando numa tarde fria...
    Estava muito frio e pensei que a tarde não prometia.

Mas, havíamos assumido o compromisso para cirandar na sede da AMAI, ou seja no Asilo da cidade. E lá fomos meio desanimados, porque muita gente ia faltar por motivos diversos. Eu me lembrei que o Milton Lima dizia: “Mesmo que sejam poucas pessoas, vamos cirandar, para não perder o embalo!”
E assim, fomos com o desejo de proporcionar uma tarde linda, para os internos da AMAI. O pessoal foi chegando aos poucos, todos reclamando do frio intenso, e todos muito bem embrulhados em seus agasalhos, como raras vezes sói acontecer em Mirandópolis.
Percebi que, embora houvesse umas vinte pessoas no salão à nossa espera, faltava uma porção delas. Junto com a Assistente Social, Lílian Arantes Romero Gonçalves, demos uma percorrida nos quartos e constatamos que alguns não queriam participar por acanhamento, por não gostar de aglomerações e for causa do frio.
Inicialmente, aconteceram os abraços, os cumprimentos e o pessoal de apoio da entidade serviu o lanche para todos, junto com um cafezinho feito na hora. Além dos salgados e bolos, havia refrigerantes e um chá de gengibre, muito gostoso.
Ao iniciar a reunião, a Kimie disse da alegria dos cirandeiros estarem se confraternizando com o pessoal da casa, e convidou o Lima a ler uma crônica - “A Feira” que relembra o estilo de vida que vivenciamos quando mais jovens. Depois o seu Orlandinho declamou o poema que fala de sua vida.  A Maria José leu uma Prece do cachorrinho, que foi muito apreciada. E o Presidente da entidade, Guilherme Magro disse da alegria de receber a turma da Ciranda e ofereceu a casa para outros encontros.
E quando começou a cantoria, chegaram o Gerval e o Jovanini com sua sanfona e seu violão para alegrar a festa. E acompanhados pelo coral  dos cirandeiros, a música encheu as dependências do Asilo. Enquanto uns cantavam, outros dançaram com os internos da casa. E foi uma festa só. Alegria geral. Um bolsista de Faculdade, que presta serviços lá, o José Gilberto de Souza, fez a alegria de duas senhoras cadeirantes sorrirem bastante, pois ele movimentava as cadeiras como se elas estivessem bailando. Enquanto todos se esbaldavam com a dança e a música, a Eloyce do Jornal e eu fomos visitar os que estavam nos quartos. Todos estavam contentes com o barulho da música e da cantoria, e percebemos como tudo isso é bom para quem vive lá.
Mas, o que mais tocou a nós todos da Ciranda, foi o carinho com que as funcionárias tratam os internos. Elas dançaram com eles, fizeram-nos girar no salão, como se fosse um grande baile. E os cirandeiros não fizeram menos. Também dançaram com todos que estavam dispostos.
      E assim terminou a tarde de Ciranda do mês. Com muita alegria. E prometemos voltar para repetir a dose.



Mirandópolis, julho de 2014.
kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/
  

quinta-feira, 24 de julho de 2014


  A chuva choveu de novo

Depois de uns três meses de estiagem braba, de ar poluído, de calor misturado com friagens repentinas, a chuva deu o ar da graça.
Já fazia um bom tempo que todo mundo reclamava da seca, que acabou com as pastagens, com a lavouras, com os pomares... E havia uma tristeza no ar, como se todos tivessem sido abandonados por Deus...
Com a ausência das chuvas, os reservatórios de água que servem a cidade começaram a baixar de nível, e a Prefeitura solicitou a colaboração dos munícipes para pouparem água. A maioria da população entendeu, mas os ignorantes continuaram a lavar suas calçadas e seus carros. Foi necessário a Prefeitura começar a multar alguns cidadãos, para que a lei fosse cumprida. Boa medida!
        Eu realmente não entendo como um cidadão normal, que sabe da utilidade e da necessidade da água para viver, não possa entender e colaborar em campanhas assim. E também não entendo como ainda tem gente que, não atentou para a urgência de proteger a Terra, para a humanidade continuar existindo. Algumas pessoas não se preocupam com o mundo que vão deixar para seus filhos e netos. E derrubam árvores, e poluem os rios, e sujam as estradas e os caminhos, como se o mundo fosse um imenso lixão a céu aberto. Então, as pessoas conscientes desses problemas têm que ficar cobrando o tempo todo, para que gente inconsciente não acabe destruindo o Planeta, que é a nossa verdadeira morada.
         Ensinamos durante toda a nossa missão de professora aos alunos que, as árvores são necessárias para fazer o ciclo da água. As árvores absorvem a água do solo e a eliminam em forma de vapor para formar nuvens, que se transformam em chuva para molhar a terra, A chuva enche os regatos e rios, que com a ajuda do calor do sol se evapora e forma nuvens, que novamente se transformam em chuva... e assim num continuum, que é o ciclo da água. Ora, se derrubarmos todas as árvores, a formação de nuvens será menor, e no locais vazios a chuva não cairá. E se não chover, o solo ficará seco, árido e se transformará em imenso deserto.
      Toda vez que penso em chuva, lembro-me de um senhor que arrendou terras para plantar algodão. Esse senhor de origem japonesa tinha esposa e, uma penca de filhos menores. Por motivo de trabalho, eu me hospedava em sua humilde casa, que era bem retirada da cidade.
         Havia uma colônia de treze famílias de peões, para ajudar no plantio e colheita do algodão. Os homens aravam diariamente a terra, preparando o solo para a semeadura. Todos os dias, a mesma lida. E a terra foi ficando seca e cada vez mais solta, que levantava espirais nos redemoinhos, quando ventava muito.
       E diariamente, quando amanhecia, os homens olhavam o céu em busca de nuvens que viessem molhar a terra para o plantio. E nada... E coçavam a cabeça preocupados, pensando nos dias difíceis que viriam.
       E os meses foram passando: maio, junho, julho, agosto, setembro... Já era um desespero só. O patrão que, tinha um coração recheado de bondade, fazia o que podia para animar os pequenos agricultores. Aos sábados, levava todos os chefes de família para a cidade, para comprar os mantimentos. Querosene, arroz, feijão, óleo, café, açúcar... Pra mais de quarenta bocas... E tudo patrocinado por ele, que tinha uma dívida enorme no Banco, que seria paga com a safra do algodão.
         Todos os sábados, ao voltar de tardezinha da cidade, ele chamava o pessoal da colônia toda para saborear melancia. Talhadas de melancia eram distribuídas a todos e era uma festa, uma alegria geral. Mais tarde, ele distribuía uns golinhos de pinga, para animar os homens.

       E assim, o tempo foi passando. O sofrimento aumentando. E todos sonhando com a chuva. E  arando a terra diariamente. E o patrão espiando o céu todos os dias.
        E chegou o dia 19 de outubro. Todo mundo foi dormir triste, sem esperanças... Sol quente e vermelho, firme e forte como sempre...
      Mas, lá pelas vinte e três horas, começou uma ventania, que parecia querer arrancar a casa do chão. Era um ribombar de trovão contínuo, emendando um som no outro, e relâmpagos clareavam o interior da pobre casa, como se fosse dia.  E a chuva desceu que dava gosto. E choveu chuva pesada, como se Deus estivesse despejando toda a água, represada durante aqueles longos meses de espera. Era a bendita chuva, tão esperada. Tão abençoada!
       E no meio daquela barulheira toda, ouvi claramente o dono da casa gritando: “Mulher, levanta, levanta molecada! Deus se lembrou de nós! Vamos agradecer a Ele!”
            Eu me levantei e fui ver o que estava acontecendo e, vi uma cena que nunca mais esqueci. À luz dos riscos de relâmpagos, vi a família toda ajoelhada no chão batido, orando para Deus. Não era nem oração, era um choro contínuo do chefe gritando: “Obrigado meu Deus! Obrigado, meu Deus!” reprisado pela esposa e pelos filhos pequenos. E assim ficaram uns bons momentos, emocionados e prostrados, só agradecendo e chorando.
    Quando a chuva se acalmou, o homem pegou uma lanterna, vestiu uma capa e saiu. A mulher preocupada, perguntou: “Onde vai?” E ele: “Vou ver a terra beber água, mulher!”
    Só voltou quando o dia amanhecia, feliz como uma criança que houvesse ganho um belo brinquedo.
     E a chuva durou uma semana, chovendo todos os dias e saciando a sede da terra, dos campos e regatos.
     E um belo dia, as crianças não vieram à escola. A colônia estava vazia. Intrigada, olhei para os campos onde havia um barulho de bater de latas. E lá estavam. Todos os homens, as mulheres e as crianças. Semeando as sementes de algodão, que todo mundo tinha pressa. Os homens e mulheres iam à frente batendo as latas de semeadeiras, e as crianças atrás, tampando as covas com os pés. Parecia uma grande baile, uma grande festa! E todos rindo, falando alto e cantando.
   Mais tarde, fiquei sabendo que a colheita fora maravilhosa.
     Bendita chuva!

    Mirandópolis, julho de 2014.
    kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/


sábado, 19 de julho de 2014


                   O ônus da fama

        A maioria das pessoas gostaria de ser famosa e conhecida no mundo inteiro. Será que ser conhecido por todos é uma coisa boa?
   Se considerarmos o resultado da Copa que aconteceu recentemente, podemos concluir que, é ótimo ser reconhecido em cada esquina do mundo, como herói de um time vencedor como a Argentina, a Alemanha... Por outro lado, ser reconhecido até nos shoppings por ter sido um fracasso como o Felipão e sua equipe, deve pesar muito e atrapalhar a vida familiar.
      Ser famoso por atos magníficos realizados é muito bom, mas por ter sido um desastre e ter decepcionado uma Nação inteira, deve ser péssimo. Tenho pena dos jogadores que terão que enfrentar seus fãs, e se explicar... Acho que a cota de humilhação para o técnico Felipão já foi suficiente. Deveriam deixá-lo em paz, porque fracasso não tem como explicar, a não ser reconhecendo a incompetência... E pedindo desculpas...
      Tenho visto tanta gente que escala os degraus da fama como um rojão, e de repente, despenca mais depressa ainda. Vemos isso todos os dias na Mídia, que sempre põe em destaque não só os jogadores habilidosos, como atores e atrizes, cantores e mulheres bonitas.
    Enquanto dão IBOPE, a Mídia faz-lhes salamaleques todos os dias, e dispensa uma atenção devida a reis e rainhas. Mas, quando sua imagem fica saturada, a própria Mídia os descarta num piscar de olhos. E esses coitados teimam em viver da glória passada, e não entendem que sem competência, o mundo não lhe prestará mais atenção... Passou, passou...
      Por outro lado, tem gente querendo se livrar da imagem que, desventuradamente marcou uma fase de sua vida. Lembro-me do tricampeão Gerson, que ficou famoso por fazer um comercial de certa marca de cigarros. Depois que, estes foram considerados produtos tóxicos, que viciam e matam muita gente, o jogador tem tentado se desvencilhar da imagem que ficou, que no comercial dizia gostar de levar vantagem em tudo... (que é politicamente incorreto, além de estimular o consumo de uma porcaria).
     Fico imaginando os momentos de vexame, que devem passar os políticos do Mensalão, porque a história foi divulgada até a exaustão. Se ao menos, eles tomassem uma atitude digna de reconhecer seus erros, e repará-los com humildade pagando o que devem, acho que o povo passaria a respeitá-los um pouquinho. E poderia até esquecer.
   Uma história que manchou para sempre o nosso Rei do Futebol, foi a do não reconhecimento da própria filha, que teve quando jovem, numa relação ocasional com uma pessoa humilde. Embora seja considerado o maior gênio do futebol por todos os brasileiros, esses mesmos brasileiros nunca lhe perdoarão a atitude desrespeitosa em relação à filha, que morreu sem receber um abraço do pai. Que foi lastimável... E imperdoável.
     E por falar em Pelé, que é famoso no mundo inteiro, percebi nessa Copa que comparado com o Maradona, não tem o carisma que o argentino tem. Este teve mil problemas, foi toxicômano, internou-se para tratamentos, mas os conterrâneos nunca lhe viraram as costas. Os argentinos amam o Maradona, e ele sabe ser simpático misturando-se com a torcida, e gritando junto com o povo pela sua Seleção.  Nunca vi imagem semelhante de Pelé na Copa. Ele mantém sempre uma distância do povo. Medo?... Ou arrogância?
    E agora, com a história do filho Edinho que se tornou um caso policial, acho que a fama do Pelé não ajuda em nada. Todo mundo especula e vira matéria dos paparazzi.
   Imaginem a vida do jogador Suarez do Uruguai que ficou conhecido pela mania de morder pessoas... Como deve ser provocado pelos conterrâneos, pois ele próprio prejudicou a imagem do país, com sua atitude impensada... Tem gente que nunca pensa nas consequências de seus atos. Ainda voltando à história da Copa, as pérolas do Ronaldo fenômeno, que não é tanto assim, e do Pelé a respeito da construção dos luxuosos estádios, comparados aos Hospitais e Escolas que ficaram no esquecimento e abandono, essas pérolas  dificilmente serão esquecidas. Não analisaram as bobagens que soltaram, e embora não fosse a intenção, foram contra a aspiração do povo e, em favor apenas do futebol. Uma figura pública como o Pelé e o Ronaldo têm obrigação de refletir sobre o que dizem, por causa da repercussão.
    E por falar em fama, recentemente, o Roberto Carlos, outro Rei do país, tomou uma atitude que deixou seu fã clube estarrecido. Conhecido e respeitado como vegetariano de repente, apareceu na mídia fazendo um comercial de carne, em troca de milhões. As pessoas ficaram decepcionadas, ainda mais porque a empresa que ele defendeu de forma tão artística, tem alguma coisa de suspeita. Está claro que o homem está muito rico, e nem precisa da simpatia de seus fãs para sobreviver, mas muita gente fica a matutar se ele não seria um grande mentiroso, depois desse comercial. Não pegou bem.
    E por essas e outras, é muito mais confortável viver no anonimato, praticando o bem sem almejar a fama, que essa pode ser ótima e também pode ser péssima.
     Todas as pessoas podem dar uma mancada sem querer e, se não partir de pessoa conhecida, logo será esquecida. Mas, se partir de alguém em destaque na Mídia, a imprensa escrita, falada e televisada não irá perdoar.
    Então, vamos levar a nossa insignificante vida, com cuidado e sem visar a fama.
       Há no Brasil hoje, muita gente querendo ser esquecida de vez. E você não gostaria de estar na pele deles.
       
        Mirandópolis, julho de 2014.

terça-feira, 15 de julho de 2014




                  Uma tarde em Lavínia
    
     Minha terra natal é Lavínia. 
 
   Nasci na Fazenda União no começo da década de 40. Nessa época, a fazenda era uma colônia de japoneses imigrantes que viviam comunitariamente. Todos cultivavam algodão, que era utilizado na Indústria Têxtil. Lembro apenas que era uma comunidade forte, com dezenas de famílias nipônicas, que nos fins de semana praticavam beisebol e taikendô. Como saímos dessa fazenda quando eu era muito pequena,não tenho muitas lembranças do local. Lembro apenas que a nossa tapera, feita de cascas de árvores derrubadas no desmatamento local, ficava no meio de um pasto onde pastavam vacas. Eu tinha muito medo delas. Quando tinha uns quatro anos saímos dali e fomos morar num sítio distante uns quatro quilômetros, perto do Bairro Tabajara. Esse sítio fora adquirido por meus pais à custa de muito sacrifício. Era uma imensa mata, que seria derrubada para o plantio do café. Ali moraríamos por quase quatro décadas.
   Embora atualmente resida em Mirandópolis, sempre amei Lavínia, onde estudei até concluir o Ginásio, sendo que o primário fiz numa escolinha rural e numa escola de Tabajara.
   Mesmo tendo me afastado de Lavínia, nunca consegui me desligar dela, porque no pequeno cemitério local repousam meus pais. Então, volta e meia lá estou orando por eles, pedindo proteção e agradecendo a vida que me concederam.
    E até hoje, consegui manter uma relação com algumas amigas queridas de Lavínia, com quem estudei ou travei amizade, por conta de escolas e reuniões pedagógicas. E mesmo aposentada há mais de vinte anos, tenho contato com essas amigas. São pessoas simples de coração aberto, que após o encerramento de suas atividades, passam seus dias colaborando com a comunidade, com a Igreja, ajudando nas promoções em favor do Asilo local, do Hospital de Barretos... Todas são mulheres sós e dispõem de tempo para curtir a vida tranquilamente.
   Então, de vez em quando pego meu carrinho e, lá vou para uma tarde com essas pessoas queridas. Nos reunimos na casa da Therezinha e, passamos a tarde trocando informações sobre o andar de nossas carruagens, sobre as famílias, sobre nossos afazeres e relembrando fatos interessantes de tempos atrás.Conversamos enquanto tomamos um cafezinho ou refrigerante, com alguns petiscos e bolos.
      Pois bem, hoje foi um dia desses.
     Lá fui ver a Therezinha. E ela chamou a Hilda Zuin e a Maria Adelaide. Já fazia um bocado de tempo que não via essas amigas. Mas, ao revê-las é como se nunca tivéssemos nos separado, porque o respeito e o bem querer é sempre do mesmo tamanho. E ao nos abraçarmos, é como se tivéssemos estado sempre juntas. Enquanto conversamos, comemos um pão que levei, saboreando o café da The. E conversamos sobre tudo e todos. Tudo e todos significa os amigos comuns, suas realizações, suas partidas, doenças, histórias de parentes e agregados que fazem parte de nossas vidas.
     Lá fora havia um barulhão, por conta do Leilão de Gado em prol do Hospital de Câncer de Barretos, que acontecia nas proximidades. Jovens circulavam em volta da Praça Municipal, com seus carros e som altíssimo e suas motos barulhentas. Paz de cidadezinha de interior, quebrada por conta de uma festa. E minhas amigas lá estiveram e almoçaram o arroz a carreteiro, para colaborar na renda. E disseram que havia muita coisa bonita no Bazar de Artesanato, porém pouca gente para comprar. Em cidades pequenas é assim mesmo: as senhoras fazem as prendas, doam e ainda acabam comprando...
  Todas as pessoas gostam da vida agitada dos grandes centros, dos shoppings, das compras nos calçadões... eu também já tive essa paixão. Ver coisas novas, comprar peças bonitas para decorar a casa... Mas, com a idade tudo isso passa, mesmo porque a casa da gente vai se enchendo de inutilidades, sem as quais podemos viver tranquilamente.
   E hoje entendo porque o famoso cineasta Akira Kurosawa colocou uma cena estranha no filme Rapsódia de Agosto:  uma senhora bem idosa visita uma amiga e a anfitriã serve um chá. As duas ficam sentadas no tatami (tapete de fibras) e passam horas sem se falar, apenas saboreando o chá e olhando uma para a outra. Hoje sei que, amigas de verdade não precisam de palavras para se entenderem; usufruir mutuamente a companhia é que importa. Num outro filme mais recente também japonês, vi uma cena incrível. Duas amigas solitárias que moravam em lugares mais ou menos retirados, estabeleciam o contato diário através de um telefonema. A que despertava primeiro ligava para a outra perguntando: Está viva, minha amiga? E a outra lhe respondia: Estou, mas não morra antes de mim!         Eram ambas centenárias...
   Então, o melhor para mim atualmente é aproveitar os dias, meses e anos, que Deus nos reservou ainda para viver sossegadamente, usufruindo a companhia de amigos.E assim faço, e passo tardes deliciosas aqui em Mirandópolis ou em Lavínia, papeando com pessoas queridas.
 E posso dizer que sou privilegiada pois tenho duas cidades do coração, Lavínia e Mirandópolis.

       
        Mirandópolis, julho de 2014.
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sexta-feira, 11 de julho de 2014

       
Arnaldo ia mudar-se...

       Sempre que planto uma muda de árvore lá no sítio, sem querer me lembro de um texto que li quando criança.
       Tinha uns nove anos de idade e o ano era 1951. A escolinha era no bairro Tabajara, no município de Lavínia. Eu estava na 3ª série do Curso Primário. Se não me engano, o livro era Meninice de Luiz Gonzaga Fleury. Era um material bem rústico, em preto e branco, sem nenhum colorido a não ser a capa, que apresentava um pouco de vermelho. O livro era de leitura, que líamos perfilados, em pé, enquanto os colegas e a professora ficavam atentos, acompanhando a pronúncia correta das palavras, e a entonação de voz para respeitar a pontuação.
      O texto se chamava “Arnaldo ia mudar-se” e como ilustração havia a figura de um menino roçando o quintal. Esse texto me ensinou a primeira lição sobre a humanidade. Em resumo, o menino ao saber que ia mudar-se do lugar, pegou umas ferramentas e foi derrubar todas as frutas do quintal, e quebrou os galhos das árvores, destruindo-as. Quando o pai voltou da roça e percebeu o estrago, perguntou ao menino por que fizera isso. E o menino retrucou que já que iriam embora, derrubara as frutas que eles não iriam aproveitar. Aí, o pai ficou muito bravo e aborrecido. E explicou ao garoto que, quando vieram de mudança para o lugar anos antes, essas mesmas árvores lá estavam, sem que ele soubesse quem as plantara. E durante anos e anos, lhes forneceram frutas saborosas, sem que tivessem que pagar por elas. E que assim, como receberam a chácara com um belo pomar, deveriam eles mesmos, deixá-la para os futuros moradores com todas as benfeitorias para servi-los. E o pai concluiu dizendo que, todos nós temos uma grande dívida para com a humanidade, porque alguém que nos antecede deixa sempre um benefício, pelo qual nunca poderemos pagar. É uma árvore que nos proporciona a sombra, uma horta formada com algumas verduras, um quintal limpo com árvores frutíferas, um cercado e um pasto formado para o gado, um poço com a preciosa água...
      Quando li esse texto fiquei muito impressionada, pois nunca havia pensado nessas coisas. E entendi que, todos nós temos uma dívida impagável, para com toda a humanidade.
     E muitos anos depois, quando compramos esse sítio, voltei a lembrar desse texto. O peão que lá morava, um senhor barbado, de seus 40 anos idade, chefe de família, fez uma coisa inconcebível. Na véspera de sua mudança, teve o capricho de derrubar todas as flores e os caroços das jabuticabeiras que havia no quintal. Derrubou um pé de canela com machado, já que o tronco era bem grosso. E não satisfeito ainda, enterrou o poço que lhe fornecera água por décadas, com todas as pedras, cacos de tijolos e paus que achou no quintal. Tivemos que contratar um senhor para limpar o poço, e deu muito trabalho tirar todo aquele entulho...
   Esse desventurado homem não aprendera o sentimento de gratidão. Como pagar o bem que o poço lhe proporcionara, jogando entulhos nele, só porque iria embora?  E cheguei à conclusão que era um homem mau, sem consciência de seus atos e pior ainda, que só pensava em si mesmo.
   E ao longo de meus setenta e poucos anos de vida, fui percebendo como a gente deve ser grata à humanidade. À  pessoa que construiu a primeira casa, furou o primeiro poço, que inventou o alfabeto, que descobriu o fogo, que criou as vacinas contra doenças, que inventou os livros, os cadernos, as escolas, os carros, os navios, os aviões, os celulares, a Internet...
    Todos nós temos uma dívida que já herdamos ao nascer: pelo hospital, pelos médicos que fizeram o parto, pelos remédios, leite e banhos que recebemos, pelas roupas que vestimos, pelas fraldas que usamos, pelos alimentos que ingerimos para sobreviver... Alguém inventou essas coisas e todos nós usufruímos inconscientemente.
   Mas, voltando ao sítio que adquirimos há mais de três décadas, posso dizer com orgulho que há benfeitorias que lá fizemos para benefício de muita gente. E não só para gente, mas também para os animais silvestres. Plantamos árvores frutíferas, construímos açudes que nunca deixaram faltar água para o gado. Furamos um poço semi artesiano, formamos a horta... Plantamos árvores de frutas silvestres como ingá, pitangas, preservamos as macaúbas, as seriguelas, as jaqueiras, que atraem bichos que moram nas ralas matas do Rio Feio.
    E mesmo agora com meus setenta e poucos anos, continuo plantando e regando mudas de árvores, para preservar as espécies. Sei que o meu tempo está se esgotando, mas alguém irá usufruir das sombras, dos frutos e das flores.
     E assim terei pago de alguma forma, uma parte da imensa dívida que tenho com a humanidade.

        Mirandópolis, junho de 2014.
        kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/


terça-feira, 8 de julho de 2014


Lições dessa Copa

A Copa está finalmente chegando ao fim. Foi mais de um mês de muito barulho, festa, alegrias, churrascos, cerveja, farras, ansiedades, protestos e prisões.
Foi a oportunidade de conhecemos alguns fatos que foram divulgados pela mídia, como o belo exemplo dos japoneses que, deram um show à parte, limpando os estádios, mesmo perdendo todas as partidas. Detalhe: Eles recolheram o lixo que torcedores nossos jogaram lá, porque os japoneses evitam sujar o ambiente, onde quer que estejam. Outra imagem belíssima foi a dos africanos lutando bravamente, dando tudo de sua raça para vencer os difíceis adversários. Os argelinos e os nigerianos marcaram presença nessa competição, e serão lembrados por muito tempo.  E os goleiros se transformaram em paredões, defendendo seu espaço com garra, saltando, dançando, retorcendo, contorcendo, trombando e pegando bolas ditas indefensáveis. A imagem negativa ficou por conta de Suarez do Uruguai, com sua vocação para morder pessoas. Denegriu a impressão que o mundo tinha da famosa Seleção Celeste. Burrice e paranoia de quem não consegue pensar em equipe. Outro fato interessante foi a predominância dos empates e, a apelação para a prorrogação e decisão por pênaltis. Os goleiros conseguiram a façanha de definir resultados catando as bolas. Isso comprovou que todas as seleções têm igualdade de força e técnica, e que ninguém é dono da bola. Mesmo as famosas seleções campeãs passaram apertado, diante de times que nunca conquistaram a taça. Está comprovado que o futebol evoluiu em todos os recantos do planeta.
     E agora, aconteceu o pior, um colombiano atingiu o ídolo da nossa Seleção, excluindo-o da competição por ter machucado uma das vértebras. Tenho visto no face book a revolta dos torcedores brasileiros, maldizendo o colombiano, exigindo uma punição severíssima para deixá-lo fora das Copas. Entretanto, analisando friamente, acredito que ele não teve nenhuma intenção de fazer o que fez. Foi uma triste fatalidade, porque quando o colombiano saltou, o nosso herói parou bem à sua frente e foi atingido. Ninguém planeja quebrar nenhum adversário numa competição, e acredito firmemente que o colombiano deve estar arrasado com o resultado da disputa de bola.
     E os torcedores fanáticos do Brasil estão enfurecidos porque esse incidente eliminou o maior trunfo da nossa Seleção, o Neymar. Acho, porém que devemos pensar no jovem como um ser humano apenas, independentemente de ser jogador de bola ou não. Pensemos nele como uma pessoa que se feriu em serviço, e precisa voltar a recuperar a condição física, para não ficar com sequelas. Que volte a andar normalmente, que consiga correr e se possível recuperar toda a energia e a força que o caracterizaram até agora.
     Acidentes de trabalho ocorrem em qualquer atividade, ainda mais num jogo de futebol, onde entram a força bruta, a velocidade e movimentos bruscos na disputa de bola. E não adianta culpar o jovem colombiano, porque o que aconteceu foi um imprevisto, porque ninguém planeja isso de antemão.
     E fico assustada vendo os comentaristas de plantão falando tanta bobagem contra o agressor, taxando-o de criminoso, bandido e outros absurdos. Isso só estimula o ódio e um preconceito que não cabe nessa questão. Aliás, há comentaristas e comentaristas, que fazem de tudo para aparecer na mídia. As emissoras de tevê e rádio devem controlar essas falas, que só destilam veneno. E é muito tempo para esses faladores soltarem o verbo na tevê. Como falam e se repetem até à exaustão!  
Seleção brasileira? Tem que aprender a caminhar sem Neymar. Não é responsabilidade exclusiva dele. Em qualquer serviço, quando o titular fica doente, outro o substitui. Não temos alguém que se lhe iguale? Pior para nós! A engrenagem tem que funcionar, bem ou mal, cumprir a agenda e fazer bonito se possível. O show tem que continuar, porque compromisso é compromisso. Mesmo num balé, quando o primeiro bailarino fica indisposto, alguém tem que assumir e não decepcionar os assistentes. Quem sabe se não é a chance de outro se destacar?
Ou, na pior das hipóteses, o Hexa não será dessa vez ainda. Tudo está na mão de Deus.

Mirandópolis, julho de 2014.


kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/

Post scriptum: Hoje dia 08 de julho, após publicar a crônica acima, o Brasil sofreu uma goleada histórica de 7 a zero da Alemanha. E o show acabou. Vamos disputar o 3º lugar no dia 11 próximo com a Holanda ou Argentina. Não era nem para ter sonhado com o Hexa!

quarta-feira, 2 de julho de 2014




                      As cores da Copa
   
Estudei em Comunicação Social e Publicidade, que nos primórdios dos tempos, a comunicação entre os humanos era feita apenas por gestos.

Depois, foram incluindo gritos, grunhidos, choros... Até chegarem à linguagem oral, que se tornou a forma mais simples de relacionar.
Mas, os tempos mudaram; a pressa e a urgência passaram a exigir formas mais rápidas de comunicação. Então surgiram os desenhos toscos, como as inscrições pictóricas encontradas nas cavernas, milhões de anos depois. Também começaram a comunicar-se com ruídos, como os tantãs dos tambores e os sinais de fumaça. Daí foi a criação do alfabeto, adotado por todos os países, cada um à sua moda e conveniência. A invenção do alfabeto é uma coisa espantosa, se pensarmos que até então não existia algo parecido.  Recentemente foram criados os ícones, que identificam lugares, pessoas e empresas, além de avisos...
         Hoje sabemos de cor e salteado que, uma cruz vermelha num fundo branco significa Hospital, que uma seta em forma de flecha significa direção a seguir, que um desenho de um bambi significa que a região é habitada por bichos protegidos, que uma linha tortuosa significa estrada cheia de curvas e por aí vai...  Mas, para memorizar esses símbolos, foram necessárias dezenas de visualizações.
         Como a comunicação ficou mais ágil, cada dia criam-se mais símbolos ou ícones para economizar espaço e tempo. Assim, BR significa Brasil, como EEUU significa Estados Unidos e FR significa França.
         E no nosso cotidiano vemos tantos logotipos e logomarcas, que ao vê-los de relance identificamos imediatamente, como as marcas de carros, as marcas de roupas, as Empresas alimentícias, as de remédios...
       E os sinais de trânsito que foram universalizados?  Independente da nacionalidade e da língua que o motorista fale, ele entenderá os semáforos, os sinais de direção a seguir, a velocidade permitida, os acessos proibidos etc. Isso também foi uma criação admirável, que algum gênio inventou.
         A tendência atual é cada vez mais facilitar a comunicação, tanto que o celular se tornou o meio mais comum utilizado. E na sua telinha tão reduzida há ícones e ícones, que muitos usuários nem sabem para que servem. Eu desconheço a função da maioria.

       E hoje vendo as Seleções do mundo todo participando da Copa do Mundo, constatei que todas elas estão usando as cores, como sua marca individual. O branco listrado de azul claro indica Argentina, Portugal usa o verde e o vermelho, o laranja identifica os holandeses, a Itália usa o azulão e o branco, os países africanos usam os tons de verde, laranja e vermelho bem fortes. E a nossa Seleção consagrou o verde e amarelo, tanto que foi apelidado por alguém de Seleção canarinho. 

        A utilização das cores é fantástica, porque elas chegam antes do indivíduo. Há uns vinte anos, meu filho teve um Fusca que pintou de cor de rosa e um outro de amarelão, quando essas cores não estavam ainda no mercado.  Por contingências da vida, tive que utilizar esses carros para ir ao trabalho. Tinha tanta vergonha de usá-los, pois meus colegas de trabalho olhavam espantados para eles e, se perguntavam quem teria coragem de andar naquilo. Percebi então que, as cores chegavam primeiro que o carro, ao local para onde me dirigisse... O fusca cor de rosa era um escândalo, todo mundo apontava para ele... E eu fingia que não estava vendo...
         Mas, voltando à Copa do Mundo, as cores deram o tom de festa. Metade do estádio tomado de uma cor e a outra com outra cor. É bonito de se ver. Define bem as torcidas. E todos os torcedores holandeses caminhando para o estádio, com suas camisetas laranjas deram um show de beleza, colorindo as ruas.       E a cidade de Porto Alegre invadida com as camisas listradas de azul e branco dos argentinos torcedores, foi outro show à parte.
         E o Brasil tomado de verde e amarelo de Norte a Sul ficou diferente. Como o amarelo é uma cor luminosa, tem se a impressão que estamos em tempos de Verão, em pleno Inverno. O amarelo lembra o calor, a luz quente do Sol... Fico imaginando o quanto de tinta amarela e verde foi gasta ultimamente em camisetas, bandeiras, faixas, chapéus, fitas, bandeirolas, banners, brinquedos, bolas, cornetas ou vuvuzelas... Inventaram até maquiagem verde amarela, para colorir os rostos dos torcedores...
         Tudo isso é festa, e a alegria do povo chega aos píncaros da glória quando Neymar faz um gol. E os torcedores beijam a camisa amarela e se enrolam no pavilhão nacional...
         Mas tudo isso passa.
       Espero de todo o coração que, a Seleção não decepcione esses brasileiros fanáticos pelo futebol, porque ganhar a Copa é uma das raríssimas e preciosas alegrias do povo brasileiro.
         Se não der certo, o que farão com tanto verde amarelo?

         Mirandópolis, junho de 2014.
         kimie oku in