sábado, 23 de agosto de 2014




                        Preciso de música para viver...
     Já percebi que tudo que os nossos sentidos apreendem, são sensações que não podemos segurar e tocar.
        Falo da visão, quando vejo coisas lindas como uma árvore toda florida, um bebê sorrindo, tudo que posso fazer é sentir a beleza e me encantar, nada mais. Não posso guardar essas sensações numa caixinha como um objeto qualquer.
        Quando a gente sente um delicioso perfume que emana de flores recém abertas, também é a mesma coisa. A sensação passa pelo olfato e nos deixa maravilhados, mas não podemos guardá-la, para repetir isso mais tarde.
        Quando saboreamos um petisco muito bom, também é a mesma coisa. No momento que ocorre, o maná dos deuses deixa-nos extasiados com seu sabor maravilhoso. Mas, esse sabor passa e, não podemos reproduzi-lo, por mais que se use a imaginação.
        O mesmo ocorre com a sensação de frescor, que sentimos ao vir uma brisa agradável numa tarde muito quente. Aquela sensação é única, e não pode ser reproduzida porque passa.
        E todos os sons que a natureza produz, passam pelos nossos ouvidos, mas não conseguimos guardá-los.
        Concluindo, os órgãos dos sentidos apreendem sensações, que não são palpáveis, e não podem ser conservados depois que ocorrem. Nós sentimos, e isso é tudo.
     Deus nos dotou de órgãos sensoriais para perceber o ambiente, a natureza, o que nos rodeia. Mas as sensações não podem ser guardadas. Elas se evaporam como o perfume das flores. Muitas vezes, tentamos relembrar um certo sabor de algo que extasiou o nosso paladar, o perfume de uma pessoa querida, a visão de algo extraordinário que nos encantou... O máximo que sentimos é uma frustração, porque tudo isso não tem retorno, ficou só na lembrança, e não dá para repetir a dose da sensação.
        Todos os sentidos são importantes porque nos liga ao mundo, mas a audição é uma coisa maravilhosa. Ouvir a campainha tocando, revela que alguém está chegando, ouvir a porta batendo significa que um vento passou por aí, ouvir a voz de alguém prova que a gente não está sozinha. Um cunhado meu, que já partiu para sempre, contou um fato que me tocou profundamente. Há uns quarenta anos, estava em Mato Grosso derrubando as matas, para fazer uma pastagem na fazenda que adquirira. Fizera uma tapera para passar as noites, ao abrigo do vento e da chuva. Estava sozinho, por meses sem fim. E à noite, quando tentava dormir naquele lugar ermo, esquecido por Deus, sentia a solidão de estar só no mundo. Ao redor, escuridão total e nenhum som. Nenhuma criatura viva, a ponto de desejar a companhia até de um ratinho, para não se sentir tão só. E de repente, naquela quietude sem fim, que doía até o fundo da alma, um grilo começava  a trilar: Tri...tri...tri... tri... Nossa! Era a salvação! Era a prova que não estava só. Que havia uma criatura viva gritando: “Estou aqui! Estou aqui!” Ele disse que nunca mais se esqueceu daquele som. O grilo era a prova incontestável que Deus existia, que ele existia, que não estava perdido... Que Deus não o abandonara... Que estava vivo e ligado ao mundo... E acabava dormindo, embalado pelo trilar do grilo, que foi o único consolo na solidão daquelas noites tristes...
      Eu também gosto de ouvir os grilos, as cigarras que chiam enlouquecidas no Verão, os pássaros que choram de madrugadinha pedindo comida para os pais, o gatinho perdido miando no meio da noite... Os cães que latem guardando as casas, o guarda que passa e apita, vigilante... Gosto de ouvir a pomba dizer: “fogo apagou! fogo apagou!” Os bem-te-vis assanhados, as maitacas barulhentas... os joôes-de-barro sempre em festa... e agora os trinados agudos das gralhas...
        Gosto da músicas da Tevê Aparecida, que meu marido  assiste aos domingos; gosto dos programas maravilhosos de “enka” ou baladas japonesas, que toda semana a NHK apresenta direto do Japão com os cantores em evidência. A apresentação é perfeita e me ajuda a entender a tradição dos meus ancestrais... E me leva de volta à infância, quando meus pais cantavam certas baladas, para embalar os pequeninos da família...
        E como não deixaria de ser, gosto muito de música instrumental. Na Ciranda, amigos vão lá tocar acordeão e violão só para animar os idosos, que precisam de uma tarde agradável. Mesmo os mais reticentes, os ìdosos mais fechados e tristes não resistem ao som da sanfona. Eles acabam balbuciando algumas palavras da canção, batem palmas, remexem o corpo e acendem uma luz nos olhos, que parece iluminar suas almas.... Fico sempre comovida quando vejo isso.
        Por  gostar de música aprendi a tocar piano. Tocar é um modo de dizer porque sou muito barbeira, não sei contar direito o tempo, nem respeitar o ritmo... Mas sei ler as partituras, que é o máximo para mim... É claro que só sei tocar as versões facilitadas, mas consigo tocar Serenata de Schubert, Sonata ao Luar de Beethoven, Revèrie de Schumann, Adágio de Albinone,  Tristesse de Chopin, e alguns trechos de Bach e Mozart.E outras mais populares como Casinha pequenina, Mulher Rendeira...
      E não tenho preconceito contra outros tipos de música. Gosto de sambas, de rock (principalmente de Raul Seixas), boleros, música caipira, reggae, cantigas de roda, de ninar... O instrumento que amo mais é o shakuhachi, que é uma flauta de bambu rústico, que consegue reproduzir os sons da natureza. Músico que aprecio mais é o Kitaro, um japonês que toca com a alma, tirando acordes de arrepiar de qualquer instrumento, como teclado, taikô, violinos... E apreciei a dupla Pena Branca e Xavantinho quando cantavam o Cio da Terra. Inigualável. A dupla acabou com a morte de um deles, o que foi uma perda irreparável.
        Passo a vida a apreciar os sons da natureza. Quando vou ao sítio, os passarinhos fazem uma sinfonia, difícil de explicar. É o tiziu, o joão de barro, as rolinhas, as gralhas, os quero-quero sempre em posição de ataque, as maitacas escandalosas, os canários da terra...
        Acho que se perdesse a audição um dia, viveria muito triste, porque os sons da natureza são uma dádiva de Deus.
      E quando morrer, quero ser enterrada ao som da 9ª Sinfonia de Beethoven, que é um Hino à Vida.
          E viva a música!


        Mirandópolis, agosto de 2014.
        kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/
       

        

Um comentário:

  1. Linda cronica amiga Kimie. A história de seu cunhada me faz lembrar e viver o meu passado onde na década de 80 (80-84) tivemos uma fazenda em Mato Grosso do Sul. Lá nós ficamos em baixo de uma lona até construirmos a nossa casinha de madeira. Levamos para nos fazer companhia animais, sendo galinhas, porcos, galinha da índia. Fizemos um grande quintal e plantamos muitas frutas e tínhamos visitas de emas e sirienas. Dentro da casa os marimbondos faziam sua moradia e um canário do reino fez um ninho na área e aproveitava dos restos de alimentos. Todos conviviam harmonicamente e eram nossas companhia do dia a dia. Até uma visite de uma sucuri de 7 metros lá tivemos. Era nosso jardim do Éden e que tudo terminou num piscar de olhos.

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