terça-feira, 29 de dezembro de 2015

            Feliz Ano Novo!
      
      Mais um final de ano...
   Sinal que conseguimos chegar vivos até aqui. Muitos não tiveram essa ventura... Ainda nesta semana duas pessoas queridas nos deixaram.
     Para chegar até aqui muita coisa aconteceu. O ano passou num instante, cheio de problemas que pareciam insolúveis, mas com um passo atrás de outro, conseguimos vencer.
  Em termos de família foi muito difícil, com desentendimentos que poderiam ser resolvidos facilmente, porém o orgulho falou mais alto e todos nós estamos sofrendo as consequências... Dar tempo ao tempo para as coisas se encaixarem... Nada fácil.
     Em termos de saúde, o corpo começou a definhar e me encheu de preguiça e lerdeza, como nunca senti. Mesmo assim vou reagindo e não entrego os pontos. Hipertensão, diverticulite, problemas de dentes... Mas, as pernas ainda estão firmes e caminhar é preciso. Com 73 anos no lombo, até que estou bem.
Em termos de realizações, me dou por satisfeita. Escrevi minhas crônicas e acho que a maioria levou mensagens positivas... Feedback foi mais positivo. E no blogger, as visualizações já ultrapassaram os 53 mil, e tenho leitores em vários países como Reino Unido, Alemanha, Portugal, França, Canadá, Japão... Isso para mim é uma grande realização. E    em termos de estudo da Língua Japonesa, estou traduzindo a história genuína de uma japonesa, que ficou desterrada por dez anos na Sibéria...
Uma alegria foi a companhia da Ikuko Kazi, cirandeira que resolveu ficar esse semestre por aqui. Passamos várias tardes dedilhando ao piano, para tirar um somzinho. Não somos pianistas e nem temos pretensão para tanto, mas as tardes foram gratificantes, com os do re mi enchendo minha sala e minha casa. E fizemos algumas visitas para amigos que não víamos há um bocado de tempo. E passamos tardes muito agradáveis na companhia da Theresinha, do Jorge e da Leonor, da dona Assme, da Maria José e do André, do seu Albertino e dona Cleusa, da Maria e Orozino... No próximo ano pretendemos ampliar o horizonte. Além disso, ainda crochetamos um bocado. Trocamos amostras e até novelos de linhas, para terminar nossas obras primas em linha Mercer.
Em termos do nosso Brasil, o ano foi decididamente negativo. Na política sobrou notícia ruim, com o Mensalão, o Petrolão, os rombos no BNDS, urnas eleitorais fraudadas, pedido de Impeachment da Presidente Dilma, destituição do Presidente da Câmara Eduardo Cunha... Tudo isso ainda em andamento.
E o combate ao mosquito Aedes Egypti, que não se deixa vencer e fica cada vez mais forte para atacar humanos. E a zica, a microcefalia vitimando tanta gente no Nordeste. E os Hospitais tão necessários encerrando atividades por falta de recursos, deixando a população ao Deus dará. Pobre sofre!
E agora, com a quebra geral da Economia Brasileira, os desgovernantes estão sobrecarregando sem dó o contribuinte com a elevação de impostos, dos preços de combustíveis, de energia e outros gêneros, provocando o fechamento de grandes empresas, que por sua vez estão causando desemprego em massa.
Natal triste e sem boas perspectivas. Muita gente enterrada em dívidas que não poderão ser  saldadas... A esperança indo embora junto com o ano velho. Futuro negro para todos em 2016.
Muito difícil manter a fé e a determinação quando ficou provado que pessoas eleitas para governar a sociedade não passam de ladrões de lesa pátria, e não possuem escrúpulos nenhuns. E Brasília se revelou um covil, onde se digladiam quadrilhas, que apenas lá estão para assaltar os cofres públicos. E uns e outros se acusando e ameaçando revelar os podres praticados... E a população que, todos os dias enfrenta o batente com coragem e fé em Deus, garantindo o funcionamento regular desse querido Brasil, descobrindo estarrecida que, os piores elementos e maiores ladrões é que estão com todos os poderes de mando. Quadrilha de bandidos. O povo brasileiro se tornou refém de governantes desonestos, como nunca se viu.
Além dessa sujeira toda, ainda aconteceu Mariana, que veio mostrar como nossos órgãos governamentais são omissos. Ninguém assumiu o desastre e os manda chuvas só falam em milhões de reais para cobrir o estrago. Como se o dinheiro pudesse resgatar vidas perdidas. Vidas de gentes inocentes, de criações dos moradores ribeirinhos, de peixes e outros viventes dos rios e seus afluentes, de toda a fauna e flora que foram enterrados pela lama. Da sujeira tóxica que invadiu até o mar, levando o veneno quem sabe até onde...
É minha gente, se os anos passados foram difíceis por várias razões, nunca tivemos um ano tão ruim, tão devasso, tão podre e tão vergonhoso como esse de 2015. Nossas vergonhas estampadas em manchetes de jornais do mundo inteiro. Todos os dias mais sujeira vindo à tona com as investigações do Lava Jato, a ponto de nos perguntarmos: Há alguma gente impoluta no Governo? Uma só que seja?
E tudo isso se refletindo na vida pacata de nossa pequena cidade. A elevação desordenada dos preços dos combustíveis, da energia elétrica e do dólar estão quebrando os nossos pequenos comerciantes, que de repente cerram suas portas, despejando mais alguns desempregados para a rua da amargura.
Se analisarmos bem, podemos recordar que tivemos anos tranquilos, com a população feliz, trabalhando e cheia de esperança adquirindo bens materiais. Se bem que o consumismo desenfreado tinha que dar nisso.  Mas, poderia ter sido diferente. Se os governantes tivessem usado de sabedoria e controlado a nossa Economia, que tinha a moeda estabilizada. E tenho amigos petistas que se vangloriaram dizendo que, nunca o poder de compra do assalariado esteve tão alto. Sim, nos dois últimos anos, a compulsão de comprar era ilimitada. Tudo financiado, tudo facilitado. E compraram aparelhos de tevê de última geração, refrigeradores, condicionadores de ar e casas e carros... Mas, veio o desemprego da dona de casa, por causa do Fundo de Garantia da empregada doméstica, ou do chefe de família, porque sua firma está inadimplente e teve que encerrar atividades... E aí?
Aí tem que vender a casa, devolver o carro pago até uma boa parte... E os condicionadores e congeladores passaram a ser trambolhos inúteis, porque usá-los é impossível, devido ao custo elevadíssimo da energia elétrica. Tudo não passou de uma Mentira!
Nessa fase triste de nossa Economia, vista com olhos desconfiados pelos analistas políticos e econômicos do mundo inteiro, lembro-me da Ebe Camargo que dizia em seu programa de tevê: “Lá tinha uma loja, lá tinha um restaurante, lá tinha uma farmácia, lá tinha um Hospital, lá tinha, lá tinha...”
É, Ebe, Não tem mais. E agora a coisa é feia!
E até a alimentação passou a ser artigo de luxo.  Lula disse desrespeitosamente que, a população tem que se abdicar da carne e só comer arroz. Pimenta nos olhos alheios é refresco! Como teve coragem!
Neste final de ano tenho um pequeno sonho. Pode até parecer Utopia, mas ainda assim é meu sonho. Que em 2016, os Juízes honrados do Brasil, (que ainda existem, graças a Deus!) consigam obrigar dos lesa pátrias da Nação, a devolução de tudo que roubaram. E são bilhões e bilhões!
Só assim, será possível recuperar a Petrobrás, o BNDS e outras Estatais que viraram pó nas mãos dessa quadrilha gananciosa, que usou o voto para roubar a própria Pátria.
Quando essa devolução acontecer, recuperaremos não só a Economia como o orgulho de nossos Magistrados, por conseguirem recolocar o trem do Brasil nos trilhos da legalidade.
É um sonho, e acho que é o maior sonho de todos os meus compatriotas. Seria um presente de Natal tardio, mas muito bem vindo.
E com a realização desse sonho, desejo de coração que 2016 seja um Ano de Glória para o Brasil!

Mirandópolis, dezembro de 2015.
kimie oku in

domingo, 27 de dezembro de 2015

   Assuntando...
As festas de fim ano são cumulativas, por isso elas me cansam.
      O início do novo ano deveria ser bem distante do Natal. É muita festa para um prazo reduzido de oito dias.
Por tudo isso, os últimos dias do ano viram uma azáfama de correria, de compras, de preparativos... É muito difícil comprar nesse período.
 E neste ano, essas datas caíram na sexta-feira, então acumularam-se com o sábado e o domingo. Dias compridos de comilança e bebelança. E dias parados, comércio lento e gente zanzando prá lá pra cá, procurando não sei o quê. E juntando o calor de quase 40 graus, dá uma lerdeza e uma preguiça sem tamanho.
Hoje domingo 27, a cidade parou! Desde o Natal, está tudo parado. Não se vê vivalma nas ruas, e o silêncio chega a ser pesado. Parece que toda a cidade está de ressaca. Todos dormindo ou recolhidos em seus cantos, porque dinheiro pra viajar ninguém tem...
Três dias no Natal e três dias no Ano Novo de paradeira total... Nunca tinha acontecido isso. É que para os comerciantes nem vale a pena fazer os funcionários aguentarem o batente, porque os clientes sumiram. E os vendedores bocejando não é uma boa imagem para se mostrar.
Se fosse um tempo de fartura, seria uma festa! Todo mundo estaria festejando, rodando de carro à toa pelas ruas... Mas o combustível no preço que está não permite. O jeito é ir dar uma pescadinha num corguinho próximo de bicicleta, visitar a sogra, os tios esquecidos que moram na cidade, pra mudar de ambiente. E fazer cooper com amigos, que isso não onera ninguém. E as comadres fazendo crochê, que dá uma aflição ficar parada. As crianças e os adolescentes felizmente têm a sua diversão. O mundo pode desabar, que eles não tiram os olhos das telinhas de seus celulares e se divertem sozinhos, alienados completamente em seus cantos... E alguns adultos também adotaram esse costume.
E como as lojas estão fechadas, dá um frisson em todos, que querem comprar qualquer coisa como sorvetes, esmaltes, xampus, revistas de palavras cruzadas, ou mesmo uma comida diferente dos perus e leitoas sobradas... Tudo para fugir dessa paradeira não esperada, porque nem o estômago nem as vontades foram programados...
E aí a mãe diz: Tá fechado! Hoje não abre! Tá tudo fechado!
E todos ficam frustrados.
Só tem bares abertos. Bares onde juntam homens para comentar sobre as últimas do futebol, do José Maria Marin, aquele mesmo que foi Deputado e Governador de São Paulo, que pagou uma fortuna de fiança para ficar curtindo a vida boa em Nova Iorque. E aí todos da rodinha concordam que, vale a pena ser desonesto, corrupto, ladrão num país onde só os cidadãos honrados são penalizados todos os dias, com carga tributária pesada e custo de vida escandaloso.
E aí a conversa envereda pelos corredores de Brasília, que virou covil de ladrões. E há tanta sujeira a ser comentada, que todos se atropelam e ninguém é petista, mesmo que tenha votado neles na última eleição. É sobre o Cunha, o Renan Calheiros, a Dilma, o Lula, inesgotável lista de bandidos no poder. E o inacreditável é que nessa roda e nas centenas de rodas que se formam nas esquinas e nos bares, ninguém é petista, ninguém votou neles. Ninguém sai em defesa dos corruptos. Mas de uma coisa tenho certeza, meus amigos super inteligentes que são petistas convictos e declarados, devem estar bem incomodados com os rumos de nossa Economia. Não dão o braço a torcer e defendem a Dilma até a morte, mas eles não me enganam, devem com certeza sentir um travo amargo na boca, toda vez que sai mais uma denúncia nos noticiários. Por que não aceitam que o Partido degringolou e, que eles só queriam roubar o país? Mas o orgulho é uma coisa triste, fingem acreditar nos falsos ideais do Partido e não enxergam o óbvio: o Partido traiu a todos. Ao invés de encarar a verdade vergonhosa, preferem garimpar notícias de corrupção de políticos de outros Partidos, como se isso limpasse os nomes dos petistas presos e investigados. Usam o ataque como meio de defesa. Mas os corruptos presos e os que estão sendo investigados são indefensáveis. São bandidos e pronto! Até o famoso Maluf que ficou conhecido como o político que “rouba mas faz” virou trombadinha de esquina diante dos atuais políticos presos...
Não queria comentar mais sobre a nossa política, mas a podridão é tanta que está extravasando. E não tem como não desabafar a nossa indignação, porque a vida do brasileiro comum que dá duro na vida, que trabalha o ano todo está apertada, difícil de tocar. Graças aos combustíveis e energia elétrica que não param de subir e puxam sempre para o alto os preços do arroz e feijão de cada dia.
Por que uns brasileiros são capazes de ferrar outros?
Cadê o sentimento de brasilidade, de conterrâneo, de irmão da  mesma Pátria? Tudo isso morreu? O que será que ensinei na Escola durante a vida toda para os jovens de minha Terra?
Concluindo essa triste crônica, vou creditar essa paradeira e essa ressaca de nossa pequenina cidade aos poderosos que desgovernam o nosso país. E temo pelo que virá.
Mirandópolis, 27 de dezembro de 2015.
kimie oku
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terça-feira, 22 de dezembro de 2015

     Não gosto de Natal
    Quando era criança nunca soube o que era Natal. É que meus pais imigrantes do Japão tinham outros costumes, pois seguiam as tradições herdadas de seus antepassados lá nas terras orientais.
     E o que mais contribuiu para não conhecer o Natal era o fato de morarmos em sítios e fazendas isoladas, que eram agrupamentos de japoneses, que conjuntamente cultivavam outros costumes. Além disso, éramos muito pobres e, não tínhamos acesso ao que acontecia na cidade, uma vez que ninguém possuía carros ou caminhões para sair de casa.
     Assim, passei minha infância ignorando totalmente os costumes cristãos, embora tivesse sido batizada aos dez anos de idade na Religião Católica. Somente quando vim morar na cidade para estudar é que tive contato com a Igreja e a Religião. As pregações do Padre Luiz Camargo Crescente e do Padre César Toppino em Lavínia foram abrindo a minha mente para o lado espiritual cristão. E depois participei de alguns grupos religiosos: Filhas de Maria, Grupo de Catequese e Círculo Católico Estrela da Manhã, que agregava jovens nisseis para seguir a Igreja Católica.
Quando se é jovem há sempre um entusiasmo para participar de grupos e eu não fui diferente. Fui muito devota, rezei bastante, participei de procissões, de celebrações de Semana Santa, com fé mais ou menos titubeante. Automática e formalmente.
Ao tornar-me adulta comecei a questionar comigo mesma se todo aquele ritual seria necessário para pregar a palavra de Deus... E comecei a perceber que, nem todos os fiéis que iam às missas infalivelmente, agiam corretamente no dia a dia. E via na vizinhança as beatas tão “santinhas” que criticavam tudo e todos...
E li muitas biografias de santos, que me impressionaram de verdade. Santa Maria Goretti, São Sebastião, São Tomás de Aquino, Santa Terezinha do Menino Jesus, São Francisco de Assis e tantos outros... Que até esqueci. Comecei a comparar a verdade pregada e a verdade que acontecia. E depois em História da Humanidade, li sobre a Inquisição da Igreja na Idade Média, que queimou pessoas vivas inocentes a pretexto de bruxaria... As Guerras Santas... Em nome de Deus mataram tanta gente. Tudo isso me desencantou.
Mais tarde leria e veria filmes terríveis sobre a Ku Klux Klan... E seus adeptos brancos e loiros eram fervorosos seguidores da Religião Cristã, oriundos das terras europeias.
Aos poucos fui me desencantando da Igreja e de seus padres... A pregação boa não era ouvida e poucos cumpriam os ensinamentos do Evangelho. Era tudo apenas fachada para todos posarem de bonzinhos, mas na realidade eram pessoas muito cruéis e cheias de preconceitos burros.
E estudando a História das Civilizações percebi como a humanidade foi terrível com os negros, os aborígenes, os ilhéus, os habitantes de outras latitudes. Sofri na pele a discriminação de colegas na escolinha rural, porque nasci japonesa. Naqueles tempos, há mais de sessenta anos!
Com o passar do tempo ao me socializar, acabei adotando o Natal. Lembro-me que, já adolescente fui ao sítio de meus pais em Tabajara, e meus irmãos estavam trabalhando na roça. E era dia de Natal! E nunca havíamos comemorado essa data. Penalizada de meus familiares, fui ao quintal e peguei um frango e o depenei. Em seguida peguei umas espigas de milho verde. E fiz uma panela grande de frango com milho verde. E foi uma alegria para todos! E foi o meu primeiro Natal. Tão simples, tão rústico mas feliz de ver o sorriso estampado nos semblantes de pessoas queridas... Foi o meu Primeiro Natal! E foi o Melhor de todos que vivi.
De lá pra cá tive Natais e mais Natais. E fui à Missa do Galo, que era celebrada à meia noite mesmo, pelo reverendíssimo Padre Epifânio Ibañez. E tive Ceias, umas boas, outras nem tanto... E adotei o costume de presentear meus filhos...
Hoje, porém, não celebro mais isso. Natal se transformou em Festa Pagã. A humanidade toda usa o Natal como a Noite de comes e bebes, de festas, de presentes, de ceias, de consumismo puro. E eu sei que Natal não é isso. Parece que nesse dia, todos têm a obrigação de ficar felizes, mesmo que não tenham motivos para isso.
Os dingo bells que tocam sem parar, as luzes que piscam sem cessar dão um tom de artificialidade, que nada têm a ver com o Nascimento de Jesus.
Natal para mim é um tempo de reflexão, de renovação para a vida, para firmar novos propósitos para seguir os caminhos traçados. É um tempo de balanço das atividades realizadas durante o ano, de programação de outras em favor dos irmãos, de purificação.
Natal não é o peru, o Chester, a leitoa recheada, o arroz de festa, a champanhe, a cerveja, as castanhas, o Papai Noel.
Natal é tempo de União, de Perdão, de Paz em família. Só isso. Tempo de abraços sinceros e reais.
Acho que não só é para Drummond que um anjo disse: “Vá ser gauche na vida!”
Porque também sou avessa, torta, antiquada e esquisita.
Mas, Feliz Natal para todos! (automaticamente)
     Mirandópolis, dezembro de 2015.
kimie oku in
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terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Satoyama
  
 Satoyama é um programa do canal japonês NHK. Literalmente significa terra natal, pátria, aldeia onde nasceu alguém. Gosto demais desse programa, que ensina como se deve viver neste mundo em comunhão com os demais seres vivos, sem excluir e nem destruí-los. Admiro e aprovo o propósito dos moradores de vilarejos meio esquecidos ou escondidos no meio das montanhas, que fazem de tudo para preservar todas as vidas, que habitam nesses lugares.

A consciência dos japoneses em relação à preservação do meio ambiente é fantástica. Eles procuram preservar todas as espécies em extinção, mesmo que sejam sapos, borboletas, cobras, lagartos e outros bichos que costumamos julgar perigosos ou desnecessários.
Em certa região, plantam determinada vegetação que serve de alimento para umas lagartas, que se transformarão em raras borboletas... Apenas para preservar a espécie. Quem faria isso no Brasil? Cultivar borboletas?
Um dos Satoyama que vi, era de um vilarejo incrustado num sopé de montanha, onde fizeram terraços em andares morro abaixo para cultivar arroz. Nessa região existe um gato selvagem, rajado com listras horizontais, que vive livre na natureza. Mas, por falta de alimentos naturais esses gatos foram desaparecendo, restando cerca de uma centena apenas... Daí os agricultores em conjunto, passaram a cultivar umas terras para plantar um trigo especial o sobá, que os japoneses apreciam muito na culinária. O incrível é que toda a produção dessa roça é destinada para alimentar insetos, ratos e outros animaizinhos, que entram na cadeia alimentar dos gatos selvagens. A intenção é aumentar a população dos gatos selvagens, para evitar sua extinção. E a preservação da espécie é feita assim de forma simples, sem necessidade de fiscalização, de denúncias, de protestos, de Leis Governamentais e sem convocação de Ongs. Para manter o equilíbrio da bioesfera.
Num outro programa mostraram que certo cidadão cultiva um arbusto especial, cujas folhas servem de alimento para o bicho de seda de casulos verdes. O fio de seda já sai verde naturalmente. E a razão está no consumo das folhas dessa determinada planta. Então, os japoneses cultivam-na para perpetuar a espécie diferente de bicho da seda... Fiquei encantada de ver novelos e carretéis de fios de seda verde, prontos para comercialização. Saindo direto dos casulos, sem nenhum processo de tintura.

E em muitos vilarejos, pequenos riachos que nascem no morro são canalizados para passar nas casas.  A água corrente passa sem parar pelas canaletas abertas dos quintais, onde as donas de casas lavam suas verduras e legumes.  E pequenos peixes vêm beliscar os restos de alimentos, que caem da louça que é lavada ali mesmo. Vida tão chã, tão simples, em completa harmonia com outros viventes. Compartilhando a mesma água.

E nesses vilarejos sempre há perto das fontes, um pequeno oratório dedicado ao Santo Protetor das Águas, que é venerado periodicamente para agradecer pela água e pedir que ela nunca falte... Para isso há cerimônias especiais, com a participação de todos os moradores da vila, levando orações, flores e incensos. E  danças e performances... Deus concede a graça, o homem usufrui e não se esquece de agradecer. No Brasil não temos o hábito de agradecer a bênção da água, do sol que aquece, das plantas que frutificam...
Num outro programa, mostraram a plantação de um laranjal que é feito em terraços na encosta de um morro, à beira mar. E são poucas fileiras de laranjais, porque entre uma fileira e outra há curvas de nível, para segurar a água que desce da montanha. E essas curvas estão protegidas por uma vegetação rasteira, para as enxurradas não desmancharem-nas. E disseram que, a luz do sol que ilumina as águas do mar produz reflexos nos laranjais, que adoçam mais e mais as laranjas.
Tudo bem pensado, planejado, apenas utilizando a força da natureza. Laranjais nas encostas dos morros para evitar desmoronamentos, e proteger as águas do mar onde vivem os peixes, que entram na cadeia alimentar dos produtores de laranjas. Respeito à natureza e preservação da vida.
      Também vi o cultivo de um capim, que fornece talos para cobertura de casas. É um capim de talos mais longos, que é cultivado especialmente em áreas reservadas para esse fim. Esses talos depois de secos são colhidos e usados para cobrir casas antigas, cujo costume remonta a centenas de anos atrás.
Essa cobertura ou Gassho Zukuri é trocada mais ou menos de trinta em trinta anos, então dizem que essa troca é feita a cada geração que mora na casa, porque esta passa de pai para filho há mais de duzentos anos.
As camadas de capim são volumosas e resistem à chuva, à neve, aos ventos e tempestades. Elas mantêm frescas as casas no Verão e aquecidas no Inverno. Existe até um vilarejo famoso num vale, que é considerado Patrimônio Cultural da Humanidade. É o famoso Shirakawa-Go na província de Gifu.
Gasshô significa “mãos postas em oração” e Zukuri significa construção. Então traduzindo literalmente são construções em forma de mãos em oração. 
E em volta das casas há plantação de arroz e hortas, tudo feito de forma a não agredir o solo e o meio ambiente. Ultimamente, com a elevação da vila a Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO, turistas das mais remotas regiões do mundo têm ido conhecê-la. Uma amiga minha esteve lá, e disse que é uma paisagem de sonho, e as pessoas têm a impressão que podem colher os cachos de arroz esticando o braço pela janela...
Há dias que estou montando esta crônica e, tinha a intenção de terminá-la de forma positiva, para mandar uma boa mensagem aos leitores...
Mas, aconteceu Mariana.
Tão encantada estava com a paixão dos japoneses pela natureza e de repente, vejo aqui no meu Brasil, os rejeitos de uma Mineradora de ferro devastando toda uma paisagem natural, que ainda existia! E matando um Rio. E matando pessoas. E mais pessoas... E matando toda a fauna e matando toda a flora!...   Gado, insetos, peixes, répteis, tartarugas mortos, sufocados pela lama. E os manda chuvas da Nação fazendo cara de paisagem, e afirmando que tudo está sob controle. Quem controla um rio? Quem controla um rio de lama? Quem retirou as pessoas ribeirinhas para lhes salvar a vida? Quem retirou suas casas, seus pertences, seus bens, para dizer que tudo está sob controle? A dor do próximo é a nossa dor. Será que só os governantes não têm empatia para sentir o desespero de tanta gente, que perdeu tudo? Tudo que plantaram, construíram, acumularam e preservaram com cuidado, como relíquias de suas vidas foi levado pela lama, por irresponsabilidade de quem não se preocupou com a segurança e o bem estar de seus operários.
E ao longo do percurso do Rio Doce foi vitimando outras populações que nada tinham a ver com a Mineradora. E não me venham isentar da responsabilidade os órgãos oficiais do Governo Municipal, Estadual e Federal que deveriam controlar a estabilidade da Represa, mais ainda por serem rejeitos nocivos à saúde humana e ambiental.
Não sei como vai terminar essa triste história de Minas  Gerais e Espírito Santo. E do Oceano Atlântico, envenenados com detritos de uma Mineradora. Não sei como as populações das cidades ribeirinhas, e seus lavradores renascerão desse barro, que adentrou suas ruas, suas casas, seus pomares, suas roças, seus currais e suas fontes de águas minerais. Não sei como os governantes irão ajudar esses nossos irmãos, que de uma hora pra outra, foram literalmente cobertos pela lama. Não sei como essas vítimas todas terão forças para recomeçar tudo de novo, enlameados até os olhos...
Não sei.
Só sei que as coisas têm que mudar. Que todos os profissionais sejam profissionais de fato. Que cada um cumpra a responsabilidade que lhe compete, com verdadeiro profissionalismo.
Porque no Brasil, estamos vivendo hoje uma época de mentiras, de faz de conta, de fazer não fazendo, de vistoriar sem conferir, de autorizar sem condições para tal. Barcos superlotados afundam, levando dezenas de pessoas a se afogarem... Aviões caem a 3 por 4.  Passarelas e pontes desmoronam com o peso do tráfego intenso. Usinas termo-elétricas de repente sofrem um apagão sem explicação... Elevadores travam   entre andares... Buracos nas ruas engolem carros e seus ocupantes...
Tá na hora de conferir as represas de Foz do Iguaçu, de Três Irmãos, de Ilha Solteira e demais espalhadas pelo Brasil. E conferir de fato, pra outro desastre ainda maior não acontecer.
Já imaginaram?

Mirandópolis, novembro de 2015.
kimie oku in
http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/




sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Tabajara

Há tempos que sinto vontade de escrever sobre esse lugar, que frequentei muito no passado. Como não tinha e nem tenho ainda o histórico do Bairro, fui protelando, protelando.
Mas, de uns tempos pra cá, sinto certa urgência em escrever tudo que penso e sinto, como se o tempo estivesse se esgotando. Premonição, talvez? Então resolvi puxar pela memória e, registrar tudo que lembro desse lugarzinho perdido de Deus...
Conheci Tabajara em 1951 quando tinha nove anos de idade, e passei a frequentar a Escolinha que havia ali. Era uma Escolinha de roça, de tábuas sem pintura e envelhecida pelo tempo. A classe era composta com alunos de três séries.
A Professora leiga era dona Engrácia Teixeira Martins, uma senhora já um tanto madura, casada com o português seu Manuel da venda. Lembro que a senhora usava óculos e conseguia se impor com respeito, pois era rigorosa nos procedimentos: ficar em pé perfilado para a leitura de livros, sentar-se corretamente para copiar textos da lousa, ou quadro negro (não havia lousa verde ainda). A postura dela já impunha respeito, embora fosse gentil com os alunos.
Ela me ensinou a usar tinta para escrever. Só na terceira série é que ensinavam a escrever à tinta. Levávamos um vidro de tinta Parker ou Ink, que encaixávamos no buraco da carteira, e molhávamos a pena nessa tinta azul para escrever. Era complicado, e manchávamos a blusa com a tinta, que era difícil de sair. Borrávamos os cadernos, os dedos e a blusa do coleguinha da frente... Mais tarde inventaram folhas de mata borrão que absorvia num segundo toda a tinta derramada. Acho que foi o protótipo do papel toalha. Não existiam as Bics ou canetas esferográficas...
Essa professora que me ensinou tanto não tinha filhos e, certa vez adotou um menino, que se chamava Pedrinho. Ela cuidou dele como um Príncipe. Anos mais tarde soube com pesar que, essa querida Professora acabou falecendo esquecida num Asilo em Valparaíso... Dona Engrácia Teixeira Martins.  
Acho que por essa época foi instalado o Grupo Escolar de Tabajara, que atendia às quatro séries iniciais em salas separadas. O Bairro era populoso e havia muitas crianças para estudar.
 O quarto ano estudei com uma Professora mulata, dona Geralda de Almeida, que veio de fora e se hospedava na casa de dona Engrácia. Dona Geralda era alta, elegante e muito competente como Professora. A Festa de Formatura que ela promoveu no fim do ano foi a primeira, e foi um acontecimento no Bairro.  O ano era 1952. Eu e minha irmã fomos com um vestido de organza rosa, muito bonito. Foi o primeiro traje de gala em nossas vidas, por isso nos marcou para sempre. O que será que foi feito deles?
Morávamos num sítio no Bairro Oriente, distante uns quatro quilômetros de Tabajara, e íamos todos os dias caminhando até a Escola. De casa, éramos minha irmã Neide e eu, mas pelos carreadores iam se juntando outras crianças. Lembro-me do Noboru Sato, da Yoshie Takahashi, do Katsuyoshi Watanabe, e muitos mais que esqueci ...  Éramos mais ou menos dez crianças. Ao meio dia saíamos e caminhávamos de volta.  Às vezes, encontrávamos boiadas, e era um Deus nos acuda, correndo pelos cafezais, com medo das vacas. Os boiadeiros nem se preocupavam com a gente.
 Às vezes, o senhor Emílio de Leão passava com seu caminhão e nos dava carona. Ele nunca negou carona para crianças de Escola. Os meninos trepavam na carroceria e nós meninas vínhamos na boléia, conversando com o seu Emílio. Quando mais tarde voltei como Professora, seu Emílio estava sozinho, solitário e triste. Fui almoçar umas vezes com ele. E ele me agradecia muito. Mandava sua cozinheira apanhar umas uvas da parreira e, me dava para distribuir entre os colegas da Escola. Seu Emílio Leão... Sempre passávamos na casa dos Takahashi, e tirávamos um balde de água fresca do poço, que bebíamos com prazer...
Tabajara era um lugar bem pobre, a maioria das casas era de tábuas sem pintura, as ruas eram de terra batida, que levantava poeira nos tempos secos e ficava lamacenta em dias de chuva. As famílias se dedicavam à cultura de café.  E no lugar havia bares, dos quais se destacava o do seu Maciel, que era o dono do Bar do Ponto, onde paravam as jardineiras que conduziam pessoas pra lá e pra cá, isto é para Lavínia e Indaiá Paulista. Havia uma Farmácia, cujo proprietário se chamava Cesarino, se não me falha a memória...
Havia Vendas ou Armazéns, que vendiam de tudo desde alpargatas, tecidos em metros, chapéus de palha, fumo de corda, pinga ou cachaça e ferramentas para o trabalho na roça, como enxadas, foices, pás de arado para tombar a terra, máquinas manuais de plantar algodão, peneiras, baldes, bacias, rolos de cordas, querosene, açúcar cristal... Tudo era vendido a granel, isto é pesado na balança, ou cortado em metros.
Era uma espécie de Supermercado, mas sem a organização deste. Tinha um balcão, onde se debruçavam os fregueses, que normalmente tomavam uma cachaça enquanto faziam seus pedidos. Eu me lembro que existia o Armazém do seu Manuel Português, que era bem sortido e vendia até tecidos finos, do seu Emílio Leão, do Redentor e o do seu Fermino Pavesi. Tinha um Açougue, uma Padaria, Uma Casa de Tecidos, acho que era Casa Aurora, uma pequena Livraria e a filial do Cartório sob a administração de Dona Hirtz Brandão, que morava em Lavínia. Essa senhora gostava muito de ler, e como havia pouco serviço, estava sempre curvada sobre um livro, lendo. Usava uns óculos fundo de garrafa, isto é de lentes bem grossas... Era culta e eu gostava de conversar com ela.
Havia também outras portinhas, acho que havia uma sapataria e a venda da Família Tonhon. Somando todas as lojas não dava um quarteirão completo. Os fregueses compradores vinham dos sítios e fazendas e, normalmente traziam uns sacos brancos de tecido, onde colocavam as compras, que eram transportadas nos animais que montavam. Os animais ficavam amarrados nos tocos diante dos botecos em plena rua.
Mas, o lugar mais importante era a Capela de Santo Antônio, construída pelo Padre Epifânio de Mirandópolis. Ficava num Largo, com árvores que ofereciam sombras nos dias quentes. Era simples e bonita, e fui batizada ali junto com meus irmãos.  No mês de junho, no dia 13, dia de Santo Antônio havia uma celebração solene, com quermesse e muita festa. Começava com a missa celebrada pelo padre, que era muito rigoroso, e depois soltavam-se foguetes ou rojões e a festa enchia as ruas do Bairro, com footing das moças e dos rapazes, que vinham namorar ou apenas flertar... Era um vai e vem de moças andando pelas ruas e os rapazes paquerando-as...
Era o tempo das sanfonas que enchiam o ar com as modas da época, das quais me lembro “Que beijinho doce”, “Encosta tua cabecinha no meu ombro”. As músicas eram divulgadas através do rádio, que televisão nem tinha sido inventada ainda. Todo mundo queria ter um rádio, que era um luxo.
Eu me lembro de um acontecimento trágico. Um menino de uns quatro anos de idade bebeu muita pinga, que os moços do Armazém lhe deram como brincadeira. O garoto bebia a pinga e ficava cambaleando. E os moços se divertiam muito, dando sonoras gargalhadas. À noite, o garotinho faleceu. Irresponsabilidade total. E nunca fiquei sabendo se os moços foram punidos. Se não me falha a memória, eram uns moços que trabalhavam na Venda do seu Emílio Leão...
Das famílias moradoras no Bairro, lembro de alguns nomes: os Pavesi, os Leão, os Tonhon, os Barranco, os Gonfiantini, os Muelas, os Molinas, os Maciel, os Bogaz Sagrado, os Santa Terra... E nos sítios e fazendas moravam os Zequini, os Basso, os Pereira Nunes, os Martins... Havia muitos mais, mas a memória as apagou...
Os lavradores em geral lidavam com café, e quando veio a crise da superprodução, em que sacas de café foram queimadas no país inteiro para segurar o preço, o Bairro entrou em total decadência. O café deu lugar à Pecuária, mas como requeria pouca mão de obra para o manejo do gado, as famílias ficaram desempregadas e acabaram se mudando para a cidade, ou seja para Lavínia. E Tabajara foi encolhendo. Foi o começo do grande êxodo rural, que inchou todas as cidades do interior.
Em 1964, voltei como Professora. E o Grupo Escolar funcionava em dois turnos com quatro salas de aulas, uma Sala do Diretor e uma Sala dos Professores. Fiquei apenas dois anos lecionando na Escola onde estudei. Foi um prazer enorme voltar como Professora.
O Diretor era o senhor José Corral Clemente e os colegas José Gomes Moreno, cujo apelido era Zé Groselha, Rubens Alves Donalonso, Maria Elisa Sanches Cassitas e Hilda Pereira dos Santos Barroso. (Por onde andarão esses amigos?) O Servente era o senhor Joaquim, a quem os meninos atormentavam cantando: “Seu Joaquim, qui ririm, quin quin, da perna torta, rara tatá...” Ele ficava doidinho e corria atrás dos moleques. Mas era uma pessoa muito boa. No final do ano fomos convidados para almoçar em sua casa.
Dei aulas para os alunos do terceiro e quarto anos, e nessa época, as classes eram formadas por uma série apenas. Assumi classes com mais de quarenta alunos. Antes, nas escolinhas rurais por falta de crianças, numa só sala havia alunos das três séries iniciais, e era muito difícil para o Professor dividir o seu tempo, com ensinamentos para os três grupos. E havia aula aos sábados. As classes de série única ofereciam mais conhecimento aos alunos, pela disponibilidade de tempo.
O ano letivo começava em 15 de fevereiro e terminava em 14 de dezembro, com férias no mês de julho. Não havia paradas e nem se emendavam feriados. Aula era rigorosamente obrigatória e os alunos não faltavam. Professores levavam tudo muito a sério. Não havia também pagamento de horas/atividades, que hoje são pagas pelas horas que o Professor prepara aulas, e corrige os trabalhos dos alunos. Só que o Professor era muito respeitado pelos alunos, seus pais e comunidade. Outros tempos... Outros valores...
Lembro também que, chamávamos o Paulinho Sato do Bar do Ponto de Lavínia para nos substituir, em nossas faltas abonadas. Ele estava no último ano do Curso Normal e, ficava feliz por essa experiência. E combinávamos entre os colegas para alguém faltar no sábado, e outro na segunda feira, para o Paulinho ganhar o Domingo também.
Quando voltei como Professora, só corria um ônibus, que fazia o percurso de Mirandópolis a Lucélia. Saía às seis horas daqui e voltava às dezesseis horas de Tabajara. Afora isso, só carona e, em geral eram caminhões que transportavam boiadas. Muitas vezes fizemos o percurso até Lavínia a pé, e até hoje me admiro de ter superado isso, porque eram dezoito quilômetros de terra batida, poeira e sol ardente... Os pés queimavam na areia quente, e não havia bloqueadores solares para nos proteger. Hoje nem os alunos caminham, mesmo morando a uns quarteirões da escola.
Duas coisas marcaram essa estrada cheia de curvas de Tabajara. A primeira era um pau d’alho velho que existia numa baixada, à beira da estrada. De longe, ele exalava o cheiro de alho, e quando o sentia ficava aliviada, porque já estaria chegando em casa, daí um quilômetro mais ou menos. Isso foi na infância.
Outra marca era o Cemitério na curva do caminho. Era um cemitério rural, onde se enterravam os mortos de Tabajara. Era tão pobre, cercado de balaústres, e mesmo quando criança nunca tivemos receio de passar em frente. Apenas calávamos a boca em sinal de respeito e nos persignávamos. Mas, uma coisa nos incomodava muito. É que o coveiro plantava milho lá entre as covas... Ficávamos imaginando quem comeria daquelas espigas...
De lá pra cá já se passaram décadas, pois estudei em 1951/ 52 e dei aulas em 1964/66, mas as lembranças nunca se apagam. Tabajara fez parte de minha vida, e tudo que sou hoje foi forjado ali, na escolinha rural, nos caminhos de areia quente, na pobreza do lugar, nos desconfortos do dia a dia, nas lições que recebi de Professores, que eram realmente Mestres de valor.
Em meados de 1966 consegui me transferir para Amandaba, outro lugar que também mora no meu coração.

Mirandópolis, outubro de 2015.
kimie oku in