terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Satoyama
  
 Satoyama é um programa do canal japonês NHK. Literalmente significa terra natal, pátria, aldeia onde nasceu alguém. Gosto demais desse programa, que ensina como se deve viver neste mundo em comunhão com os demais seres vivos, sem excluir e nem destruí-los. Admiro e aprovo o propósito dos moradores de vilarejos meio esquecidos ou escondidos no meio das montanhas, que fazem de tudo para preservar todas as vidas, que habitam nesses lugares.

A consciência dos japoneses em relação à preservação do meio ambiente é fantástica. Eles procuram preservar todas as espécies em extinção, mesmo que sejam sapos, borboletas, cobras, lagartos e outros bichos que costumamos julgar perigosos ou desnecessários.
Em certa região, plantam determinada vegetação que serve de alimento para umas lagartas, que se transformarão em raras borboletas... Apenas para preservar a espécie. Quem faria isso no Brasil? Cultivar borboletas?
Um dos Satoyama que vi, era de um vilarejo incrustado num sopé de montanha, onde fizeram terraços em andares morro abaixo para cultivar arroz. Nessa região existe um gato selvagem, rajado com listras horizontais, que vive livre na natureza. Mas, por falta de alimentos naturais esses gatos foram desaparecendo, restando cerca de uma centena apenas... Daí os agricultores em conjunto, passaram a cultivar umas terras para plantar um trigo especial o sobá, que os japoneses apreciam muito na culinária. O incrível é que toda a produção dessa roça é destinada para alimentar insetos, ratos e outros animaizinhos, que entram na cadeia alimentar dos gatos selvagens. A intenção é aumentar a população dos gatos selvagens, para evitar sua extinção. E a preservação da espécie é feita assim de forma simples, sem necessidade de fiscalização, de denúncias, de protestos, de Leis Governamentais e sem convocação de Ongs. Para manter o equilíbrio da bioesfera.
Num outro programa mostraram que certo cidadão cultiva um arbusto especial, cujas folhas servem de alimento para o bicho de seda de casulos verdes. O fio de seda já sai verde naturalmente. E a razão está no consumo das folhas dessa determinada planta. Então, os japoneses cultivam-na para perpetuar a espécie diferente de bicho da seda... Fiquei encantada de ver novelos e carretéis de fios de seda verde, prontos para comercialização. Saindo direto dos casulos, sem nenhum processo de tintura.

E em muitos vilarejos, pequenos riachos que nascem no morro são canalizados para passar nas casas.  A água corrente passa sem parar pelas canaletas abertas dos quintais, onde as donas de casas lavam suas verduras e legumes.  E pequenos peixes vêm beliscar os restos de alimentos, que caem da louça que é lavada ali mesmo. Vida tão chã, tão simples, em completa harmonia com outros viventes. Compartilhando a mesma água.

E nesses vilarejos sempre há perto das fontes, um pequeno oratório dedicado ao Santo Protetor das Águas, que é venerado periodicamente para agradecer pela água e pedir que ela nunca falte... Para isso há cerimônias especiais, com a participação de todos os moradores da vila, levando orações, flores e incensos. E  danças e performances... Deus concede a graça, o homem usufrui e não se esquece de agradecer. No Brasil não temos o hábito de agradecer a bênção da água, do sol que aquece, das plantas que frutificam...
Num outro programa, mostraram a plantação de um laranjal que é feito em terraços na encosta de um morro, à beira mar. E são poucas fileiras de laranjais, porque entre uma fileira e outra há curvas de nível, para segurar a água que desce da montanha. E essas curvas estão protegidas por uma vegetação rasteira, para as enxurradas não desmancharem-nas. E disseram que, a luz do sol que ilumina as águas do mar produz reflexos nos laranjais, que adoçam mais e mais as laranjas.
Tudo bem pensado, planejado, apenas utilizando a força da natureza. Laranjais nas encostas dos morros para evitar desmoronamentos, e proteger as águas do mar onde vivem os peixes, que entram na cadeia alimentar dos produtores de laranjas. Respeito à natureza e preservação da vida.
      Também vi o cultivo de um capim, que fornece talos para cobertura de casas. É um capim de talos mais longos, que é cultivado especialmente em áreas reservadas para esse fim. Esses talos depois de secos são colhidos e usados para cobrir casas antigas, cujo costume remonta a centenas de anos atrás.
Essa cobertura ou Gassho Zukuri é trocada mais ou menos de trinta em trinta anos, então dizem que essa troca é feita a cada geração que mora na casa, porque esta passa de pai para filho há mais de duzentos anos.
As camadas de capim são volumosas e resistem à chuva, à neve, aos ventos e tempestades. Elas mantêm frescas as casas no Verão e aquecidas no Inverno. Existe até um vilarejo famoso num vale, que é considerado Patrimônio Cultural da Humanidade. É o famoso Shirakawa-Go na província de Gifu.
Gasshô significa “mãos postas em oração” e Zukuri significa construção. Então traduzindo literalmente são construções em forma de mãos em oração. 
E em volta das casas há plantação de arroz e hortas, tudo feito de forma a não agredir o solo e o meio ambiente. Ultimamente, com a elevação da vila a Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO, turistas das mais remotas regiões do mundo têm ido conhecê-la. Uma amiga minha esteve lá, e disse que é uma paisagem de sonho, e as pessoas têm a impressão que podem colher os cachos de arroz esticando o braço pela janela...
Há dias que estou montando esta crônica e, tinha a intenção de terminá-la de forma positiva, para mandar uma boa mensagem aos leitores...
Mas, aconteceu Mariana.
Tão encantada estava com a paixão dos japoneses pela natureza e de repente, vejo aqui no meu Brasil, os rejeitos de uma Mineradora de ferro devastando toda uma paisagem natural, que ainda existia! E matando um Rio. E matando pessoas. E mais pessoas... E matando toda a fauna e matando toda a flora!...   Gado, insetos, peixes, répteis, tartarugas mortos, sufocados pela lama. E os manda chuvas da Nação fazendo cara de paisagem, e afirmando que tudo está sob controle. Quem controla um rio? Quem controla um rio de lama? Quem retirou as pessoas ribeirinhas para lhes salvar a vida? Quem retirou suas casas, seus pertences, seus bens, para dizer que tudo está sob controle? A dor do próximo é a nossa dor. Será que só os governantes não têm empatia para sentir o desespero de tanta gente, que perdeu tudo? Tudo que plantaram, construíram, acumularam e preservaram com cuidado, como relíquias de suas vidas foi levado pela lama, por irresponsabilidade de quem não se preocupou com a segurança e o bem estar de seus operários.
E ao longo do percurso do Rio Doce foi vitimando outras populações que nada tinham a ver com a Mineradora. E não me venham isentar da responsabilidade os órgãos oficiais do Governo Municipal, Estadual e Federal que deveriam controlar a estabilidade da Represa, mais ainda por serem rejeitos nocivos à saúde humana e ambiental.
Não sei como vai terminar essa triste história de Minas  Gerais e Espírito Santo. E do Oceano Atlântico, envenenados com detritos de uma Mineradora. Não sei como as populações das cidades ribeirinhas, e seus lavradores renascerão desse barro, que adentrou suas ruas, suas casas, seus pomares, suas roças, seus currais e suas fontes de águas minerais. Não sei como os governantes irão ajudar esses nossos irmãos, que de uma hora pra outra, foram literalmente cobertos pela lama. Não sei como essas vítimas todas terão forças para recomeçar tudo de novo, enlameados até os olhos...
Não sei.
Só sei que as coisas têm que mudar. Que todos os profissionais sejam profissionais de fato. Que cada um cumpra a responsabilidade que lhe compete, com verdadeiro profissionalismo.
Porque no Brasil, estamos vivendo hoje uma época de mentiras, de faz de conta, de fazer não fazendo, de vistoriar sem conferir, de autorizar sem condições para tal. Barcos superlotados afundam, levando dezenas de pessoas a se afogarem... Aviões caem a 3 por 4.  Passarelas e pontes desmoronam com o peso do tráfego intenso. Usinas termo-elétricas de repente sofrem um apagão sem explicação... Elevadores travam   entre andares... Buracos nas ruas engolem carros e seus ocupantes...
Tá na hora de conferir as represas de Foz do Iguaçu, de Três Irmãos, de Ilha Solteira e demais espalhadas pelo Brasil. E conferir de fato, pra outro desastre ainda maior não acontecer.
Já imaginaram?

Mirandópolis, novembro de 2015.
kimie oku in
http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/




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