Satoyama
Satoyama é um programa do
canal japonês NHK. Literalmente significa terra natal, pátria, aldeia onde
nasceu alguém. Gosto demais desse programa, que ensina como se deve viver neste
mundo em comunhão com os demais seres vivos, sem excluir e nem destruí-los.
Admiro e aprovo o propósito dos moradores de vilarejos meio esquecidos ou
escondidos no meio das montanhas, que fazem de tudo para preservar todas as
vidas, que habitam nesses lugares.
A consciência dos japoneses em relação à preservação do meio
ambiente é fantástica. Eles procuram preservar todas as espécies em extinção,
mesmo que sejam sapos, borboletas, cobras, lagartos e outros bichos que
costumamos julgar perigosos ou desnecessários.
Em certa região, plantam determinada vegetação que serve de
alimento para umas lagartas, que se transformarão em raras borboletas... Apenas
para preservar a espécie. Quem faria isso no Brasil? Cultivar borboletas?
Um dos Satoyama que vi, era de um vilarejo incrustado num sopé
de montanha, onde fizeram terraços em andares morro abaixo para cultivar arroz.
Nessa região existe um gato selvagem, rajado com listras horizontais, que vive
livre na natureza. Mas, por falta de alimentos naturais esses gatos foram
desaparecendo, restando cerca de uma centena apenas... Daí os agricultores em
conjunto, passaram a cultivar umas terras para plantar um trigo especial o
sobá, que os japoneses apreciam muito na culinária. O incrível é que toda a
produção dessa roça é destinada para alimentar insetos, ratos e outros animaizinhos,
que entram na cadeia alimentar dos gatos selvagens. A intenção é aumentar a
população dos gatos selvagens, para evitar sua extinção. E a preservação da
espécie é feita assim de forma simples, sem necessidade de fiscalização, de
denúncias, de protestos, de Leis Governamentais e sem convocação de Ongs. Para
manter o equilíbrio da bioesfera.
Num outro programa mostraram que certo cidadão cultiva um
arbusto especial, cujas folhas servem de alimento para o bicho de seda de
casulos verdes. O fio de seda já sai verde naturalmente. E a razão está no
consumo das folhas dessa determinada planta. Então, os japoneses cultivam-na
para perpetuar a espécie diferente de bicho da seda... Fiquei encantada de ver
novelos e carretéis de fios de seda verde, prontos para comercialização. Saindo
direto dos casulos, sem nenhum processo de tintura.
E em muitos vilarejos, pequenos riachos que nascem no morro são
canalizados para passar nas casas. A
água corrente passa sem parar pelas canaletas abertas dos quintais, onde as
donas de casas lavam suas verduras e legumes.
E pequenos peixes vêm beliscar os restos de alimentos, que caem da louça
que é lavada ali mesmo. Vida tão chã, tão simples, em completa harmonia com
outros viventes. Compartilhando a mesma água.
E nesses vilarejos sempre há perto das fontes, um pequeno
oratório dedicado ao Santo Protetor das Águas, que é venerado periodicamente para agradecer pela água e pedir que ela nunca falte... Para isso há cerimônias
especiais, com a participação de todos os moradores da vila, levando orações,
flores e incensos. E danças e
performances... Deus concede a graça, o homem usufrui e não se esquece de
agradecer. No Brasil não temos o hábito de agradecer a bênção da água, do sol
que aquece, das plantas que frutificam...
Num outro programa, mostraram a plantação de um laranjal que é
feito em terraços na encosta de um morro, à beira mar. E são poucas fileiras de
laranjais, porque entre uma fileira e outra há curvas de nível, para segurar a
água que desce da montanha. E essas curvas estão protegidas por uma vegetação
rasteira, para as enxurradas não desmancharem-nas. E disseram que, a luz do sol
que ilumina as águas do mar produz reflexos nos laranjais, que adoçam mais e
mais as laranjas.
Tudo bem pensado, planejado, apenas utilizando a força da
natureza. Laranjais nas encostas dos morros para evitar desmoronamentos, e
proteger as águas do mar onde vivem os peixes, que entram na cadeia alimentar
dos produtores de laranjas. Respeito à natureza e preservação da vida.
Também vi o cultivo de um capim, que
fornece talos para cobertura de casas. É um capim de talos mais longos, que é
cultivado especialmente em áreas reservadas para esse fim. Esses talos depois
de secos são colhidos e usados para cobrir casas antigas, cujo costume remonta
a centenas de anos atrás.
Essa cobertura ou Gassho Zukuri é trocada mais ou menos de
trinta em trinta anos, então dizem que essa troca é feita a cada geração que
mora na casa, porque esta passa de pai para filho há mais de duzentos anos.
As camadas de capim são volumosas e resistem à chuva, à neve,
aos ventos e tempestades. Elas mantêm frescas as casas no Verão e aquecidas no
Inverno. Existe até um vilarejo famoso num vale, que é considerado Patrimônio Cultural
da Humanidade. É o famoso Shirakawa-Go na província de Gifu.
Gasshô significa “mãos postas em oração” e Zukuri significa
construção. Então traduzindo literalmente são construções em forma de mãos em
oração.
E em volta das casas há plantação de arroz e hortas, tudo feito
de forma a não agredir o solo e o meio ambiente. Ultimamente, com a elevação da
vila a Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO, turistas das mais remotas
regiões do mundo têm ido conhecê-la. Uma amiga minha esteve lá, e disse que é
uma paisagem de sonho, e as pessoas têm a impressão que podem colher os cachos
de arroz esticando o braço pela janela...
Há dias que estou montando esta crônica e, tinha a intenção de
terminá-la de forma positiva, para mandar uma boa mensagem aos leitores...
Mas, aconteceu Mariana.
Tão encantada estava com a paixão dos japoneses pela natureza e
de repente, vejo aqui no meu Brasil, os rejeitos de uma Mineradora de ferro
devastando toda uma paisagem natural, que ainda existia! E matando um Rio. E
matando pessoas. E mais pessoas... E matando toda a fauna e matando toda a
flora!... Gado, insetos, peixes, répteis, tartarugas
mortos, sufocados pela lama. E os manda chuvas da Nação fazendo cara de
paisagem, e afirmando que tudo está sob controle. Quem controla um rio? Quem
controla um rio de lama? Quem retirou as pessoas ribeirinhas para lhes salvar a
vida? Quem retirou suas casas, seus pertences, seus bens, para dizer que tudo
está sob controle? A dor do próximo é a nossa dor. Será que só os governantes
não têm empatia para sentir o desespero de tanta gente, que perdeu tudo? Tudo
que plantaram, construíram, acumularam e preservaram com cuidado, como
relíquias de suas vidas foi levado pela lama, por irresponsabilidade de quem
não se preocupou com a segurança e o bem estar de seus operários.
E ao longo do percurso do Rio Doce foi vitimando outras
populações que nada tinham a ver com a Mineradora. E não me venham isentar da
responsabilidade os órgãos oficiais do Governo Municipal, Estadual e Federal
que deveriam controlar a estabilidade da Represa, mais ainda por serem rejeitos
nocivos à saúde humana e ambiental.
Não sei como vai terminar essa triste história de Minas Gerais e Espírito Santo. E do Oceano
Atlântico, envenenados com detritos de uma Mineradora. Não sei como as
populações das cidades ribeirinhas, e seus lavradores renascerão desse barro,
que adentrou suas ruas, suas casas, seus pomares, suas roças, seus currais e
suas fontes de águas minerais. Não sei como os governantes irão ajudar esses
nossos irmãos, que de uma hora pra outra, foram literalmente cobertos pela
lama. Não sei como essas vítimas todas terão forças para recomeçar tudo de
novo, enlameados até os olhos...
Não sei.
Só sei que as coisas têm que mudar. Que todos os profissionais
sejam profissionais de fato. Que cada um cumpra a responsabilidade que lhe
compete, com verdadeiro profissionalismo.
Porque no Brasil, estamos vivendo hoje uma época de mentiras, de
faz de conta, de fazer não fazendo, de vistoriar sem conferir, de autorizar sem
condições para tal. Barcos superlotados afundam, levando dezenas de pessoas a
se afogarem... Aviões caem a 3 por 4.
Passarelas e pontes desmoronam com o peso do tráfego intenso. Usinas
termo-elétricas de repente sofrem um apagão sem explicação... Elevadores
travam entre andares... Buracos nas
ruas engolem carros e seus ocupantes...
Tá na hora de conferir as represas de Foz do Iguaçu, de Três
Irmãos, de Ilha Solteira e demais espalhadas pelo Brasil. E conferir de fato,
pra outro desastre ainda maior não acontecer.
Já imaginaram?
Mirandópolis, novembro de 2015.
kimie oku in
http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário