Trinta e sete anos
depois...
Às vezes me acontece cada surpresa!
Há uns dias atrás, encontrei uma conhecida, que me perguntou repentinamente: “Você quer uma blusa tricotada em parte?” Fiquei surpresa com a pergunta, mas logo completou “É que tem em casa uma blusa tricotada pela metade, e você poderia aproveitar a lã ou terminar a blusa.”
Há uns dias atrás, encontrei uma conhecida, que me perguntou repentinamente: “Você quer uma blusa tricotada em parte?” Fiquei surpresa com a pergunta, mas logo completou “É que tem em casa uma blusa tricotada pela metade, e você poderia aproveitar a lã ou terminar a blusa.”
Aí entendi a razão da
indagação. É que faço todos os anos, coletes de tricô para distribuir entre
crianças que passam frio.
Daí uns dias, a amiga
trouxe o material numa sacola, e vi que além da blusa tricotada em parte, havia
ainda oito novelos de lã da mesma cor. Era um trabalho bonito em ponto escama,
e tinha também umas agulhas de bambu.
Intrigada por ter
parado a obra, perguntei à doadora as razões. Ela disse que outra pessoa estava
tricotando a blusa para ela, mas falecera repentinamente de aneurisma cerebral,
há trinta e sete anos...
Trinta e sete anos
atrás!
Naquele tempo, a minha
amiga e essa outra moça que se chamava Yasuko Doi de Cafelândia, dividiram um
apartamento em São Paulo. A minha amiga trabalhava numa Cooperativa e a Yasuko
numa Fábrica de Chocolates. Elas se conheceram numa pensão, e resolveram
partilhar um apartamento. E conviveram por quase vinte anos juntas. Por conta
dessa amizade, Yasuko resolveu tricotar uma blusa de lã para a colega, que
comprara os novelos.
Quando soube dessa
história ocorrida há quase quatro décadas, fiquei comovida e peguei a peça com
reverência e continuei o trabalho. Tive que ajustar o tamanho dos meus pontos e
acertar as tramas. Demorou um pouco, mas consegui. Só que fiz um colete para
usar sobre uma camisa de mangas longas. Porque não sei fazer direito as mangas
em tricô. Como o ponto utilizado era bonito, até que ficou legal. Tentei dá-lo
à doadora do material, mas ela não quis. Acabei doando à minha ajudante dos
serviços de casa, porque ela vem de moto, e de manhã faz muito frio por esses
dias. Ficou certinho nela. E ficou feliz pelo presente inesperado.
E ainda sobraram sete
novelos para fazer coletes para crianças. E já comecei a tricotar de novo, para
agasalhar crianças que passam frio. A minha amiga achou que a lã já nem
prestasse mais, porém está perfeita e vai dar para fazer uns três coletinhos.
Apesar de terem decorrido trinta e sete anos, a lã está forte e normal. É que as
lãs antigas eram retiradas dos pelos de carneiro, e duram muito. Os novelos de
hoje são mais sintéticos e nem aquecem como as lãs antigas.
Essa história mexeu
com o meu coração. Estranhos caminhos foram percorridos, para esse trabalho vir
parar em minhas mãos. Eu nem tenho muito contato com essa pessoa que trouxe
esse material, só ocasionais encontros pelas ruas... Mas, ela e sua família eram
amigas de minha mãe, que já está no céu.
Pensar que uma moça
esteve a tricotar uma peça para a amiga, e de repente fora embora com apenas
trinta e nove anos de idade... E deixara um trabalho inacabado... E esse
trabalho, passados trinta e sete anos, vir parar em minhas mãos... Se não é
obra de Deus, eu não sei o que é! E fico arrepiada ao pensar que estou sendo um
instrumento Dele! Não é qualquer dia que acontece um milagre desses! Cheguei a
chorar quando toquei a peça pela primeira vez... E pensar ainda que depois
desse tempo todo, os coletes que farei irão agasalhar crianças de creches de
Mirandópolis... Estranhos desígnios! Vir para mim depois de trinta e sete anos,
de uma pessoa que não conheci e nunca irei conhecer. E eu compartilhei de sua
última obra artesanal!
A lã comprada pela
minha amiga é de cor marrom, da linha Caline da Pingouin. Tem uns fios dourados,
é meio felpuda, mas fácil de trabalhar. Vieram também as agulhas número seis,
confeccionadas em bambu, que naquela época nem existiam essas de plástico e
acrílico... Retrato de uma época.
Tudo isso tocou
profundamente o meu coração, e resolvi partilhar essa história com meus amigos,
que leem minhas crônicas. E ainda a generosidade da amiga, que entendeu as
minhas intenções em tricotar para crianças.
Um pacote de lã é
fácil de se comprar na loja, fácil de doar, mas há muita gente que guarda novelos
antigos no fundo de malas, e acaba se esquecendo delas. Gente que como eu
poderia tricotar um colete, um cachecol, uma echarpe, uma touca e doá-los para
o Asilo local, porque os idosos sentem muito frio. O corpo humano vai perdendo
o calor físico à medida que envelhece.
Eu optei por crianças,
porque há muitas que sofrem no Inverno, e eu não aguento ver crianças passando
frio. Sempre penso que, devo ter passado muito frio na minha distante infância,
porque a família era imensa e éramos muito pobres...
Mas, voltando à
história, estou feliz por tricotar nesses dias frios, porque a lã aquece meus
dedos. E fico imaginando qual criança é que
vai ser abraçada por aquela peça, que estou preparando. Porque a criança que
será vestida por ela, estará recebendo um abraço meu, sempre que for usá-la. É
essa minha intenção.
Gostaria que minhas
amigas aposentadas também fizessem o mesmo, porque é uma atividade manual muito
agradável, que faz bem à alma. Sei de muita gente aposentada que vive a se
lamentar, porque sua vida ficou vazia e sem sentido. Vamos colocar um sentido
na sua vida! Viver por viver, apenas comendo e dormindo não é viver! Tem que
ter uma meta, um objetivo para viver mais uma hora, mais um dia, mais uma
noite. Minha mãe faleceu com mais de noventa anos, e até o fim ela fez crochê!
E essa Yasuko que tricotou pela metade também tinha uma meta, que era terminar
a blusa para a companheira com quem convivia...
Sei também que um dia
partirei e, deixarei tudo isso pela metade. Minhas peças de crochê, de tricô,
minhas crônicas, meus estudos de Japonês, meus estudos de Piano... Mas isso não tem importância. Porque a partida é
por ordem de Deus. E chegando a hora, é hora de seguir para a eternidade...
Mas, enquanto essa
hora não chega, vamos viver a aventura da vida com alegria, com paixão e servir
ao próximo.
Se fizéssemos um
grande círculo de pessoas obrando assim, não haverá necessidade de Campanhas de
Agasalho.
Porque a minha campanha é motivada apenas por amor
ao próximo. E bendito seja aquele que inventou o tricô!
Mirandópolis, maio de
2016.
kimie oku in
Nenhum comentário:
Postar um comentário