Amigos,
Acordei hoje com o
barulho de crianças pedindo boas festas de ano novo.
E aí pensei: É
outro ano! 2011 se foi. E sobrevivi, assim
como os meus, graças a Deus!
As crianças me levaram de
volta à infância, quando se comemorava a chegada do novo ano, com outros
rituais. Era um jeito tão diferente de se comemorar!
E resolvi contar,
para os meus amigos conhecerem um pouco do espírito japonês, que dominava os nossos
pais, primeiros imigrantes do Japão.
E também para os
nossos descendentes saberem que, nós éramos de outra geração, de outra
formação. E que não foi nada fácil, para nós jovens de 50, 60 anos atrás,
absorver a cultura brasileira, que era ensinada na escola, e a cultura
japonesa, que os pais incutiam, como primeira e fundamental.
Nós crianças,
ficávamos em conflito constante, diante da diversidade de costumes. A
brasileira era mais livre, mais fácil de assimilar. A japonesa era rigorosa,
mas obrigatória.
Mas, sobreviver era
preciso, e fomos de um jeito e de outro, escolhendo o melhor caminho para
seguir em frente, sem muito sofrimento.
E cá estamos, caras
de japoneses, mas corações de brasileiros. E acho que valeu a pena. Porque
somos completamente brasileiros, mas carregando ainda o espírito e o orgulho
japonês.
E é por isso que,
não consigo libertar-me da cultura japonesa, que é milenar, riquíssima e
admirável. E gostaria que ela jamais se perdesse, que continuasse nas gerações
vindouras.
Com esse intuito,
gosto de registrar as lembranças que carrego do meu tempo de infância, quando a
cultura japonesa fazia parte do nosso dia a dia.
Então, resolvi
começar o novo ano, contando como nós japoneses, comemorávamos a chegada do ano
novo, conforme os ritos orientais.
E escrevi a crônica Oshougatsu,
que significa Ano Novo.
Que todos tenham um
ótimo oshougatsu!
Mirandópolis, 1º de
janeiro de 2012.
kimie
oku(cronicasdekimie.blogspot.com)
Oshougatsu ou Dia de Ano Novo
(memórias)
Todo início de ano é a mesma coisa. Reunião de
família, comida, muita comida, um converseiro só e bastante esperança.
Esperança de, superar no novo ano, tudo que ficou sem resolver.
É
assim com todo mundo.
Sempre que amanhece o primeiro dia do
ano, crianças “pedem” boas festas de ano novo, para receber guloseimas.
Como
fui criada no sistema japonês, nunca saí por aí, fazendo isso. Fui criança nos
anos do pós-guerra, de 1945 a 1950. E a lembrança que tenho desse tempo é que,
o oshougatsu ou dia de ano novo, era comemorado pelos imigrantes do Japão, de
forma totalmente diferente.
Morávamos numa comunidade de japoneses e tudo
era feito em conjunto. E na época, ainda predominava o culto aos Imperadores do
Japão, culto fortalecido com a tristeza da derrota na guerra. Os japoneses aqui
residentes, reverenciavam os monarcas japoneses, como se fossem deuses. E
tentaram passar esse sentimento para nós, crianças.
Logo de manhãzinha, quando clareava o
dia, todos os chefes de família, e seus filhos homens vestiam-se de ternos, e
se reuniam num barracão, ou tulha de algum vizinho.
Ali, diante das fotografias dos imperadores
Hiroito e Nagako, e da bandeira vermelha e branca, realizava-se uma cerimônia
solene de súditos, jurando fidelidade ao Japão. Naquela época, todos os
imigrantes achavam que, estavam só de passagem no Brasil. A pátria, sem dúvida
nenhuma, era o Japão. O Brasil era apenas uma terra emprestada,
temporariamente.
Se não me falha a memória, a
cerimônia constava de discursos,
enaltecendo as figuras dos Imperadores, e relembrando sempre a pátria distante.
Era um ritual rápido, com a entoação do Hino Nacional do Japão: “kimiga yoowa/
Chiyo ni/ Yachiyoni/
Sazare/ Ishino / Iwao to narite/ Kokeno/ Mussu made....” traduzindo: “Que o reinado dos Imperadores dure até que,
os rochedos se transformem em seixos, cobertos de musgos” (eternamente)
É claro que nós, as crianças, também
entoávamos o hino, sem saber o significado, e depois quando se davam os vivas,
ficávamos contentes, porque a comemoração chegava ao fim. Os vivas eram:
“Banzai, Tenno Reika !”... “Banzai, Kogo Reika!” ... “Banzai, Nippon!”
...”Banzai, Oriente Shokuminchi” ou, Viva o Imperador, Viva a Imperatriz, Viva
o Japão, Viva a Colônia Oriente!
Depois desses vivas repetidos várias
vezes, alguém começava a distribuir os manjus, os motis e balas. Era o melhor
momento da reunião para nós, crianças.
Os adultos homens sentavam-se em volta de
uma mesa, repleta de coisas gostosas, e saboreavam a culinária japonesa.
Depois, iam de casa em casa, cumprimentar as famílias e desejar um bom ano para
todos.
Lembro ainda que, entre os pratos
enfileirados, contendo sushis , nishimê, ozooni e pedaços de toofu servidos com
shoyu, havia também leitoas assadas inteiras , assim como frangos dourados,
crocantes... Nesse dia, todos se alimentavam bem, pois se dizia que, quem
passasse fome nesse dia, passaria necessidade o ano inteiro. Tudo era motivo
para se encher a barriga. Hoje, relembrando aquele tempo que passou, vejo que nada restou desses
costumes tão inocentes, dos japoneses.
Cultuar uma pátria distante...cultuar
Imperadores que nunca ninguém conhecera ... manter costumes de outro mundo...
não há sentido nisso. Por isso, tudo se perdeu ao longo dos tempos...
E
acabamos adotando os costumes da Terra. E foi bom, porque não há sentido em
consumir comida com temperos de uma região gelada, já que lutamos todos os
dias, para sobreviver ao calor tórrido dos trópicos.
E não há sentido em cultuar governantes
de outros países, se é aqui que
sofremos, se é aqui que a inflação não perdoa, se é aqui que pelejamos todos os
dias.
E não há sentido fingir que, o Brasil é
terra emprestada, uma vez que os nossos pais estão enterrados neste solo, para
sempre. E nossos filhos e netos são totalmente brasileiros, assim como nós.
Sei que muitos desses costumes vão
prevalecer, pois origem é origem. E comer um sashimi de vez em quando é muito
revigorante. E falar em japonês não faz mal a ninguém, porque cultura é
cultura.
Mas tudo isso já virou moda abrasileirada.
E
é por isso que gosto de, lançar de vez em quando, umas palavras japonesas como
esse “oshougatsu”.
Mesmo porque, há palavras que têm um
significado especial para nós, descendentes de japoneses.
Palavras
como "Shinnem akemashite omedetou gozaimasu", ou Feliz Ano Novo!
E
Arigatô!
Mirandópolis, 1° de janeiro de 2012.
kimie oku in
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