Homem de Fibra:
José Valter Moreira
Nasceu em 1942, na cidade de Lins. Tem quatro irmãos todos
vivos.
Seu pai era carioca e sua mãe mineira. Eram lavradores e trabalhavam na lavoura de café. Eram muito pobres. Mais pobres que pobres...
Seu pai era carioca e sua mãe mineira. Eram lavradores e trabalhavam na lavoura de café. Eram muito pobres. Mais pobres que pobres...
Quando o Zé Valter ainda era uma criancinha, a família mudou-se
para Lavínia, porque o pai passou a trabalhar na SANBRA, que comercializava o
algodão in natura colhido na região noroeste do Estado. O algodão era
processado para se transformar em fios, para posteriormente se fabricar o
tecido.
Como a vida era muito difícil, o Zé começou a recolher tudo que
poderia se transformar em dinheiro. Assim, com apenas sete anos de idade ia
pelos sítios distantes recolher ossos de bois, e outros materiais recicláveis
como garrafas de vidro e pedaços de ferro. Juntava essas coisas e as vendia
para o pessoal do reciclável. Rendia sempre alguns tostões, que ele foi
guardando numa mala. Mais tarde, quando havia juntado uma boa porção, a mãe
ficou doente e toda a economia do menino foi gasta no tratamento dela...
Após um tempo, quando a SANBRA encerrou as atividades, a família
mudou-se para Amandaba, que na época era conhecida como Machado de Mello.
Amandaba era bem povoado e tinha um comércio forte, mais forte
que a sede de Mirandópolis, e muito agitado. O pai foi trabalhar na Máquina de
beneficiar café e arroz dos Uemura. Dessa época, ainda hoje existe a casa de
madeira que eles construíram para morar. Assim como os japoneses, o senhor
Uemura construiu a casa encaixando os caibros e as vigotas, usando o mínimo de
pregos... A filha Tomiko Uemura e o irmão Júlio eram filhos do primeiro
casamento. Da segunda esposa teve mais dois filhos. A Tomiko era muito
inteligente, se envolveu com a política de Mirandópolis e se tornou Vereadora
nos anos 50. Trabalhou na Coletoria Estadual, e quando foi embora para São
Paulo trabalhou na Coletoria Federal. Com mais de cinquenta anos, estava se
preparando para casar, quando teve um infarto fulminante, que a levou para
sempre. Era uma mulher bonita e muito determinada. Foi muito atenciosa para com
a Valdete e o Zé Valter, a quem tratava como um irmãozinho. O Júlio se tornou
mecânico e trabalhou no Departamento das Estradas de Rodagem. Atualmente o
senhor Júlio mora em São Paulo e mantém contato com o Zé Valter. Do segundo
casamento, o senhor Uemura teve mais dois filhos, o Paulo e a Teruko, de quem o
Zé perdeu o contato.
Quando se mudaram para Amandaba, o Zé
Valter estudou no Grupo Escolar de Amandaba. Lembra-se de uma professora que
lhe deu aulas, a dona Cinira, que reencontrou recentemente. Como colegas de
escola, lembra do Zé Pedro dos Santos, que mais tarde foi o Diretor do Hospital
das Clínicas e já é falecido e do Antonio dos Santos.
Quando era adolescente, trabalhou no Cartório de Registro Civil
que havia em Amandaba, cujo responsável era o senhor Luiz. Zé Valter fazia
serviços gerais de limpeza, levar correspondência, avisos... Quando o senhor
Osvaldo Cerozi assumiu o Cartório, o Zé deixou o Cartório porque passou a
trabalhar com os pais na lavoura de café. O
que ocorreu de fato foi que os Uemura faliram na Máquina de café e todos
ficaram sem recursos. E seu pai teve que usar até as economias do filho para
sustentar a família. Diante da penúria da família, o seu Uemura ajeitou para o
pais do Zé cuidar do seis mil pés de café da família Yamaguchi, em Amandaba. E
para garantir a comida na mesa, a família toda teve que enfrentar o trabalho
duro na roça. Mais tarde, acabado o contrato, seus pais foram cuidar do cafezal
dos Sugimoto, cujos filhos ainda moram em Amandaba junto da torre de tevê, que
foi instalada no ponto mais alto do município.
Nessa época, o Zé já estava casado com a Valdete Ananias, que também ia para a roça de café. Entretanto, a matriarca era muito rígida e o casal Valdete e Zé Valter viram que não havia futuro para eles ali no sítio dos Sugimoto. Voltaram para o Bairro de Amandaba e por gentileza do senhor Uemura, foram morar na casa que eles moravam, junto a família da senhora Maria Ohi. A casa era muito espaçosa e cabia todos eles. Cada família ocupava parte da casa. E a Valdete passou a cuidar dos serviços domésticos dos Uemura. E por essa época, o Prefeito Savero Tramonte ofereceu um trabalho braçal para o Zé. Sua função era roçar as estradas e limpar valetas, mas ele ficou grato pela oferta. Trabalhou oito anos como Servidor braçal.
Na gestão do Prefeito Lourenção, os
trabalhadores braçais eram conduzidos em carretas de trator. E aí, o Zé foi
chamado para ser o tratorista, que não precisava de Carteira de Motorista.
Então, o Zé percebeu que precisava tirar a carta para poder dirigir caminhões e
foi para a Auto Escola, onde tirou sua habilitação.
E a Prefeitura recebeu do Estado uma moto niveladora
para ajeitar as estradas de terra. Todas as estradas eram de terra e era
necessário conservá-las, porque as chuvas fortes formavam valetas. E isso
impedia o escoamento da produção agrícola. Precisavam de um motorista que
soubesse manobrar a Moto niveladora. Então, o senhor Dorival Ermini funcionário
da Prefeitura chamou o Zé e fez a oferta da função de Operador de Máquinas.
Para isso, teve que ir a São Paulo e fazer um treinamento de vinte e cinco dias
operando a moto niveladora. Quando voltou, já veio com habilitação especial
para a sua função, que exerceu por vinte e cinco anos.
Sua tarefa era conservar as estradas de
terra, tapar os buracos e mantê-las transitáveis. Geralmente, trabalhava
sozinho. Trabalhou em todas as estradas do Município em direção a Pacaembu, a
Guaraçaí, a Lavínia, a Pereira Barreto. Todos os dias estava nas estradas, mais
precisamente lá pros lados de Amandaba, das Fazendas de Nova Vida, de Vila
Nova, das Três Alianças... Quando ia para a 1ª Aliança, era sempre brindado com
uma deliciosa marmita do pessoal da Comunidade Yuba.
Zé Valter diz que é muito grato a todos os
Prefeitos a quem serviu nos vinte e cinco anos de seu trabalho. Lembra-se com
saudades e gratidão dos Prefeitos Savero Tramonte, Dr. Jorge Maluly Neto, Dr.
Osvaldo Brandi Faria, de Lourenço Marcos Fernandes, de Osvaldo Mendes, de
Waldemar de Lima, do Mitsutoshi Ikejiri, do José Pedro Zanon. Mas, diz que quem
abriu a porta para ele trabalhar na Prefeitura foi o Saverinho.
Quanto a Valdete, sua esposa teve a sorte
de ser indicada por Dr. Antonio Duenhas Monreal para trabalhar na Merenda
Escolar, onde serviu por onze anos. Quando o senhor Valdemar de Lima assumiu a
Prefeitura, ela foi remanejada para a Escola Ebe Aurora como Servente, onde
ficou por um ano e oito meses. O prefeito Ikejiri a remanejou para o Parque
Infantil, onde ficou por 21 anos até se aposentar.
Como o Zé Valter era alegre e gostava de
participar de festas da Igreja, tanto em
Amandaba como aqui, foi convidado para cantar o Leilão das prendas das
quermesses beneficentes. E por longos anos, ele foi a voz que animou os Leilões
da APAE, da Igreja Matriz, do Grupo Escolar e da Capela de Amandaba. Sua função
de leiloeiro começou quando tinha apenas 20 anos de idade. Sua voz potente e
suas tiradas engraçadas sempre animaram as quermesses. Hoje ele foi substituído
por gente mais nova...
Mas, o Zé não consegue
ficar parado. Então, quando se aposentou, começou uma nova tarefa, a de vender
bilhetes de Loteria na rua. Está instalado lá perto de uma Lotérica, onde
sempre agita tocando pandeiro e chamando a atenção dos passantes. Toca pandeiro
e canta. Eu mesma já fui brindada com um Parabéns a você, certo dia... Nos dias
mornos, quando a cidade parece adormecida, de repente, o Zé toca o pandeiro e
anima os corações dos comerciantes... E isso é muito estimulante. O Zé Valter é
uma figura e tanto!
Certa vez, quando eu estava triste com problemas pessoais, ele
me disse: “Kimie, nunca pare de rezar, porque só Deus é que pode nos ajudar. Às
vezes demora, mas Ele nos socorre, pode ter certeza. Um dia você alcançará a
graça que está pedindo!” E assim, aprendi a rezar todos os dias e alcancei
graças que não esperava mais...
No velório do nosso amigo Calada, pai da Michelle Cyrillo que
está na Alemanha, percebi que a família estava arrasada e cada um chorava num
canto, desconsoladamente... Era um velório estranho, percebia-se a dor, mas as
pessoas estavam distantes umas das outras... Aí, entrou o Zé Valter, que foi
até o finado e disse: “Calada meu amigo, vou rezar um terço para você ir em
paz!” E aí, passou a desfiar o terço. Aos poucos, os familiares foram chegando
perto dele e participaram das orações... Devagarinho, os choros foram se
acalmando, e quando o terço terminou, a família toda estava abraçada em volta
do pai amado. Nunca esquecerei essa passagem. A oração tem uma força poderosa,
que retira do coração até as dores mais indizíveis...
Ao final da entrevista, perguntei ao Zé se tinha um sonho ainda
a realizar. Ele disse que não. Disse que é um homem feliz, que a Prefeitura lhe
deu a chance de criar os dois filhos e ter uma vida tranquila, sem passar
necessidades. Sua filha é Professora em Dois Irmãos do Buriti MS, e está na
direção de uma Escola; o filho é um Agente Penitenciário local. Ainda tem dois
netos e um bisneto. O casal ainda convive com uma irmã da Valdete, que ficou
sozinha com a morte dos pais.
José Valter Moreira, homem simples do povo, que sem condições de
vencer na vida, batucou desde pequenino para ter seus tostões, que trabalhou
dias, meses e anos por estradas poeirentas e deu conta de tudo que empreendeu,
é sem dúvida alguma, um Homem de Fibra!
Mirandópolis, março de 2017.
kimie oku in
http://cronicas dekimie.blogspot.com.br/
Kimie, o " Fantoche " sempre foi uma figura. Nos conhecemos através do campeonato de futebol municipal. Eu jogando pelo 3M (time da Fazenda dos Marcos ) e ele como torcedor fanático da equipe. Isso lá pelos idos de 1970/71.
ResponderExcluirDê um abração nele por mim ( Canário ).
Beijos!
Ulisses, hoje recebi um abraço emocionado dele na rua. E ele não me contou nada de futebol. Essa história agitou seus amigos. E ele descobriu como é querido. Darei o abraço nele na próxima vez que o encontrar. Gente fina!
ResponderExcluirE vou lhe perguntar sobre Fantoche...
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