As araras da Avenida
O amigo Betinho me sugeriu que reparasse nas araras da Avenida. Que estariam invariavelmente lá pelas 19 horas.
Armada de uma câmera, fui ver.
Demoraram,
mas chegaram como sempre fazendo muito barulho. E se empoleiraram num dos talos
das palmas.
Como
estava nublado, as fotos ficaram escuras. Elas só aparecem quando está
escurecendo. Por onde se aventuram, só Deus sabe. Talvez procurando comida...
Percebi
que as palmeiras que estão lá na Avenida há décadas estão bem desfolhadas, com
apenas algumas palmas no alto, como uma pequena coroa. E tem uns três, quatro
talos sem folhas, onde as aves se empoleiram. Então me lembrei que essas
palmeiras imperiais eram majestosas, lindas mesmo, balançando as poderosas
palmas ao sabor do vento... O que lhes aconteceu? Eis a indagação.
Conversei
com um garoto que atende numa das barracas que há nas proximidades, e ele me
informou que as araras aparecem sempre à tardezinha, em bandos de mais de uma
dezena. E fazem muito estardalhaço.
Sempre
achei que as araras assim como as demais aves voadoras se alimentassem de
bichinhos, insetos... As araras, não! Elas comem frutas. Coquinhos. São
vegetarianas... Na minha ignorância, pensava que elas comessem as imensas
lagartas que moram nos coqueiros, comendo suas palmas. Ledo engano!
Sempre
que vejo araras, maritacas e papagaios, lembro-me de um texto lindo que havia
nos livros didáticos antigos. Umas beatas tinham um papagaio falador que
repetia tudo que elas diziam. Ora, as
beatas tinham o hábito de rezar o terço todas as tardes na hora do ângelus.
Após o terço, elas desfiavam também a longa lista de invocações à Virgem
Maria: Santa Maria, ora pro nobis...
Santa Mãe de Deus, ora pro nobis... Santa Virgem das Virgens, ora pro nobis...
e por aí elas iam rezando e o papagaio repetindo tudo. Ora, aconteceu que um
dia, o bicho doméstico descobriu os seus pares e foi embora com eles. Passado
um bom tempo, as beatas ouviram um grande alarido no céu. Saíram para ver. Era um bando de papagaios cruzando os céus,
com um líder na frente rezando Santa Maria, e uma dezena de companheiros atrás
gritando: ora pro nobis...
Sempre
achei encantadora essa história, que até pode ser verídica, pelo simples fato
desses pássaros repetirem tudo que ouvem...
Minha
primeira lembrança de escola tem a forma de um papagaio. É que ao final do ano
ganhei da professorinha de escola rural onde fui alfabetizada, um livrinho todo
colorido com o formato de um papagaio. Chamava-se Papagaio real. Não me lembro
mais do conteúdo, mas dizia que o papagaio era real e de Portugal. Por quê, não
sei, talvez apenas para rimar. Tinha também a expressão currupaco, papaco...
Tudo isso me deixou feliz e encantada, pois foi o primeiro livro que ganhei.
Mas,
minha relação com esses bichos nunca foi muito boa. Certo dia, vi um filhote de
maritaca, de asa quebrada perdido no meio da rua... Mal e mal conseguia andar.
Condoída de sua situação, e com medo de que fosse atropelado, peguei o bichinho
com todo o cuidado para tirá-lo da rua. Mas, ai! O bichinho abocanhou a ponta
de meu dedo com toda a força, quase arrancando-o! Não conseguia me desvencilhar
dele, e tive que apertar muito a sua cabeça para ele me largar. Largou e pegou
outro dedo! Conclusão? Muita dor, muita dor e sangue jorrando. Apavorada joguei
o bicho longe e nunca mais quis chegar perto deles.
Eles
têm um bico que é uma navalha. Corroem toda a fiação de luz lá da casa do
sítio. Mas, nem chego perto deles! Eu, hein!
Mas,
voltando às araras da avenida, o Betinho que é um Agrônomo queria que eu
descobrisse a relação das mesmas com a árvore da avenida. Pensei que era
relação casa/moradia, relação pouso/comida... Não acertei. Ele que é um homem
voltado ao meio ambiente queria que eu percebesse que as araras estão sem o seu
habitat, graças ao bicho homem. E estão improvisando moradias em palmeiras, que
acabam destruindo, talvez para afiar seus bicos poderosos.
E
é uma pena muito grande elas destruírem aquelas palmeiras tão lindas, que há
décadas estão lá na avenida.
A
civilização e a tecnologia inventada pelo homem fez devastar as florestas do
mundo. As florestas eram o paraíso dos bichos. E se a história de Adão e Eva for
verdadeira, era também o paraíso da humanidade. Mas, Deus dotou o homem com um atributo
chamado sapiens. E isso despertou a curiosidade, que o levou a inventar
coisas... Coisas como casas. Casas de madeira tirada das árvores roubadas das
florestas... Móveis para guardar suas quinquilharias. Móveis de madeira também
retirada da floresta. Camas para repousar das canseiras de sua labuta. Camas
feitas de madeira da mesma floresta... E livros e cadernos para transmitir
conhecimentos. E livros e cadernos e lápis feitos de madeira dessa mesma
floresta... E ainda para abrir espaços para cultivar alimentos, foram
derrubadas as últimas florestas. E os bichos foram sendo acuados cada vez mais
em espaços restritos e inseguros. E muitos foram caçados apenas por diversão
esportiva pelo bicho homem....
E
atualmente, os bichos estão perdidos procurando o seu paraíso. E com a fome
apertando, começaram a se aproximar dos povoados e das cidades, procurando
alimentos... E assim, as araras e as maritacas começaram a povoar as cidades.
Também as gralhas... E não raro, vemos gambás... E até sucuris... Ora, sabemos
que o que move esses bichos para tão longe só pode ser a fome. Concluindo, nós
destruímos o habitat natural dos demais seres vivos, desequilibrando totalmente
a natureza.
No
Japão atual, há um movimento que engajou todos os cidadãos em prol da natureza.
Não só procuram respeitar o meio ambiente, como buscam criar condições para que
os viventes desses locais tenham garantia de sobrevivência. Há um programa
lindíssimo de tevê chamado Satoyama, em que os agricultores reservam roças de
trigo especial para alimentar os roedores, que são o alimento natural de uma
espécie de gatos selvagens, que estavam em extinção... Em certas regiões,
cultivam certos arbustos cujas folhas servem de alimento para umas lagartas,
que produzem o fio de seda verde. E em outras, arrozais são planejados de forma
a oferecer condições para os girinos de uns raros sapos se reproduzirem... É a
convivência harmoniosa do homem com outros seres. Sem visar lucros materiais,
mas troca de benefícios.
Quando
começaremos a adotar tais medidas?
Será
que a Terra continuará a ser dominada apenas pelos humanos?
Ou
poderá ser compartilhada com os demais seres vivos que Deus criou?
O
futuro dirá a resposta.
Quem
viver, saberá.
Mirandópolis,
maio de 2017.
kimie
oku in
,
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