Tomo san
Tomo san era um arrendatário de terras que plantava algodão, lá
pelos idos de 1961... Tinha esposa e uma
penca de filhos/crianças ainda.
Fui morar com eles
quando assumi a Escolinha Rural, que atendia as crianças de treze famílias de
colonos, vindos do Norte.
As famílias eram
paupérrimas e contavam com o patrão para se alimentarem. E Tomo san comprava
comida toda semana para todos. Com certeza devia ao fornecedor, ao Banco...
Mas, levava as famílias às compras com um sorriso largo, sempre de bem com a
vida. E quando o dia ia terminando, ele partia várias melancias que havia
comprado, e chamava as famílias para se deliciarem com aquelas talhadas
vermelhas e saborosas. Era uma festa! Todos se alegravam e era o momento feliz
da semana.
Nem tudo era festa
para Tomo san e seus colonos. Fazia nove meses que não chovia, e a terra estava
tão ressequida, que era impossível semear algodão. Os homens tombavam a terra
todos os dias pra lá pra cá, e espiavam o céu à espera da bendita chuva. No
céu, o sol era uma bola de fogo, ofuscado pelo ar amarelo empoeirado.
Mesmo com o sol
inclemente, os homens tombavam a terra com seus arados puxados por animais.
Aravam num sentido, depois em outro sentido. Todos os dias. E espiavam o céu e
diziam esperançosos: Hoje ela vem! Mas nada, ela não vinha...
Uma noite, 19 de outubro, acordei com o choro
do homem. Ele gritava e chamava os filhos e a esposa: Acordem, vamos levantem todos! Vamos rezar! Deus se lembrou de nós!
Assustada pela gritaria do homem não percebi
a chuva! Chovia tanto que parecia o fim do mundo. Trovões ribombavam uns atrás
de outros, balançando a pobre casa de madeira e ecoavam lá longe. Na escuridão
da casa, trombando com a parede fui até a sala. De repente, um relâmpago
revelou o que nunca mais vou esquecer! Tomo san ajoelhado no chão batido, com a
família reunida em volta, chorando e agradecendo em altos brados a Deus...
E por uns instantes, todos ficaram ali, agradecendo
e orando... Emocionada fiquei ali e fiz uma pequena oração também, agradecendo
a Deus.
E a chuva descia sem parar, sem parar. Parecia
que São Pedro mandava despejar água em cataratas... Choveu horas seguidas.
Quando ela amainou, o homem calçou umas botas, vestiu uma capa e pegou uma lanterna. A esposa perguntou: Onde
vai, homem? E ele: Vou pra roça ver a terra beber água. Isso eu quero ver! E lá se foi o Tomo san pela escuridão da
noite, deixando a esposa muito aflita. Eram mais ou menos três da madrugada...
Só voltou de manhã. E acordou todo mundo da colônia gritando: Deus se lembrou de nós! Levantem, vamos agradecer a Deus!
E todo mundo foi receber o patrão com alegria
e esperança. Choveu o dia inteirinho seguindo pela noite adentro. Tomo san pegou uma garrafa de
aguardente e foi dar um golinho para todos os peões... Parecia uma criança no dia
de Natal.
No dia seguinte abri a Escola e não apareceu nenhuma criança. Pensei: O que será que aconteceu? Ia perguntar para a senhora do Tomo san, quando as vi! Estavam todas lá na roça. Saltando e tampando no chão as covas, onde os pais e irmãos depositavam as sementes de algodão. As máquinas manuais faziam um barulho alegre conforme iam depositando as sementes. Catchan, catchan, catchan, catchan.... E ouvi isso dias seguidos. Não teve aulas a semana toda. Sobreviver era primordial.
Vi o algodoal germinar e dar flores, mas com o fim do período letivo, vim embora para casa de férias.
Meses depois soube que a colheita tinha sido magnífica. E todo mundo foi
compensado pelo sofrimento de nove meses de provação.
E até hoje carrego no coração, a imagem
daquele japonês tão simples, tão fervoroso e tão nobre.
Tomom san.
Mirandópolis janeiro de 2022.
kimie oku in
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