Uma Tarde Muito quente
Passava um pouco das quatorze horas.
O
sol mal havia iniciado sua ida para o ocaso, ainda estava muito quente, a Rua
São João estava deserta e silenciosa.
O
silêncio só era quebrado pela música: “Criança feliz, feliz a cantar, alegre a
embalar, seu sonho infantil...” cantada por Francisco Alves, e vinha do alto
falante do Nelson Vital, lá na rua Rafael Pereira.
Nós
três, Natalino, Canário e eu, sentados na calçada em frente à minha casa, nos
espremíamos de encontro ao muro para aproveitar a pequena sombra que ele
formava. Fumávamos cigarros feitos de talos secos de bucha. A fumaça descia
queimando até aos pulmões.
Natalino, depois apelidado Rosa Branca
pelo Carlão de Sylos, contava que tinha ido à Zona e o que tinha feito. Canário, o mais novo só ouvia, de olhos
arregalados, acreditando em tudo. Eles não sabiam que eu me encontrava com a
japonesa Tioê , na casa vizinha que estava vazia. Não iria contar: primeiro
porque ainda não tínhamos conseguido
descobrir como se fazia e, segundo, porque tinha medo que o irmão dela, o Tiokazu ficasse sabendo.
Vindo da
Rua Aguapeí e subindo a São João, surgiram dois meninos: eram o Laurentino e o
Nenê. Eles moravam naquela rua, num terreno onde agora é o Centro Odontológico
Conrado, em duas casas, que faziam fundos com a minha.
Laurentino, apelidado de Lolo era alto,
sempre estava vestido com camisa, calças compridas e sapatos sem meias, morava na
casa da frente com a mãe lavadeira.
O Nenê estava
vestido como nós, sem camisa, descalço e usando calças curtas. Ele morava na
casa do fundo, com a mãe e o irmão Tonho. A casa era nova, de madeira, tinha
sido construída recentemente, atrás da outra, para não ficar muito à vista,
pois quem sempre ia lá e os mantinha era um funcionário da NOB.
Eles
chegaram até nós e o Laurentino, que tinha a língua presa, falou: “- O neto da
dona Maria Sinueira chegou hoje cedo de São Paulo. Ele ganhou uma bola do
amante da mãe e quer que a gente vá jogar com ele.”
Dona
Maria morava na Rua Senador Rodolfo Miranda, onde é hoje a Oficina do Zé Grassi ,em frente
à chácara do seu Vicente. O terreno era enorme, pertencia ao seu Nino Veronese
e tinha várias casas, de madeira, que ele alugava para famílias muito pobres e
também para cidadãos da sociedade mirandopolense, que usavam para moradia de
suas amantes. Quando eles iam de tardezinha, “visitá-las”, eu ia escondido,
espiar pelas frestas da parede, o que acontecia. Afinal eu precisava
aprender...
Dona
Maria era uma espécie de cafetina, ela arrumava os encontros e muitas vezes
cedia a casa para que eles acontecessem ali.
Aceitamos o convite do Nenê do Lolo e descemos para encontrar o outro garoto.
O jogo seria em frente à casa da avó e os times eram: eu, Canário e Rosa Branca
contra o garoto da bola, Lolo e Nenê. Estava fácil demais, em pouco tempo
ganhávamos de goleada. O garoto não gostou, disse que ia embora e pediu a bola.
Estávamos acostumados com aquilo, o Zé Antonio e o Dedé, também donos da
bola, sempre faziam assim quando estavam perdendo, mas daquela vez resolvemos
não dar a bola. Quando o garoto foi pegar a bola, Rosa Branca chutou para o
Canário. Canário chutou para mim e quando eu devolvi para o Rosa Branca o
garoto tirou uma cinta e deu-me uma cintada.
Nós
também jogávamos “bétia” e o Silvio, o Cido e eu éramos os melhores jogadores
de bétia da rua e tínhamos nossa “bétia” particular, que levávamos para todo
lugar. A minha era um cabo de vassoura, até personalizado. Feito a canivete
tinha o nome “Demá”.
Falei
para o garoto: -- Vamos ver quem pode mais, você com a cinta e eu com o cabo de
vassoura? O garoto topou na hora e já me
deu outra cintada. Eu estava preparado, desviei e plantei o cabo de vassoura no
seu peito. Caiu de costas, esperneando, chorando e gritando.
A mãe, a avó, e mais umas três ou quatro
“moças” saíram para ver o que acontecia e levaram o garoto para dentro.
Laurentino e Nenê se mandaram. Nós três ficamos do outro lado da rua, sentados
na sarjeta. Na nossa cabeça e na justiça da rua eu tinha razão, não havia o que
temer.
Passado
um tempo, dona Maria saiu à porta e perguntou quem tinha feito aquilo.
Levantei-me e disse que tinha sido eu. Ela quis saber o que havia usado e
mostrei-lhe o cabo de vassoura. Pediu para ver o cabo de vassoura e levei-o até
ela. Apanhou o cabo de vassoura e deu-me uma cacetada, mas graças à minha
destreza, desviei e o cabo pegou no chão e quebrou-se em dois. Saímos correndo,
os três.
Ficamos
na esquina, em frente à casa do Assad Abud. Já tínhamos esquecido o episódio
quando vimos, subindo em direção à minha casa, a avó, a mãe e mais “aquelas moças”, tendo à frente o
garoto. Quando minha mãe saiu ao portão falei para o Canário e o Rosa Branca: “-
Vou lá explicar.”
Quando
cheguei, não sei o que falaram para minha mãe, só deu para ver o vergão no
peito do garoto e cheio de sal, pois minha mãe mandou que eu entrasse. Elas
foram embora e minha mãe falou: “- Por sua causa tive de conversar com este
tipo de mulheres... entra, senta naquela cadeira e espere seu pai chegar.”
A
cadeira ficava de frente para a rua, dava para ver o Canário e o Rosa Branca do
outro lado fazendo micagens para mim, eu respondia rindo, mas com um medão
danado do meu pai.
Quando
meu pai abriu o portão eu comecei a chorar. Ele perguntou o que estava
acontecendo e minha mãe contou tudo.
Ele se
aproximou de mim e eu fui me encolhendo todo. Rosa Branca e o Canário estavam no portão, tinham se
aproximado, não sei se solidários a mim ou para ver a surra que ia levar. Tenho
minhas dúvidas.
“- Por
quê você bateu no menino?”
“-
Porque ele deu-me uma cintada.”
“- Da próxima vez...bata mais forte, vá brincar.”
Sai
correndo, chorando e rindo. Encontrei com os dois no portão e descemos a rua
como loucos, gritando e correndo em zigue zague.
Ademar Bispo
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