A
gente aprende
A gente aprende sempre.
Tem um ditado que diz: “Quem não aprende por amor, aprende
pela dor.” Isso é uma grande verdade.
Erramos pelejando em obras ruins, acreditando que estamos no
caminho certo e acabamos por dar com os burros n’água.... E depois de quebrar a
cara muitas vezes, acabamos refazendo o caminho e descobrimos que a alternativa
era melhor. Talvez mais penosa, mais íngreme, mais sofrida mas, correta.
A falta d’água no Planeta está devagarinho, mas muito
devagarinho despertando consciências. Eu mesma sou uma dessas consciências, que
agiu errado, e esbanjei água sem um tico de responsabilidade. Hoje, diante da
iminência de secar as fontes, tive que despertar e começar a agir.
Comecei a analisar tudo que fiz até agora em relação à água,
que achava inesgotável. Lavei quintais, carros, tomei vários banhos diários,
esqueci torneiras abertas, não consertei outras que pingavam água incessantemente...
Encharquei vasos de flores, afogando-as, Varri o quintal com água por preguiça
de usar a vassoura, enxaguei roupas na lavadora mais vezes do que o recomendado
pelo fabricante, e lavei a louça com a torneira aberta por horas, lavei a casa
com borrachas jorrando água sem parar. Nunca prestei atenção em como as minhas
auxiliares domésticas usavam a água. De repente, percebi que elas como eu, não
tinham consciência de seus atos, e muitas vezes ficavam conversando com os
passantes de rua, segurando a borracha que jogava água para o nada... e isso
quase todos os dias, pois haviam aposentado as vassouras...
E então me lembrei que, antigamente todas as casas tinham um
poço no quintal, de onde se retirava a água necessária para o consumo. O poço
era um buraco aberto no chão, e tinha sempre mais de cinco metros de
profundidade, para se ter acesso ao lençol freático do subsolo. Por cima da
boca aberta no chão, construía-se uma caixa e em cima havia um sarilho com
corda e balde para puxar o precioso líquido. A gente soltava a corda com o
balde na ponta, que ao chegar ao lençol se enchia e então era a hora de rodar o
sarilho para trazer a água para cima. Fiz isso centenas de vezes na minha
infância e juventude. Inclusive sofri um acidente, por ter soltado o sarilho
com o balde cheio, e machuquei minha cabeça, de onde jorrou sangue até eu
desmaiar. Coisas de gente distraída...
Como o poço ficava fora de casa, sempre tínhamos um pote
cheio na cozinha para uso diário. Não me lembro de ter desperdiçado água,
usando-a sempre na medida certa para as tarefas caseiras. Puxar água do poço
era uma tarefa dura para crianças...
Para se molhar as verduras e flores do quintal usávamos
regadores, e era muito trabalhoso e cansativo.
Então quando chovia a cântaros, recolhíamos água para lavar a
roupa, para molhar a horta e também para lavar a cabeça, que água de chuva é
excelente para a saúde dos cabelos, assim diziam os mais antigos. Lembro que,
como as bacias e os baldes eram de metal (não havia plástico ainda), as gotas
de chuva caindo do telhado tamborilavam nas vasilhas e produziam um som bonito,
como se a água estivesse cantando. Lembrança doce, que traz saudades... os
plásticos produzem um som seco, sem graça...
Mas, a tecnologia invadiu nossas vidas, e trouxe a água
encanada para dentro de nossas casas, facilitando drasticamente as tarefas
caseiras. Era só girar a torneira que a água jorrava sem parar. E nunca ninguém
nos orientou para usar esse líquido precioso com parcimônia.
E inventaram as borrachas com um bico
para ligar na torneira e pronto, ali estava a vida totalmente facilitada para
lavar a casa, os quintais, os carros, as calçadas, molhar os jardins, as
hortas... lavávamos até as paredes da casa!
Mas, um dia as fontes começaram a secar. Era gente demais
povoando a Terra, era gente demais desperdiçando água, era gente demais
inconsciente jogando fora o líquido precioso.
E então chegamos até aqui, com todo mundo olhando para o céu,
e pedindo clemência para Deus mandar chuva e encher as represas, que o nível
baixou e não dá para servir as populações das cidades...
No Brasil, ainda há muita água potável;
há por esse mundo afora lugares pobres de rios e fontes, onde morre gente de
fome e sede...
Aqui em nosso país, quem mais sofre é o
nordestino, com pouca densidade de chuvas o ano todo, e morre muito gado de
desnutrição. (Oh! Senhor, pedi pro sol se esconder um pouquinho/ Pedi pra
chover, pra chover de mansinho/Pra ver se nascia uma planta no chão – em
“Súplica Cearense” de Waldeck Artur de Macedo e Nelinho, lançado em 1960, e
tornada famosa por Luiz Gonzaga).
Mas,
temos recursos hídricos invejáveis: o São Francisco, cujas obras de
transposição se concluídas estariam salvando todo o povo nordestino; o Paraná
que possibilitou a construção de uma Usina Hidrelétrica, que fornece energia
para Argentina, Paraguai e Brasil; o Tietê que atravessa nosso Estado irrigando
as pastagens e as culturas agrícolas dos moradores ribeirinhos. E mais uma
centena de rios volumosos, que servem as extensas regiões do país. Somos
abençoados pela natureza tão pródiga em nos fornecer água. Só não sabemos
usá-la com cuidado e economia, para que ela nunca falte.
Só
então, agora que as fontes estão secando, passamos a usá-la com parcimônia. E
estamos aprendendo a reutilizar a água da lavagem de roupa para lavar o
quintal, a água do enxágue para lavagem de outra remessa, a do enxágue de louça
e de lavagem de legumes feita em bacias, para molhar as plantas, a água do
banho para descarga dos vasos sanitários. E retomamos o antigo hábito de
coletar água da chuva em baldes e bacias. Quando chove por horas, é possível
recolher mais de cem litros de água. Basta ter vasilhas para recolher e encher
os tanques e as máquinas... E a consciência fica leve, porque é uma forma fácil
e prática de poupar a água da torneira.
Desde
que começou o noticiário de falta d’água em várias regiões do país, não me sai
da cabeça a história de José Fernandes e Jacinto, narrada por Eça de Queirós,
em 1901. A obra se chama “A cidade e as serras” e marcou época em Portugal
quando foi lançada.
Jacinto
é um riquíssimo milionário que vive em Paris, considerada na época, a capital
da Europa em luxo e modernidade. Vivendo com todas as regalias possíveis,
desenvolveu uma teoria de que a Suma Ciência adicionada à Suma Potência
resultaria em Suma Felicidade. Quanto mais facilitada a vida pela civilização,
mais feliz seria o homem.
Em
contrapartida, seu amigo português procedente de vida campesina das serras de
Portugal, fica deslumbrado ao constatar as modernidades que facilitam a vida do
parisiense. E como o luxo e o acesso a tais modernidades trazem muita
satisfação, os dois vivem uma fase mergulhados na vida citadina, sorvendo com
avidez tudo que a civilização lhes oferece.
Mas,
um dia, eles percebem o vazio de toda aquela vida social, de madames e senhores
respeitáveis, que viviam mais de aparência do que a realidade lhes permitia. E
da tecnologia que de repente falha, negando a luz e a água para o mínimo
indispensável. E a vida na cidade tão luxuosa, tão moderna se transforma num
caos, com a falta de luz e de água... E um acidente com uma propriedade de
Jacinto, fá-los voltar para as serras de Portugal, onde descobrem que a
verdadeira felicidade estava na vida simples do campo, onde o ar é perfumado, a
natureza é pródiga e a água nunca falta...
E
com isso, a equação de Suma Ciência aliada à Suma Potência provou para os dois, que não resulta em
felicidade do homem.
E
assim, cá estamos nós agora, como o Jacinto e o José Fernandes de Eça de
Queirós, que viveu em outro século, constatando que felicidade mesmo é ter um
poço no quintal que nos sirva água sempre, como foi antigamente. Que todas as
modernidades da civilização podem facilitar a nossa vida, mas nunca
representarão a felicidade.
Sem
água, o planeta está condenado. Vamos salvá-lo!
Mirandópolis,
novembro de 2014.
kimie oku in http://cronicasde
kimie.blogspot.com.br/
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