quarta-feira, 3 de dezembro de 2014



                               A gente aprende
   A gente aprende sempre.
        Tem um ditado que diz: “Quem não aprende por amor, aprende pela dor.” Isso é uma grande verdade.

        Erramos pelejando em obras ruins, acreditando que estamos no caminho certo e acabamos por dar com os burros n’água.... E depois de quebrar a cara muitas vezes, acabamos refazendo o caminho e descobrimos que a alternativa era melhor. Talvez mais penosa, mais íngreme, mais sofrida mas, correta.
        A falta d’água no Planeta está devagarinho, mas muito devagarinho despertando consciências. Eu mesma sou uma dessas consciências, que agiu errado, e esbanjei água sem um tico de responsabilidade. Hoje, diante da iminência de secar as fontes, tive que despertar e começar a agir.
        Comecei a analisar tudo que fiz até agora em relação à água, que achava inesgotável. Lavei quintais, carros, tomei vários banhos diários, esqueci torneiras abertas, não consertei outras que pingavam água incessantemente... Encharquei vasos de flores, afogando-as, Varri o quintal com água por preguiça de usar a vassoura, enxaguei roupas na lavadora mais vezes do que o recomendado pelo fabricante, e lavei a louça com a torneira aberta por horas, lavei a casa com borrachas jorrando água sem parar. Nunca prestei atenção em como as minhas auxiliares domésticas usavam a água. De repente, percebi que elas como eu, não tinham consciência de seus atos, e muitas vezes ficavam conversando com os passantes de rua, segurando a borracha que jogava água para o nada... e isso quase todos os dias, pois haviam aposentado as vassouras...
     
  Então, descobri que sou culpada pela falta d’água na terra. Que tenho imensa culpa e devo me redimir, agindo de outra forma daqui para a frente.

        E então me lembrei que, antigamente todas as casas tinham um poço no quintal, de onde se retirava a água necessária para o consumo. O poço era um buraco aberto no chão, e tinha sempre mais de cinco metros de profundidade, para se ter acesso ao lençol freático do subsolo. Por cima da boca aberta no chão, construía-se uma caixa e em cima havia um sarilho com corda e balde para puxar o precioso líquido. A gente soltava a corda com o balde na ponta, que ao chegar ao lençol se enchia e então era a hora de rodar o sarilho para trazer a água para cima. Fiz isso centenas de vezes na minha infância e juventude. Inclusive sofri um acidente, por ter soltado o sarilho com o balde cheio, e machuquei minha cabeça, de onde jorrou sangue até eu desmaiar. Coisas de gente distraída...
        Como o poço ficava fora de casa, sempre tínhamos um pote cheio na cozinha para uso diário. Não me lembro de ter desperdiçado água, usando-a sempre na medida certa para as tarefas caseiras. Puxar água do poço era uma tarefa dura para crianças...
        Para se molhar as verduras e flores do quintal usávamos regadores, e era muito trabalhoso e cansativo.

        Então quando chovia a cântaros, recolhíamos água para lavar a roupa, para molhar a horta e também para lavar a cabeça, que água de chuva é excelente para a saúde dos cabelos, assim diziam os mais antigos. Lembro que, como as bacias e os baldes eram de metal (não havia plástico ainda), as gotas de chuva caindo do telhado tamborilavam nas vasilhas e produziam um som bonito, como se a água estivesse cantando. Lembrança doce, que traz saudades... os plásticos produzem um som seco, sem graça...
        Mas, a tecnologia invadiu nossas vidas, e trouxe a água encanada para dentro de nossas casas, facilitando drasticamente as tarefas caseiras. Era só girar a torneira que a água jorrava sem parar. E nunca ninguém nos orientou para usar esse líquido precioso com parcimônia.
        E inventaram as borrachas com um bico para ligar na torneira e pronto, ali estava a vida totalmente facilitada para lavar a casa, os quintais, os carros, as calçadas, molhar os jardins, as hortas... lavávamos até as paredes da casa!
        Mas, um dia as fontes começaram a secar. Era gente demais povoando a Terra, era gente demais desperdiçando água, era gente demais inconsciente jogando fora o líquido precioso.
        E então chegamos até aqui, com todo mundo olhando para o céu, e pedindo clemência para Deus mandar chuva e encher as represas, que o nível baixou e não dá para servir as populações das cidades...
       No Brasil, ainda há muita água potável; há por esse mundo afora lugares pobres de rios e fontes, onde morre gente de fome e sede...
       Aqui em nosso país, quem mais sofre é o nordestino, com pouca densidade de chuvas o ano todo, e morre muito gado de desnutrição. (Oh! Senhor, pedi pro sol se esconder um pouquinho/ Pedi pra chover, pra chover de mansinho/Pra ver se nascia uma planta no chão – em “Súplica Cearense” de Waldeck Artur de Macedo e Nelinho, lançado em 1960, e tornada famosa por Luiz Gonzaga).
Mas, temos recursos hídricos invejáveis: o São Francisco, cujas obras de transposição se concluídas estariam salvando todo o povo nordestino; o Paraná que possibilitou a construção de uma Usina Hidrelétrica, que fornece energia para Argentina, Paraguai e Brasil; o Tietê que atravessa nosso Estado irrigando as pastagens e as culturas agrícolas dos moradores ribeirinhos. E mais uma centena de rios volumosos, que servem as extensas regiões do país. Somos abençoados pela natureza tão pródiga em nos fornecer água. Só não sabemos usá-la com cuidado e economia, para que ela nunca falte.
Só então, agora que as fontes estão secando, passamos a usá-la com parcimônia. E estamos aprendendo a reutilizar a água da lavagem de roupa para lavar o quintal, a água do enxágue para lavagem de outra remessa, a do enxágue de louça e de lavagem de legumes feita em bacias, para molhar as plantas, a água do banho para descarga dos vasos sanitários. E retomamos o antigo hábito de coletar água da chuva em baldes e bacias. Quando chove por horas, é possível recolher mais de cem litros de água. Basta ter vasilhas para recolher e encher os tanques e as máquinas... E a consciência fica leve, porque é uma forma fácil e prática de poupar a água da torneira.
Desde que começou o noticiário de falta d’água em várias regiões do país, não me sai da cabeça a história de José Fernandes e Jacinto, narrada por Eça de Queirós, em 1901. A obra se chama “A cidade e as serras” e marcou época em Portugal quando foi lançada.
Jacinto é um riquíssimo milionário que vive em Paris, considerada na época, a capital da Europa em luxo e modernidade. Vivendo com todas as regalias possíveis, desenvolveu uma teoria de que a Suma Ciência adicionada à Suma Potência resultaria em Suma Felicidade. Quanto mais facilitada a vida pela civilização, mais feliz seria o homem.
Em contrapartida, seu amigo português procedente de vida campesina das serras de Portugal, fica deslumbrado ao constatar as modernidades que facilitam a vida do parisiense. E como o luxo e o acesso a tais modernidades trazem muita satisfação, os dois vivem uma fase mergulhados na vida citadina, sorvendo com avidez tudo que a civilização lhes oferece.
Mas, um dia, eles percebem o vazio de toda aquela vida social, de madames e senhores respeitáveis, que viviam mais de aparência do que a realidade lhes permitia. E da tecnologia que de repente falha, negando a luz e a água para o mínimo indispensável. E a vida na cidade tão luxuosa, tão moderna se transforma num caos, com a falta de luz e de água... E um acidente com uma propriedade de Jacinto, fá-los voltar para as serras de Portugal, onde descobrem que a verdadeira felicidade estava na vida simples do campo, onde o ar é perfumado, a natureza é pródiga e a água nunca falta...
E com isso, a equação de Suma Ciência aliada à Suma Potência  provou para os dois, que não resulta em felicidade do homem.
E assim, cá estamos nós agora, como o Jacinto e o José Fernandes de Eça de Queirós, que viveu em outro século, constatando que felicidade mesmo é ter um poço no quintal que nos sirva água sempre, como foi antigamente. Que todas as modernidades da civilização podem facilitar a nossa vida, mas nunca representarão a felicidade.
Sem água, o planeta está condenado. Vamos salvá-lo!

Mirandópolis, novembro de 2014.
kimie oku in http://cronicasde kimie.blogspot.com.br/




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