Noguchi Hideyo
Acabei de ler uma
belíssima biografia. Aliás, não só li como copiei, porque essa é a minha forma
de estudar a Língua Japonesa. Há anos que faço assim: compro os livros
japoneses através de uma Livraria de São Paulo, que os importa do Japão para
mim. São livros sobre personagens históricas, heróis que construíram o Japão
Moderno, literatos e personagens que se dedicaram a pelejar para salvar a
humanidade.
Assim,
já li e copiei com pincel (fudê) e tinta a carvão, as biografias dos Samurais
Shingen, Nobunaga, Hideyoshi, Uesugi, Ieyasu,Yoshitsune; além da escritora de
novelas Higuchi Ichio e do poeta
Miyazawa Kenji. E agora, terminei a biografia do cientista Noguchi Hideyo.
Aprendo
muito com essas leituras. Elas me revelam o Japão que não conheci nem em sonhos.
E contam como o Japão Medieval foi se
desenvolvendo aos poucos, saindo do ostracismo a que ficara confinado por
séculos, por conta da crença em lendas que pregavam que os Imperadores tinham
origem divina.
Shingen,
Nobunaga, Hideyoshi, Kenshin e Ieyasu foram os bravos samurais, que através de
vidas totalmente dedicadas à guerra, conseguiram pacificar e unificar o Pais,
que estava completamente dividido em pequenos países, que viviam guerreando entre
si por posse de territórios. Eles fazem parte da história heroica do Japão e
são venerados nos templos até hoje. Realmente, seus combates e suas vitórias
não perdiam em nada para os heróis fictícios modernos, que enchem as telas de
cinema hoje. Mas eram reais. Eles viveram num tempo em que, a derrota era
considerada desonra, e para fugir dessa desonra tinham que praticar o
“haraquiri” ou suicídio, cortando a própria barriga. E os inimigos capturados
tinham seus pescoços cortados... Esses procedimentos faziam parte do Código do
Samurai, e ninguém contestava isso. Por serem verdadeiras essas histórias, elas
apaixonam os leitores.
Mas,
para dar uma trégua às leituras de guerras, resolvi ler a biografia do
cientista Noguchi Hideyo. É uma das mais belas e reais histórias que já li até
hoje.
Noguchi
nasceu num vilarejo bem pobre da Província de Fukushima, Japão em 1876. Sua
família era mais pobre que pobres, com a situação agravada pelo pai viciado em
bebida alcoólica. Sua mãe é que dava duro, todos os dias nas roças dos vizinhos,
para pôr a comida na mesa.
Quando
tinha apenas um ano e meio, Noguchi caiu no braseiro de aquecimento que havia
no meio da sala, e teve uma queimadura, que o deixou aleijado da mão esquerda. Ao
frequentar a escola primária, foi alvo de perseguição e humilhação por causa da
mão preta e defeituosa que possuía. Era chamado de Maneta, de Aleijado pelos
colegas, por isso começou a ficar triste e solitário, evitando o convívio deles.
Quando sua mãe percebeu isso, aconselhou o garoto a estudar bastante, para
vencer os meninos que o perseguiam. E assim fez. Estudou tanto que era o melhor
aluno da classe, e passou a ser o Monitor de seus colegas, por ordem dos Mestres.
Um Professor em especial ficou impressionado com o empenho do menino, e
resolveu investir em sua educação. Patrocinou o prosseguimento dos estudos
equivalentes ao Ginásio, porque a mãe não podia pagar as mensalidades, e nem comprar
o material escolar.
Para ir
a essa escola, tinha que andar 12 quilômetros diariamente, mas nunca faltou,
mesmo em dias de nevasca... Tinha apenas
doze anos de idade. Um dia, ele escreveu uma redação, em que revelou o desejo
de pegar uma faca e soltar cada um dos dedos da mão aleijada, para torná-la
funcional, pois não podia nem apontar seus lápis. Com o acidente no braseiro,
seu polegar estava grudado no pulso e, os demais dedos grudados na palma da
mão. Todos os Professores que leram a redação ficaram bastante comovidos, e resolveram
proporcionar-lhe uma cirurgia. Para isso, fizeram uma campanha na escola e na
comunidade, e com a ajuda de todos foi feita a operação. Quando Noguchi
conseguiu pegar um objeto com essa mão, chorou. E tomou uma decisão: Seria
Médico. Para ajudar pessoas como ele que precisavam de cuidados.
Para
conseguir esse objetivo, apelou para os Professores que o encaminharam a um
Hospital, onde aprendeu o ofício vendo os procedimentos dos médicos e
enfermeiros, e estudando como autodidata em livros de Medicina. Ao mesmo tempo,
estudou com afinco a Língua Inglesa e a Alemã, além do Chinês.
Ao se
formar, se dedicou à pesquisa para descobrir as causas das doenças. E foi
designado para trabalhar no Centro de Pesquisas de Doenças Transmissíveis de
Tókio. Ali, conheceu o Professor Emérito James Thomas Flexner da Faculdade John
Hopkins, dos Estados Unidos. Este ficou fascinado com os conhecimentos de
Noguchi, e lhe recomendou que o procurasse quando fosse aos Estados Unidos.
A peste
bubônica estava matando pessoas na China, e Noguchi foi designado para
participar da Comissão de Médicos de vários países para deter a doença. Noguchi
foi e realizou um bom trabalho. Ao retornar ao Japão, resolveu ir aos Estados
Unidos para se dedicar às pesquisas. E lá, junto com o Professor Flexner
pesquisou sobre venenos de cobras. Como era minucioso e muito dedicado, fez
anotações que organizou numa tese que publicou. Sua tese sobre Venenos de Cobras
deixou admirada a comunidade científica, e o nome de Noguchi Hideyo ficou
conhecido em todo o mundo.
Quando o
Professor Flexner foi designado para atuar como Diretor do Rockfeller Center de
Pesquisas, levou Noguchi consigo. Mas, antes o mandou para Dinamarca
aperfeiçoar os estudos. E lá na Europa, ficou conhecido pelas palestras sobre
venenos de cobras, que proferiu em vários países.
Ao
voltar para os Estados Unidos, pesquisou e separou a
bactéria causadora da Sífilis, doença sexualmente transmissível, que matava
muita gente na época. Com a descoberta da bactéria, foi possível organizar os
procedimentos para prevenção e tratamento da sífilis.
Noguchi
casou-se com Mary Loretta Dardis, que o apoiou totalmente em sua dedicação às
pesquisas.
Após quinze anos ausente, ao receber uma foto
da velha mãe, que implorava a sua volta, retornou ao Japão. E nessa visita, ele
conseguiu demonstrar todo o amor filial que sentia pela genitora, que
acreditara na sua inteligência e capacidade.
Mas, a
sua vida de pesquisador o levaria a várias partes do mundo, indo para Equador
onde conseguiu separar o agente causador da Febre Amarela, que estava dizimando
populações inteiras de equatorianos. Após separar o agente causador da doença,
a vacina era preparada no Rockfeller Center para controlar as epidemias. Depois,
seria encaminhado para Merida no México, onde grassava a febre amarela. Por
essa mesma razão, iria para o Peru, para Bahia no Brasil. E em todos esses
lugares por onde passou, conseguiu salvar a vida de milhares de pacientes
atacados pela febre amarela.
Por tudo
isso, Noguchi recebeu as mais altas condecorações dos países por onde passou, e
de outros países como a França, que lhe concedeu a Legião de Honra, a Espanha, a
Suécia e o Japão lhe concedeu a Honra ao Mérito da Ordem do Sol Nascente.
Mas, a sua carreira de
pesquisador de bactérias ainda o levaria para a África, onde havia uma
modalidade mais violenta de febre amarela. Ali, ele se empenhou em separar o
agente patogênico, que matava milhares de africanos todos os dias. E após duro
combate, varando noites e dias, após cinco meses de trabalho fatigante
conseguiu separar a bactéria. Mas, com o corpo enfraquecido e maltratado pelas
noites mal dormidas, e pelo calor sufocante da África, acabou contraindo essa
terrível doença, que o mataria a caminho de Nova Iorque, para onde estava
levando o causador da doença. Tinha
apenas 52 anos de idade
Sua
morte causou uma grande consternação no mundo científico, e muitas homenagens
foram feitas. Foi velado no Rokfeller Center e enterrado no Cemitério de Woodlawn
em Nova Iorque, como Benfeitor da humanidade.
Além de
ser o descobridor das bactérias causadoras da Sífilis e da Febre Amarela, suas
pesquisas contribuíram muito para deter essas doenças pela fabricação das
vacinas. Também foram de muita importância suas pesquisas sobre venenos de
cobras e sobre Tracoma, doença que atacava os olhos.
Em
várias partes do mundo há hospitais e Centros de Pesquisas que levam o seu
nome, tal a importância que teve para o progresso da Medicina. Em Ueno, Japão e em Gana na África há estátuas para eternizar o seu nome, e a casa onde Noguchi nasceu em
Fukushima foi transformada em Museu.
As
homenagens foram justas porque em nome da ciência, ele dedicou totalmente a sua
vida às pesquisas para vencer doenças. E foi vítima de uma das mais terríveis.
Podemos até dizer que viveu e deu a vida pela Febre Amarela.
Por tudo
isso, tive que contar essa linda história, para provar que, mesmo pobre e
deficiente não haverá barreiras para quem quer vencer.
Mirandópolis,
dezembro de 2014.
kimie
oku in
Legal, Kimie!
ResponderExcluirVocê como sempre enriquecendo seus leitores com conhecimentos.
Parabéns!
Abração!
Viu que história mais linda, Ulisses? E a maioria dos japoneses nem sabe disso. Às vezes, uma tragédia se transforma num motivo
ResponderExcluirpara uma grande realização. Ou Deus já propõe isso ao homem, para ver como se sai dessa,né?