sexta-feira, 12 de dezembro de 2014





                                Noguchi Hideyo
   Acabei de ler uma belíssima biografia. Aliás, não só li como copiei, porque essa é a minha forma de estudar a Língua Japonesa. Há anos que faço assim: compro os livros japoneses através de uma Livraria de São Paulo, que os importa do Japão para mim. São livros sobre personagens históricas, heróis que construíram o Japão Moderno, literatos e personagens que se dedicaram a pelejar para salvar a humanidade.
      Assim, já li e copiei com pincel (fudê) e tinta a carvão, as biografias dos Samurais Shingen, Nobunaga, Hideyoshi, Uesugi, Ieyasu,Yoshitsune; além da escritora de novelas Higuchi Ichio  e do poeta Miyazawa Kenji. E agora, terminei a biografia do cientista Noguchi Hideyo.
      Aprendo muito com essas leituras. Elas me revelam o Japão que não conheci nem em sonhos. E contam como o Japão  Medieval foi se desenvolvendo aos poucos, saindo do ostracismo a que ficara confinado por séculos, por conta da crença em lendas que pregavam que os Imperadores tinham origem divina.
      Shingen, Nobunaga, Hideyoshi, Kenshin e Ieyasu foram os bravos samurais, que através de vidas totalmente dedicadas à guerra, conseguiram pacificar e unificar o Pais, que estava completamente dividido em pequenos países, que viviam guerreando entre si por posse de territórios. Eles fazem parte da história heroica do Japão e são venerados nos templos até hoje. Realmente, seus combates e suas vitórias não perdiam em nada para os heróis fictícios modernos, que enchem as telas de cinema hoje. Mas eram reais. Eles viveram num tempo em que, a derrota era considerada desonra, e para fugir dessa desonra tinham que praticar o “haraquiri” ou suicídio, cortando a própria barriga. E os inimigos capturados tinham seus pescoços cortados... Esses procedimentos faziam parte do Código do Samurai, e ninguém contestava isso. Por serem verdadeiras essas histórias, elas apaixonam os leitores.
      Mas, para dar uma trégua às leituras de guerras, resolvi ler a biografia do cientista Noguchi Hideyo. É uma das mais belas e reais histórias que já li até hoje.
      Noguchi nasceu num vilarejo bem pobre da Província de Fukushima, Japão em 1876. Sua família era mais pobre que pobres, com a situação agravada pelo pai viciado em bebida alcoólica. Sua mãe é que dava duro, todos os dias nas roças dos vizinhos, para pôr a comida na mesa.
      Quando tinha apenas um ano e meio, Noguchi caiu no braseiro de aquecimento que havia no meio da sala, e teve uma queimadura, que o deixou aleijado da mão esquerda. Ao frequentar a escola primária, foi alvo de perseguição e humilhação por causa da mão preta e defeituosa que possuía. Era chamado de Maneta, de Aleijado pelos colegas, por isso começou a ficar triste e solitário, evitando o convívio deles. Quando sua mãe percebeu isso, aconselhou o garoto a estudar bastante, para vencer os meninos que o perseguiam. E assim fez. Estudou tanto que era o melhor aluno da classe, e passou a ser o Monitor de seus colegas, por ordem dos Mestres. Um Professor em especial ficou impressionado com o empenho do menino, e resolveu investir em sua educação. Patrocinou o prosseguimento dos estudos equivalentes ao Ginásio, porque a mãe não podia pagar as mensalidades, e nem comprar o material escolar.
      Para ir a essa escola, tinha que andar 12 quilômetros diariamente, mas nunca faltou, mesmo em dias de nevasca...  Tinha apenas doze anos de idade. Um dia, ele escreveu uma redação, em que revelou o desejo de pegar uma faca e soltar cada um dos dedos da mão aleijada, para torná-la funcional, pois não podia nem apontar seus lápis. Com o acidente no braseiro, seu polegar estava grudado no pulso e, os demais dedos grudados na palma da mão. Todos os Professores que leram a redação ficaram bastante comovidos, e resolveram proporcionar-lhe uma cirurgia. Para isso, fizeram uma campanha na escola e na comunidade, e com a ajuda de todos foi feita a operação. Quando Noguchi conseguiu pegar um objeto com essa mão, chorou. E tomou uma decisão: Seria Médico. Para ajudar pessoas como ele que precisavam de cuidados.
      Para conseguir esse objetivo, apelou para os Professores que o encaminharam a um Hospital, onde aprendeu o ofício vendo os procedimentos dos médicos e enfermeiros, e estudando como autodidata em livros de Medicina. Ao mesmo tempo, estudou com afinco a Língua Inglesa e a Alemã, além do Chinês.
      Ao se formar, se dedicou à pesquisa para descobrir as causas das doenças. E foi designado para trabalhar no Centro de Pesquisas de Doenças Transmissíveis de Tókio. Ali, conheceu o Professor Emérito James Thomas Flexner da Faculdade John Hopkins, dos Estados Unidos. Este ficou fascinado com os conhecimentos de Noguchi, e lhe recomendou que o procurasse quando fosse aos Estados Unidos.
      A peste bubônica estava matando pessoas na China, e Noguchi foi designado para participar da Comissão de Médicos de vários países para deter a doença. Noguchi foi e realizou um bom trabalho. Ao retornar ao Japão, resolveu ir aos Estados Unidos para se dedicar às pesquisas. E lá, junto com o Professor Flexner pesquisou sobre venenos de cobras. Como era minucioso e muito dedicado, fez anotações que organizou numa tese que publicou. Sua tese sobre Venenos de Cobras deixou admirada a comunidade científica, e o nome de Noguchi Hideyo ficou conhecido em todo o mundo.
      Quando o Professor Flexner foi designado para atuar como Diretor do Rockfeller Center de Pesquisas, levou Noguchi consigo. Mas, antes o mandou para Dinamarca aperfeiçoar os estudos. E lá na Europa, ficou conhecido pelas palestras sobre venenos de cobras, que proferiu em vários países.
      Ao voltar para os Estados Unidos, pesquisou e separou   a bactéria causadora da Sífilis, doença sexualmente transmissível, que matava muita gente na época. Com a descoberta da bactéria, foi possível organizar os procedimentos para prevenção e tratamento da sífilis.
      Noguchi casou-se com Mary Loretta Dardis, que o apoiou totalmente em sua dedicação às pesquisas.
       Após quinze anos ausente, ao receber uma foto da velha mãe, que implorava a sua volta, retornou ao Japão. E nessa visita, ele conseguiu demonstrar todo o amor filial que sentia pela genitora, que acreditara na sua inteligência e capacidade.

      Mas, a sua vida de pesquisador o levaria a várias partes do mundo, indo para Equador onde conseguiu separar o agente causador da Febre Amarela, que estava dizimando populações inteiras de equatorianos. Após separar o agente causador da doença, a vacina era preparada no Rockfeller Center para controlar as epidemias. Depois, seria encaminhado para Merida no México, onde grassava a febre amarela. Por essa mesma razão, iria para o Peru, para Bahia no Brasil. E em todos esses lugares por onde passou, conseguiu salvar a vida de milhares de pacientes atacados pela febre amarela.   
      Por tudo isso, Noguchi recebeu as mais altas condecorações dos países por onde passou, e de outros países como a França, que lhe concedeu a Legião de Honra, a Espanha, a Suécia e o Japão lhe concedeu a Honra ao Mérito da Ordem do Sol Nascente.
Mas, a sua carreira de pesquisador de bactérias ainda o levaria para a África, onde havia uma modalidade mais violenta de febre amarela. Ali, ele se empenhou em separar o agente patogênico, que matava milhares de africanos todos os dias. E após duro combate, varando noites e dias, após cinco meses de trabalho fatigante conseguiu separar a bactéria. Mas, com o corpo enfraquecido e maltratado pelas noites mal dormidas, e pelo calor sufocante da África, acabou contraindo essa terrível doença, que o mataria a caminho de Nova Iorque, para onde estava levando o causador da doença.  Tinha apenas 52 anos de idade

      Sua morte causou uma grande consternação no mundo científico, e muitas homenagens foram feitas. Foi velado no Rokfeller Center e enterrado no Cemitério de Woodlawn em Nova Iorque, como Benfeitor da humanidade.
      Além de ser o descobridor das bactérias causadoras da Sífilis e da Febre Amarela, suas pesquisas contribuíram muito para deter essas doenças pela fabricação das vacinas. Também foram de muita importância suas pesquisas sobre venenos de cobras e sobre Tracoma, doença que atacava os olhos.
      Em várias partes do mundo há hospitais e Centros de Pesquisas que levam o seu nome, tal a importância que teve para o progresso da Medicina. Em Ueno, Japão e em Gana na África há estátuas para eternizar o seu nome, e a casa onde Noguchi nasceu em Fukushima foi transformada em Museu.
      As homenagens foram justas porque em nome da ciência, ele dedicou totalmente a sua vida às pesquisas para vencer doenças. E foi vítima de uma das mais terríveis. Podemos até dizer que viveu e deu a vida pela Febre Amarela.
      Por tudo isso, tive que contar essa linda história, para provar que, mesmo pobre e deficiente não haverá barreiras para quem quer vencer.
      Mirandópolis, dezembro de 2014.


      kimie oku in


                                                                                                                                                                

2 comentários:

  1. Legal, Kimie!
    Você como sempre enriquecendo seus leitores com conhecimentos.
    Parabéns!
    Abração!

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  2. Viu que história mais linda, Ulisses? E a maioria dos japoneses nem sabe disso. Às vezes, uma tragédia se transforma num motivo
    para uma grande realização. Ou Deus já propõe isso ao homem, para ver como se sai dessa,né?

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