quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

                                Música caipira

“Nestes versos tão singelos, minha bela, meu amor...
       Pra você quero contar o meu sofrer, a minha dor...”
Antigamente, por puro preconceito não gostava de música caipira. É que os peões ou camaradas do nosso sítio cantavam essas modas, e cantavam muito mal. Com voz fina e estridente. E ainda achava-a pobre, e cheia de erros de ortografia e de gramática. Era uma época cheia de preconceitos, e eu nunca havia pensado que poderia estar enganada, seguindo a corrente comum ou a moda, que rejeitava a música caipira.
    O tempo passou, e tudo mudou. A música caipira recebeu o cognome de “sertaneja”, que virou moda para todo mundo. E foi cantada e embalada nas festas de peão, de rodeio e outras barbáries que maltratam os animais para a diversão dos homens. E depois mais recentemente, virou “sertaneja universitária”, com a intenção sub reptícia, de lhe dar uma conotação cultural... Mas, a moda caipira pegou, pegou de vez. E os defensores de música caipira de verdade introduziram a expressão “música caipira de raiz”, querendo com isso resgatar a verdadeira música, como era nos primeiros tempos. Música mais simples que canta as belezas da natureza, a vida na roça e o trabalho no campo.
De qualquer forma, com a Ciranda e com as cantorias dos amigos, enfim descobri a beleza da música caipira. Ela pode ter erros gramaticais e de ortografia, mas a mensagem que passa é uma coisa linda, que não pode ser ignorada. Mesmo Adoniram Barbosa, poeta e sambista de São Paulo fez canções lindas escritas na linguagem coloquial do dia a dia, sem rebuscamentos e correções. Assim, ele cantava: “Arnesto nos convidou para um samba, ele mora no Brás/ Nóis fumo e não encontremo ninguém.../ Nos voltemo com uma baita de uma reiva...” E foi um tremendo sucesso. Todo mundo entendeu o seu recado.
Na música caipira tem muito disso, ou seja escreve-se a letra conforme o caboclo pronuncia as palavras, para dar autenticidade à história contada.
Recentemente, conheci “A mudança” de autoria de Caetano, Elba e Chico Amado. A dupla Chico Amado e Xodó é que canta entre outras coisas: “... catei um punhado de cinza e carvão/ lembranças que eu levo derradeiras/ da antiga fogueira do meu São João...” A dupla Gerval e Jovanini a tem cantado na Ciranda, e sempre os cirandeiros fazem um tour ao passado, ouvindo essa linda canção, que narra a história de mudança da roça para a cidade...
E de Lourenço e Lourival, também A mudança, sempre cantada com muita tristeza: “... Com certeza eu voltava pra lá/ e a primeira coisa que ia fazer/ Cair de joelhos e beijar o chão/ Arrancar a saudade do meu coração/ E de lá sair só quando eu morrer...”
E falando em passado e fazendas, nada mais belo que O Rancho fundo de Ary Barroso e Lamartine Babo: “No rancho fundo, bem pra lá do fim do mundo/ onde a dor e a saudade/ contam coisas da cidade... No rancho fundo de olhar triste e profundo/ um moreno canta as mágoas/ tendo os olhos rasos d’água...”
E vida na roça tinha carroças e cavalos... Cavalo preto de Anacleto Rosa Jr.: “... Tenho um cavalo preto por nome de Ventania/ Um laço de doze braças de couro de uma novilha/ Tenho um cachorro bragado que é pra minha companhia/ Sou um caboclo folgado, ai eu não tenho família...”
E o cidadão que perdeu a liberdade vai medindo o tempo, com o crescimento de um Ipê florido de José Fortuna e Paraíso: “... Meu ipê florido, junto a minha cela/ Hoje tem altura de minha janela/ Só há uma diferença entre nós agora/ Aqui dentro as noites não têm aurora/ Quanta claridade tem você lá fora! ... “
E do Pantanal mato-grossense tem a belíssima Chalana de Mário Zan: “...Oh! Chalana sem querer/ Tu aumentas minha dor/ Nessas águas tão serenas/ Vai levando meu amor...”
Sempre contando dramas vividos por caboclos por esse Brasil afora, a música caipira se esmerou no drama de Chico Mineiro de Tonico (da dupla Tonico e Tinoco) e Francisco Ribeiro: “... Larguei de comprar boiada/ Mataram meu companheiro/ Acabou-se o som da viola/ Acabou-se o Chico Mineiro...”
Mais dolorido que isso, porque o caboclo gosta de contar histórias muito tristes, é sem dúvida nenhuma, a história de O menino da porteira de Teddy Vieira e Luisinho: “... Lá pra banda de Ouro Fino levando gado selvagem/ Quando passo na porteira até vejo sua imagem/ O seu rangido tão triste mais parece uma mensagem/ Daquele rosto trigueiro desejando-me boa viagem...”
E assim, aprendi a amar a cultura de nosso caboclo, que canta a passagem do tempo, as mudanças no estilo de vida, as saudades de um passado que não volta mais, e as lembranças que alimentam nossa alma...
“... Nesta viola, canto e gemo de verdade/
 Cada toada representa uma saudade...”
Mas, vou ficando por aqui, porque há muito que contar e cantar, mas... “... É tarde, eu já vou indo... Preciso ir-me embora. Té manhã! Té manhã! Té manhãããããã....

       Mirandópolis, fevereiro de 2015.
 kimie oku in




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