Música caipira
“Nestes
versos tão singelos, minha bela, meu amor...
Pra você quero contar o meu sofrer, a minha dor...”
Antigamente,
por puro preconceito não gostava de música caipira. É que os peões ou camaradas
do nosso sítio cantavam essas modas, e cantavam muito mal. Com voz fina e
estridente. E ainda achava-a pobre, e cheia de erros de ortografia e de
gramática. Era uma época cheia de preconceitos, e eu nunca havia pensado que
poderia estar enganada, seguindo a corrente comum ou a moda, que rejeitava a
música caipira.
O tempo passou, e tudo mudou. A música caipira recebeu o
cognome de “sertaneja”, que virou moda para todo mundo. E foi cantada e
embalada nas festas de peão, de rodeio e outras barbáries que maltratam os
animais para a diversão dos homens. E depois mais recentemente, virou “sertaneja
universitária”, com a intenção sub reptícia, de lhe dar uma conotação
cultural... Mas, a moda caipira pegou, pegou de vez. E os defensores de música
caipira de verdade introduziram a expressão “música caipira de raiz”, querendo
com isso resgatar a verdadeira música, como era nos primeiros tempos. Música
mais simples que canta as belezas da natureza, a vida na roça e o trabalho no
campo.
De
qualquer forma, com a Ciranda e com as cantorias dos amigos, enfim descobri a
beleza da música caipira. Ela pode ter erros gramaticais e de ortografia, mas a
mensagem que passa é uma coisa linda, que não pode ser ignorada. Mesmo Adoniram
Barbosa, poeta e sambista de São Paulo fez canções lindas escritas na linguagem
coloquial do dia a dia, sem rebuscamentos e correções. Assim, ele cantava:
“Arnesto nos convidou para um samba, ele mora no Brás/ Nóis fumo e não
encontremo ninguém.../ Nos voltemo com uma baita de uma reiva...” E foi um
tremendo sucesso. Todo mundo entendeu o seu recado.
Na
música caipira tem muito disso, ou seja escreve-se a letra conforme o caboclo
pronuncia as palavras, para dar autenticidade à história contada.
Recentemente,
conheci “A mudança” de autoria de Caetano, Elba e Chico Amado. A dupla Chico
Amado e Xodó é que canta entre outras coisas: “... catei um punhado de cinza e
carvão/ lembranças que eu levo derradeiras/ da antiga fogueira do meu São João...”
A dupla Gerval e Jovanini a tem cantado na Ciranda, e sempre os cirandeiros
fazem um tour ao passado, ouvindo essa linda canção, que narra a história de mudança
da roça para a cidade...
E
de Lourenço e Lourival, também A mudança, sempre cantada com muita tristeza: “...
Com certeza eu voltava pra lá/ e a primeira coisa que ia fazer/ Cair de joelhos
e beijar o chão/ Arrancar a saudade do meu coração/ E de lá sair só quando eu morrer...”
E
falando em passado e fazendas, nada mais belo que O Rancho fundo de Ary Barroso
e Lamartine Babo: “No rancho fundo, bem pra lá do fim do mundo/ onde a dor e a
saudade/ contam coisas da cidade... No rancho fundo de olhar triste e profundo/
um moreno canta as mágoas/ tendo os olhos rasos d’água...”
E
vida na roça tinha carroças e cavalos... Cavalo preto de Anacleto Rosa Jr.: “...
Tenho um cavalo preto por nome de Ventania/ Um laço de doze braças de couro de
uma novilha/ Tenho um cachorro bragado que é pra minha companhia/ Sou um
caboclo folgado, ai eu não tenho família...”
E
o cidadão que perdeu a liberdade vai medindo o tempo, com o crescimento de um
Ipê florido de José Fortuna e Paraíso: “... Meu ipê florido, junto a minha
cela/ Hoje tem altura de minha janela/ Só há uma diferença entre nós agora/
Aqui dentro as noites não têm aurora/ Quanta claridade tem você lá fora! ... “
E
do Pantanal mato-grossense tem a belíssima Chalana de Mário Zan: “...Oh!
Chalana sem querer/ Tu aumentas minha dor/ Nessas águas tão serenas/ Vai
levando meu amor...”
Sempre
contando dramas vividos por caboclos por esse Brasil afora, a música caipira se
esmerou no drama de Chico Mineiro de Tonico (da dupla Tonico e Tinoco) e
Francisco Ribeiro: “... Larguei de comprar boiada/ Mataram meu companheiro/
Acabou-se o som da viola/ Acabou-se o Chico Mineiro...”
Mais
dolorido que isso, porque o caboclo gosta de contar histórias muito tristes, é
sem dúvida nenhuma, a história de O menino da porteira de Teddy Vieira e
Luisinho: “... Lá pra banda de Ouro Fino levando gado selvagem/ Quando passo na
porteira até vejo sua imagem/ O seu rangido tão triste mais parece uma
mensagem/ Daquele rosto trigueiro desejando-me boa viagem...”
E
assim, aprendi a amar a cultura de nosso caboclo, que canta a passagem do
tempo, as mudanças no estilo de vida, as saudades de um passado que não volta
mais, e as lembranças que alimentam nossa alma...
“...
Nesta viola, canto e gemo de verdade/
Cada toada representa uma saudade...”
Mas,
vou ficando por aqui, porque há muito que contar e cantar, mas... “... É tarde,
eu já vou indo... Preciso ir-me embora. Té manhã! Té manhã! Té manhãããããã....
Mirandópolis, fevereiro de 2015.
kimie oku in
Nenhum comentário:
Postar um comentário