Yuassa sama
Ela tem mais de noventa anos.
E é minha amiga há mais de vinte anos.
Chama-se Natsuko Yuassa, e é a mãe de outra pessoa admirável,
Doutor Roberto Yuassa, o respeitado doutor Roberto do povo.
Há mais de duas décadas, caiu em minhas mãos um livro escrito em
japonês, que era o relato de sua vida.Como eu estava começando a estudar a
Língua Japonesa, fiquei muito interessada e tentei lê-lo. Tentei.
Só tentei lê-lo, porque na verdade, eu era completamente
analfabeta em japonês. E o livro era de Memórias, narrando fatos ocorridos no
Japão de 70, 80 anos atrás. A curiosidade era grande, mas a minha limitação era
bem maior ainda.
Comentei essa dificuldade com uma amiga, e ela me sugeriu que
procurasse a autora do livro. Depois de muito relutar, acabei por visitá-la,
para pedir que me explicasse as muitas partes, que não entendera.
Mas a primeira entrevista foi um desastre: eu não consegui explicar-lhe a razão de minha
visita, apenas mostrei o livro e disse que não conseguira lê-lo.
Ela porém, foi muito atenciosa e me cativou desde o primeiro
instante, pela compreensão e gentileza. Pediu que retornasse, e prometeu que me
ajudaria.
Só achei que não haveria futuro em nossa relação: ela se
comunicando em japonês, e eu boquiaberta sem entender 70% do que dizia. Mas,
percebi que falava com carinho, e tentava fazer com que eu entendesse, com
gestos, misturando algumas palavras em Português, ocasionalmente.
Entretanto, eu queria aprender e sabia que só ela poderia me
ajudar. E comecei a frequentar a sua casa. Como estava sempre só, ela gostava
de me receber. E principalmente, porque tinha muito que relatar, lembrando
passagens de sua infância e juventude no Japão. Um dia, perguntou se eu era a
mesma kimie oku, que escrevera no Jornal O Labor do senhor Idanir Antonio
Momesso. (esse jornal já nem circulava mais)
Quando lhe respondi que sim, ela começou a chorar e eu fiquei
totalmente atarantada, sem saber o que fazer. Quando se acalmou, ela me abraçou
e perguntou: “Por que você não veio antes?”
“Por que não nos procurou, três anos antes?” “Meu marido teria gostado de te conhecer!”
Seu esposo havia falecido já havia três anos, e segundo ela, gostava
de ler minhas crônicas. Disse que as lia e traduzia para ela, sempre. Eram as
minhas “Reflexões”.
Foi então, que eu fiquei muito, muito comovida e chorei, porque
o senhor Yuassa também escrevia para o jornal, e era um homem culto, que falava
e escrevia em japonês e em português.
E daí, a nossa amizade se firmou, de vez.
Nas constantes dificuldades de conversação, ela usava
dicionários para se fazer entender, fazia gestos, onomatopeias, gesticulava
bastante, para me explicar o significado de uma palavra apenas. E ao mesmo
tempo, foi me iniciando nos costumes
cotidianos do seu país de origem, de que sentia muita saudade.
Levei seguramente um ano para ler o livro, com a ajuda dela.
Mas, ao terminar a leitura, o que ficou na lembrança não foram as memórias
dela, mas as horas de ensinamentos tão agradáveis, que ela me proporcionou.
Passei tardes maravilhosas, em que ela me mostrava seus últimos poemas tanka, que
publicava nos jornais da colônia japonesa.
Aprendi muito com ela.
Convivendo com ela, comecei a amadurecer uma ideia Queria formar
um grupo de pessoas, que proporcionasse momentos de lazer às pessoas
solitárias, levando-as a um lugar
agradável no campo. Eu tinha um desejo imenso de levar essa minha amiga à uma
chácara, onde pudesse curtir a natureza, em meio às flores, ao verde dos
campos, à sombra das árvores, ouvindo o canto dos pássaros. E conversando com
amigos. Mesmo que fosse em cadeira de rodas...
Foi assim que, nasceu a Ciranda, que já comemorou um ano de
existência. Infelizmente, devido à saúde precária, não foi possível levá-la a
nenhum encontro...
A inspiração da Ciranda nasceu da
gratidão, que sinto por ela. É uma pena que nunca pude levá-la. Mesmo assim, a Ciranda foi uma boa
realização, e sou grata também por ela ter me inspirado essa ideia.
O que mais me comove na sra. Yuassa é a saudade imensa, que ela
sente de seu amado esposo e do neto querido, que perdeu tão precocemente. Todas
as vezes que ela se lembra deles, não deixa de chorar.
Ela se diz chorona. E chora porque os filhos são muito
atenciosos, e não descuidam dela. E diz que o seu tempo já se esgotou, e queria
que Deus a levasse, para aliviar a carga das filhas que vêm sempre de fora,
para lhe dar atenção.
Yuassa-sama é uma senhora doce, culta e gentil, como há poucas nos dias de hoje.
Yuassa-sama, minha mestra de japonês, minha amiga tão generosa,
que me devolveu um dia, o orgulho de ser descendente de japoneses, muito
obrigada!
Mirandópolis,28/
dezembro/2011.
kimieoku
Post
scriptum: A senhora Yuassa faleceu em 2012, com 93 anos de idade.
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