quarta-feira, 19 de agosto de 2015

    

 Yuassa sama

Ela tem mais de noventa anos.
E é minha amiga há mais de vinte anos.
Chama-se Natsuko Yuassa, e é a mãe de outra pessoa admirável, Doutor Roberto Yuassa, o respeitado doutor Roberto do povo.
Há mais de duas décadas, caiu em minhas mãos um livro escrito em japonês, que era o relato de sua vida.Como eu estava começando a estudar a Língua Japonesa, fiquei muito interessada e tentei lê-lo. Tentei.
Só tentei lê-lo, porque na verdade, eu era completamente analfabeta em japonês. E o livro era de Memórias, narrando fatos ocorridos no Japão de 70, 80 anos atrás. A curiosidade era grande, mas a minha limitação era bem maior ainda.
Comentei essa dificuldade com uma amiga, e ela me sugeriu que procurasse a autora do livro. Depois de muito relutar, acabei por visitá-la, para pedir que me explicasse as muitas partes, que não entendera.
Mas a primeira entrevista foi um desastre:  eu não consegui explicar-lhe a razão de minha visita, apenas mostrei o livro e disse que não conseguira lê-lo.
Ela porém, foi muito atenciosa e me cativou desde o primeiro instante, pela compreensão e gentileza. Pediu que retornasse, e prometeu que me ajudaria.
Só achei que não haveria futuro em nossa relação: ela se comunicando em japonês, e eu boquiaberta sem entender 70% do que dizia. Mas, percebi que falava com carinho, e tentava fazer com que eu entendesse, com gestos, misturando algumas palavras em Português, ocasionalmente.
Entretanto, eu queria aprender e sabia que só ela poderia me ajudar. E comecei a frequentar a sua casa. Como estava sempre só, ela gostava de me receber. E principalmente, porque tinha muito que relatar, lembrando passagens de sua infância e juventude no Japão. Um dia, perguntou se eu era a mesma kimie oku, que escrevera no Jornal O Labor do senhor Idanir Antonio Momesso. (esse jornal já nem circulava mais)
Quando lhe respondi que sim, ela começou a chorar e eu fiquei totalmente atarantada, sem saber o que fazer. Quando se acalmou, ela me abraçou e perguntou: “Por que você não veio antes?”  “Por que não nos procurou, três anos antes?”  “Meu marido teria gostado de te conhecer!”
Seu esposo havia falecido já havia três anos, e segundo ela, gostava de ler minhas crônicas. Disse que as lia e traduzia para ela, sempre. Eram as minhas “Reflexões”.
Foi então, que eu fiquei muito, muito comovida e chorei, porque o senhor Yuassa também escrevia para o jornal, e era um homem culto, que falava e escrevia em japonês e em português.
E daí, a nossa amizade se firmou, de vez.
Nas constantes dificuldades de conversação, ela usava dicionários para se fazer entender, fazia gestos, onomatopeias, gesticulava bastante, para me explicar o significado de uma palavra apenas. E ao mesmo tempo, foi me iniciando nos costumes   cotidianos do seu país de origem, de que sentia muita saudade.
Levei seguramente um ano para ler o livro, com a ajuda dela. Mas, ao terminar a leitura, o que ficou na lembrança não foram as memórias dela, mas as horas de ensinamentos tão agradáveis, que ela me proporcionou. Passei tardes maravilhosas, em que ela me mostrava seus últimos poemas tanka, que publicava nos jornais da colônia japonesa.
Aprendi muito com ela.
Convivendo com ela, comecei a amadurecer uma ideia Queria formar um grupo de pessoas, que proporcionasse momentos de lazer às pessoas solitárias, levando-as  a um lugar agradável no campo. Eu tinha um desejo imenso de levar essa minha amiga à uma chácara, onde pudesse curtir a natureza, em meio às flores, ao verde dos campos, à sombra das árvores, ouvindo o canto dos pássaros. E conversando com amigos. Mesmo que fosse em cadeira de rodas...
Foi assim que, nasceu a Ciranda, que já comemorou um ano de existência. Infelizmente, devido à saúde precária, não foi possível levá-la a nenhum encontro...
  A inspiração da Ciranda nasceu da gratidão, que sinto por ela. É uma pena que nunca pude levá-la.  Mesmo assim, a Ciranda foi uma boa realização, e sou grata também por ela ter me inspirado essa ideia.
O que mais me comove na sra. Yuassa é a saudade imensa, que ela sente de seu amado esposo e do neto querido, que perdeu tão precocemente. Todas as vezes que ela se lembra deles, não deixa de chorar.
Ela se diz chorona. E chora porque os filhos são muito atenciosos, e não descuidam dela. E diz que o seu tempo já se esgotou, e queria que Deus a levasse, para aliviar a carga das filhas que vêm sempre de fora, para lhe dar atenção.
Yuassa-sama é uma senhora doce, culta e gentil, como há  poucas nos dias de hoje.
Yuassa-sama, minha mestra de japonês, minha amiga tão generosa, que me devolveu um dia, o orgulho de ser descendente de japoneses, muito obrigada!
Mirandópolis,28/ dezembro/2011.                      
kimieoku                             

Post scriptum: A senhora Yuassa faleceu em 2012, com 93 anos de idade.
         

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