Como aprecio uma boa viagem, fico observando as pessoas que
postam fotos de lugares exóticos que visitaram. E percebo que em geral, elas
viajam apenas para passar uns dias em lugares inusitados, sem tirar nenhum
proveito das diferenças que há nesses lugares. E nem passam alguma informação
interessante para os pobres mortais como eu, que nunca saem da toca.
Embora goste de viajar, para mim não tem
sentido viajar sozinha em lugares paradisíacos, se não houver um parceiro ou
parceira para trocar impressões. Aliás, tenho pena dos viajantes solitários,
porque o melhor de uma viagem é compartilhar lugares, momentos e novidades com
alguém.
Conheci um médico, mas médico de verdade
que cuidava de seus pacientes com muita competência e empatia, até se
aposentar. Todos os anos ele tirava férias de um mês e viajava para o exterior.
Dizia que não queria ficar rico, nem ambicionava ter fazendas e boiadas... Só
queria curtir a vida com a família. Então, nas férias ele arrebanhava toda a
família e planejava suas viagens. Se um dos filhos não queria ir por causa da
namorada, ele levava a namorada também... E as viagens eram muito instrutivas,
porque aproveitavam ao máximo os recursos que havia nos lugares visitados.
Exemplificando: Em Nova Iorque, visitou o Museu de
História Natural e ficou impressionado com as peças expostas
demonstrando como o homem quadrúmano se tornara ereto. No Canadá, reparou na
vegetação diferente que há por lá devido ao clima rigoroso do Hemisfério
Norte... Nas Ilhas gregas, reparou no modus vivendi dos habitantes de lá. Também para mim
não teria sentido conhecer um determinado lugar, sem compartilhar essa alegria
com alguém. Aliás, quanto mais gente puder partilhar, maior será a alegria.
Por tudo isso, gosto de assistir a um
Programa na televisão japonesa NHK, chamado “Viagem do Coração” ou Kokoro no
tabi. Acho que está no ar há uns cinco anos e é um grande sucesso.
Nesse programa, um ator de cinema e tevê,
Hino Shohei de 65 anos percorre o Japão de ponta a ponta numa bicicleta,
visitando lugares para atender a solicitações dos telespectadores. Estes enviam
e-mails pedindo que o senhor Shohei vá até o lugar que marcou a sua infância, o
vilarejo em que nasceu, o arrozal em terraços aproveitando o terreno acidentado,
as montanhas que cercavam sua aldeia, o Templo que frequentou quando jovem, o rio onde
nadou com amigos, a Escola que frequentou no Colegial, o campo de beisebol onde
foi muito feliz e os Festivais regionais... Enfim, os pedidos são os mais
diversos, e cada dia
Para que as viagens ocorram há um equipe, que seleciona as
mensagens por Província, que pesquisa o lugar nos mapas, que calcula
distâncias, que define o meio de locomoção a ser utilizado nos trechos mais
difíceis, recorrendo a ônibus, lanchas ou até mesmo aviões. Mas, grande parte é
feita de bicicleta, e sempre há um staff de quatro ciclistas que garantem o apoio
imediato, composto de cinegrafistas,
guias e mecânicos. E acredito que haja uma equipe motorizada que acompanha de
longe, embora nunca apareça no programa. E é tão agradável de se ver o grupo de
cinco ciclistas percorrendo as estradas tão lisas e seguras, mesmo no interior
do Japão. Não há buracos, crateras e
lugares perigosos como acontece aqui... Até no meio das montanhas, nos
vilarejos perdidos na densa mata, os caminhos são sempre lisos, seguros e bem
sinalizados, de causar inveja aos brasileiros. E o grupo já é tão conhecido em
todos os lugares pela difusão da tevê, que sempre é saudado com palavras de
estímulo de motoristas, que passam pela mesma estrada. E muitos fãs pedem para
tirar fotos com o ator.
Fico imaginado como seria esse programa no
Brasil. Quantos imigrantes, que vieram da Europa e do Japão e os africanos que
vieram forçados, não teriam uns lugares bem guardados no coração, que gostariam de rever? Os alemães que inicialmente se radicaram no
Sul e estão espalhados pelo Brasil; os japoneses que derrubaram matas em Mato
Grosso, no interior de São Paulo e Paraná e estão espalhados pelo país e os
africanos que estão por toda a parte... Todos devem ter um lugarzinho do
coração, que seria sua pátria de verdade... Além disso, o Brasil é imenso e há tantos lugares não
explorados que os brasileiros gostariam de conhecer...
Como gosto de postar fotos no face book,
constato como tem gente por todo o país, que cultiva essa saudade, esse amor
pela paisagem primeira da infância... E
como o nosso país é imenso e poucos podem ter o luxo de rever os lugares de
seus sonhos, as fotos no face ajudam muito a matar saudades...
Há uns dois
anos, percorrendo o Estado de Mato Grosso do Sul, vi muitas casas de tábuas em
fazendas, cercadas de bambuzais. Ora, como sei que os japoneses é que tinham o
costume de plantar bambu, fiquei imaginando como seus antigos moradores
gostariam de rever esses lugares... Só de olhar essas paisagens, me bateu
imensa saudade de um cantinho, onde passei minha infância e adolescência. E me
doeu profundamente ao pensar nas pessoas que, nunca puderam rever suas pátrias
do coração...
Eu tive oportunidade de revisitar os meus
lugares do coração, mas fiquei desoladíssima... Não havia mais nada do que
ficou na memória... A casa ajeitada, o poço que forneceu água saborosa por
décadas, o pé de limão galego, o chiqueiro onde grunhiam porcos famintos, o
curral com o interminável bé, bé, bé dos bezerros chamando suas mães, as tulhas
cheias de espigas de milho e sacos de arroz e feijão, os pés de manga espada e coração
de boi, o terreiro do café cercado de crisântemos, as garagens do caminhão e da
carroça, o pé de amora junto à vasca de bater roupa ... Nada disso existia mais. Transformaram o local
em pastagem e o gado está destruindo tudo. O que mais doeu foi terem soterrado
o poço, de onde tirei tanta água boa e fresquinha. O sabor dela permanece até
hoje no meu paladar...
Quem dera um dia alguém faça um programa
semelhante, para mostrar os cantos escondidos que há neste vasto país. Lugares
esquecidos, mas que falam ao coração de pessoas que por lá andaram, pelejaram e
saíram em busca de outras paragens... E hoje cultivam imensas saudades...
Afinal, não há ninguém que não tenha uma
“pátria natal”, para onde gostaria de empreender uma derradeira Viagem do
Coração, antes de partir para sempre.
Mirandópolis, julho de 2015.
kimie oku in
Muito bom este texto. Vou começar a detalhar melhor as fotos.das minhas viagens.
ResponderExcluirIsso, Poli! Esse programa é fantástico!
ExcluirNão vejo a hora de nas sexta-feira esse programa, sempre na espera que apareça um local que ja estive, teve um bem proximo em Niigata, como é gostoso .... que saudades
ResponderExcluirPrograma sensacional. Me faz imaginar minha vida no Japão(coisa que muito almejo).
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