quinta-feira, 6 de agosto de 2015

                                            Tocar piano

Todas as pessoas nascem com uma determinada habilidade. Umas têm uma voz poderosa, que poderá ser usada para o canto ou para a locução. Outras têm vocação para cuidar de doentes; e outras mais para ensinar, para exercer medicina e salvar pessoas...
Mas, muita gente nem tem vocação, e tem um forte desejo de se realizar em determinada área. Exemplos disso são os meninos que sonham ser famosos jogadores de futebol, corredores de Fórmula Um e meninas que sonham ser modelos ou atrizes famosas... E desperdiçam tempo e dinheiro atrás de um sonho inatingível. Quando despertam, percebem que o tempo passou e eles se transformaram em arremedos de jogadores, corredores e artistas de 5ª categoria, quando não acabam se perdendo pelos caminhos tortuosos...
O negócio é pôr o pé no chão e encarar a realidade. Porque viver é preciso e comer também. Então, estudar e trabalhar é o caminho. Se houver chance, aproveitar e realizar o sonho. Mas, é preciso ter vocação.
Conheci um rapaz que queria ser Odontólogo. Mas, seus recursos não lhe permitiam frequentar uma Faculdade de Odontologia. Então, prestou Concurso num Banco e foi trabalhar. E foi guardando economias. Daí, descobriu que havia uma Agência do Banco que funcionava no período noturno, numa cidade que dispunha de Escola de Odontologia. Então, o moço se transferiu para lá, passou a trabalhar à noite e fez o Curso de seus sonhos. Hoje já é um ortodontista engajado no mercado de trabalho, feliz por ter atingido a meta. E conseguiu se livrar do Banco.
Eu como a maioria das pessoas também tinha um sonho: escrever. No começo pensava em escrever um livro, um best seller para estourar no mundo literário e ficar famosa. Com o passar dos anos, fui percebendo que há muitos e muitos escritores excelentes dando sopa por aí. E suas produções que são de alto nível ficam encalhadas nas livrarias, revistarias e bibliotecas... Concluí então que, não sou páreo para disputar nenhuma porção do mercado literário. E descobri com Lourenço Diaféria que escrevia na Folha de São Paulo, que escrever crônicas é muito estimulante. Crônica é uma espécie de conversa que o autor estabelece com seus leitores, comentando fatos do dia a dia. E serve de desabafo quando se quer reclamar, denunciar, louvar ou aplaudir. Daí a razão porque escrevo essas crônicas. Fazem bem para o coração.
O interessante de uma crônica publicada é que ela dá o retorno imediato. Alguém lê e comenta com outros se achou relevante ou não, se concorda ou não, se valeu a pena ter lido tal texto. Eu particularmente tenho tido muitos contatos por conta dessas crônicas. E os comentários me estimulam a escrever sempre. Isso não me traz nenhum money, mas dá uma satisfação imensa por perceber que muita gente comunga das mesmas ideias. E tenho escrito muito ultimamente, estimulada pelos amigos que leem meus textos no Diário de Mirandópolis e no face book, onde tenho o blogger http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/
Fora isso, tinha também um outro sonho: tocar piano. Gostaria de tocar bonito, obedecendo à partitura corretamente como tem que ser. Sei, porém que não sou habilidosa e nem talento tenho para ser musicista. Só que gosto de ouvir trechos de Bach, Sinfonias de Mozart, de Beethoven, Adágios de Albinone...
Ouvir música erudita é uma coisa fantástica. Certa vez, fui ao funeral do pai de uma amiga. Como não havia ainda Casa de Velório, fui à porta do cemitério para aguardar a chegada do cortejo. Era uma manhã úmida, chuvosa e triste. Havia também outras pessoas aguardando nas proximidades... Como estava sozinha no carro, pus uma fita cassete para ouvir alguma coisa para passar o tempo. Por sorte era uma fita de músicas clássicas, que me encheram a alma de inspiração. Daí, enquanto ouvia Bach, Mozart e Shubert acabei rabiscando uma crônica sobre o funeral que não chegava. E me esqueci completamente dessa crônica. Passados dez anos, ao fazer uma faxina nas gavetas, a encontrei, li e pensei em jogar fora. Não sei porque resolvi dar de presente para a minha amiga. Era uma coisa simples, em que comentava sobre o funeral de seu pai que não vinha, e a música que enchia a manhã sombria. Mas, a música era linda, como sempre foi... E de repente, a minha amiga se emocionou ao ler aquelas palavras. Seus olhos se encheram de lágrimas e me deixou muito confusa. Isso foi há uns dez anos ou mais... Há uns dias atrás, essa mesma amiga me mostrou aquelas folhas de caderno com o meu manuscrito. Ela guardou a crônica como se fosse um tesouro! Coisas que surpreendem e me deixam mais confusa ainda.
Então, gosto de arranhar o piano, que está desafinado quase tanto como eu, e tirar um som para encher minha casa. Não toco para outros, toco para mim. Por isso, se está errado, se o tempo está inadequado, se há pausas demais, se esqueci os bemóis e os sustenidos, vou me perdoando...
Certa noite lá pelas 21 horas, estava eu como de costume tirando um som do piano, quando percebi que havia um pobrezinho agarrado à grade de casa. Acho que era um mendigo, muito mal vestido, que se assustou quando o abordei. Perguntei-lhe se desejava alguma coisa. E ele: “Não senhora! Só quero ouvir a música que está tocando!   Por favor, continue, dona, por favor...”  Isso me deixou boquiaberta. Depois de ouvir mais alguma coisa, ele agradeceu e foi embora na noite escura...
Conheço tanta gente que gostaria de aprender a tocar um violão, um saxe, um violino... Mas, não fazem nada para atingir esse objetivo. Passam a vida sonhando... E acabam frustrados  porque não conseguiram realizar o sonho mais caro. Não importa se você está velho, se não tentar não vai descobrir se leva jeito ou não. E ficar sonhando não dá lucro pra ninguém.
Além do piano, ainda tinha um desejo absoluto: estudar a Língua Japonesa. Fui impedida de fazê-lo na infância por Getúlio Vargas, então Presidente do Brasil, que mandara fechar todas as escolinhas japonesas, que havia entre os imigrantes aqui radicados. Por que ele assim procedeu?  Porque era o período pós guerra e o Japão havia sido derrotado. Como o Brasil fora aliado dos Estados Unidos, o Governo brasileiro temia uma insurreição dos japoneses ... E resolveu fechar as escolinhas japonesas para barrar a cultura de meus pais... E eu fiquei no prejuízo.
Como todos nós vivemos apenas e tão somente uma só vez, achei que mesmo adulta deveria aprender a Língua de meus pais, que é muito difícil. Um dia, decidi que teria que dominar pelo menos parte dessa língua de meus ancestrais, para ser considerada descendente de japoneses. E comecei do princípio, do be a bá japonês isto é, do alfabeto facilitado até chegar aos ideogramas complicadíssimos... Para se ter uma ideia de como é difícil a Língua japonesa, basta lembrar que possui mais de seis mil letras ou símbolos. O alfabeto português possui só vinte e quatro... Acho que após vinte anos estudando sempre, estou dominando cerca de dois mil caracteres apenas...Mas, não importa. Estou brigando com a Língua Japonesa e, com o pouco que aprendi já dá para me comunicar mais ou menos com os japoneses... Tenho certeza absoluta que meu pai se orgulharia do que consegui aprender até agora.  E que meu Japonês, minha fala e meus escritos têm mil falhas, porque venho estudando sozinha, por conta própria, consultando dicionários ingleses, de Japonês para Português e vice-versa; e mais Enciclopédias de Adágios e Provérbios e de Expressões Idiomáticas. Ufa! É difícil demais. Mesmo porque em Japonês há três níveis de comunicação: a primeira é a coloquial, da fala do povo na sua comunicação diária, que tudo permite, até xingamentos...; a segunda é uma linguagem mais contida, de respeito que é usada para se dirigir a pessoas de nível acima do locutor, e requer uma abordagem mais fina, e a terceira é a utilizada por pessoas mais nobres, ou mais importantes da sociedade, como os monges, os militares graduados e pessoas da família imperial...
Como veem, não é fácil estudar Japonês...
Mas, nada é fácil neste mundo. Viver também não é fácil. Todo dia há um desafio e, muita gente não consegue superar as dificuldades que aparecem.  Se tudo fosse fácil, acho que viver não teria graça. Porque o que estimula o homem é justamente vencer os desafios. Descobri isso e vou superando as dificuldades de um jeito ou outro. Viver por viver não tem sentido. É preciso ter um objetivo, uma meta, um sonho... Como estudar, tocar piano, escrever crônicas e praticar uma língua estrangeira. Não importa se não der lucro. Importa que traga uma satisfação e dê um tom, uma cor, um sentido à vida. E seja a realização de um sonho.
Quem não tem um sonho já nasceu morto.
Mirandópolis, julho de 2015.
kimie oku in



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