Tocar piano
Todas as pessoas nascem com uma determinada habilidade. Umas têm
uma voz poderosa, que poderá ser usada para o canto ou para a locução. Outras
têm vocação para cuidar de doentes; e outras mais para ensinar, para exercer
medicina e salvar pessoas...
Mas, muita gente nem tem vocação, e tem um forte desejo de se
realizar em determinada área. Exemplos disso são os meninos que sonham ser
famosos jogadores de futebol, corredores de Fórmula Um e meninas que sonham ser
modelos ou atrizes famosas... E desperdiçam tempo e dinheiro atrás de um sonho
inatingível. Quando despertam, percebem que o tempo passou e eles se
transformaram em arremedos de jogadores, corredores e artistas de 5ª categoria,
quando não acabam se perdendo pelos caminhos tortuosos...
O negócio é pôr o pé no chão e encarar a realidade. Porque viver
é preciso e comer também. Então, estudar e trabalhar é o caminho. Se houver
chance, aproveitar e realizar o sonho. Mas, é preciso ter vocação.
Conheci um rapaz que queria ser Odontólogo. Mas, seus recursos
não lhe permitiam frequentar uma Faculdade de Odontologia. Então, prestou
Concurso num Banco e foi trabalhar. E foi guardando economias. Daí, descobriu
que havia uma Agência do Banco que funcionava no período noturno, numa cidade
que dispunha de Escola de Odontologia. Então, o moço se transferiu para lá, passou
a trabalhar à noite e fez o Curso de seus sonhos. Hoje já é um ortodontista engajado
no mercado de trabalho, feliz por ter atingido a meta. E conseguiu se livrar do
Banco.
Eu como a maioria das pessoas também tinha um sonho: escrever.
No começo pensava em escrever um livro, um best seller para estourar no mundo
literário e ficar famosa. Com o passar dos anos, fui percebendo que há muitos e
muitos escritores excelentes dando sopa por aí. E suas produções que são de
alto nível ficam encalhadas nas livrarias, revistarias e bibliotecas... Concluí
então que, não sou páreo para disputar nenhuma porção do mercado literário. E
descobri com Lourenço Diaféria que escrevia na Folha de São Paulo, que escrever
crônicas é muito estimulante. Crônica é uma espécie de conversa que o autor
estabelece com seus leitores, comentando fatos do dia a dia. E serve de
desabafo quando se quer reclamar, denunciar, louvar ou aplaudir. Daí a razão
porque escrevo essas crônicas. Fazem bem para o coração.
O interessante de uma crônica publicada é que ela dá o retorno
imediato. Alguém lê e comenta com outros se achou relevante ou não, se concorda
ou não, se valeu a pena ter lido tal texto. Eu particularmente tenho tido
muitos contatos por conta dessas crônicas. E os comentários me estimulam a
escrever sempre. Isso não me traz nenhum money, mas dá uma satisfação imensa
por perceber que muita gente comunga das mesmas ideias. E tenho escrito muito
ultimamente, estimulada pelos amigos que leem meus textos no Diário de
Mirandópolis e no face book, onde tenho o blogger http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/
Fora isso, tinha também um outro sonho: tocar piano. Gostaria de
tocar bonito, obedecendo à partitura corretamente como tem que ser. Sei, porém
que não sou habilidosa e nem talento tenho para ser musicista. Só que gosto de
ouvir trechos de Bach, Sinfonias de Mozart, de Beethoven, Adágios de
Albinone...
Então, gosto de arranhar o piano, que está desafinado quase
tanto como eu, e tirar um som para encher minha casa. Não toco para outros,
toco para mim. Por isso, se está errado, se o tempo está inadequado, se há
pausas demais, se esqueci os bemóis e os sustenidos, vou me perdoando...
Certa noite lá pelas 21 horas, estava eu como de costume tirando
um som do piano, quando percebi que havia um pobrezinho agarrado à grade de
casa. Acho que era um mendigo, muito mal vestido, que se assustou quando o
abordei. Perguntei-lhe se desejava alguma coisa. E ele: “Não senhora! Só quero
ouvir a música que está tocando! Por favor, continue, dona, por favor...” Isso me deixou boquiaberta. Depois de ouvir
mais alguma coisa, ele agradeceu e foi embora na noite escura...
Conheço tanta gente que gostaria de aprender a tocar um violão,
um saxe, um violino... Mas, não fazem nada para atingir esse objetivo. Passam a
vida sonhando... E acabam frustrados porque
não conseguiram realizar o sonho mais caro. Não importa se você está velho, se
não tentar não vai descobrir se leva jeito ou não. E ficar sonhando não dá
lucro pra ninguém.
Além do piano, ainda tinha um desejo absoluto: estudar a Língua
Japonesa. Fui impedida de fazê-lo na infância por Getúlio Vargas, então Presidente
do Brasil, que mandara fechar todas as escolinhas japonesas, que havia entre os
imigrantes aqui radicados. Por que ele assim procedeu? Porque era o período pós guerra e o Japão
havia sido derrotado. Como o Brasil fora aliado dos Estados Unidos, o Governo
brasileiro temia uma insurreição dos japoneses ... E resolveu fechar as
escolinhas japonesas para barrar a cultura de meus pais... E eu fiquei no
prejuízo.
Como todos nós vivemos apenas e tão somente uma só vez, achei
que mesmo adulta deveria aprender a Língua de meus pais, que é muito difícil.
Um dia, decidi que teria que dominar pelo menos parte dessa língua de meus
ancestrais, para ser considerada descendente de japoneses. E comecei do
princípio, do be a bá japonês isto é, do alfabeto facilitado até chegar aos
ideogramas complicadíssimos... Para se ter uma ideia de como é difícil a Língua
japonesa, basta lembrar que possui mais de seis mil letras ou símbolos. O
alfabeto português possui só vinte e quatro... Acho que após vinte anos
estudando sempre, estou dominando cerca de dois mil caracteres apenas...Mas,
não importa. Estou brigando com a Língua Japonesa e, com o pouco que aprendi já
dá para me comunicar mais ou menos com os japoneses... Tenho certeza absoluta
que meu pai se orgulharia do que consegui aprender até agora. E que meu Japonês, minha fala e meus escritos têm mil falhas, porque venho
estudando sozinha, por conta própria, consultando dicionários ingleses, de
Japonês para Português e vice-versa; e mais Enciclopédias de Adágios e
Provérbios e de Expressões Idiomáticas. Ufa! É difícil demais. Mesmo porque em
Japonês há três níveis de comunicação: a primeira é a coloquial, da fala do
povo na sua comunicação diária, que tudo permite, até xingamentos...; a segunda
é uma linguagem mais contida, de respeito que é usada para se dirigir a pessoas
de nível acima do locutor, e requer uma abordagem mais fina, e a terceira é a
utilizada por pessoas mais nobres, ou mais importantes da sociedade, como os
monges, os militares graduados e pessoas da família imperial...
Como veem, não é fácil estudar Japonês...
Mas, nada é fácil neste mundo. Viver também não é fácil. Todo
dia há um desafio e, muita gente não consegue superar as dificuldades que
aparecem. Se tudo fosse fácil, acho que
viver não teria graça. Porque o que estimula o homem é justamente vencer os
desafios. Descobri isso e vou superando as dificuldades de um jeito ou outro. Viver
por viver não tem sentido. É preciso ter um objetivo, uma meta, um sonho...
Como estudar, tocar piano, escrever crônicas e praticar uma língua estrangeira.
Não importa se não der lucro. Importa que traga uma satisfação e dê um tom, uma
cor, um sentido à vida. E seja a realização de um sonho.
Quem não tem um sonho já nasceu morto.
Mirandópolis, julho de 2015.
kimie oku in
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