Funerais budistas
Quando mamãe já tinha
ultrapassado os oitenta anos, vivia indo aos funerais de parentes e
amigos. Isso acontecia quase que
semanalmente, e eu lhe dizia que era funeral demais, que deveria ir apenas
quando o falecido era muito amigo. Implicância de filha que não sabia de
nada...
Agora que já passei dos
setenta anos, a ficha caiu e entendi o porquê da mamãe ter ido a muitos
enterros. É que ao viver tantos anos ela havia acumulado uma porção de amigos,
e não poderia deixar de se despedir deles... Só fui entender agora porque
também vou a tantas despedidas... É rara a semana que não ocorra enterro de um
amigo, de um conhecido ou de um parente... Às vezes acontece mais de um velório
na semana, a que tenho que comparecer.
A morte é sempre uma
ocorrência dolorosa para os familiares. E não há nada que possa consolá-los a
não ser um abraço de solidariedade... Mas, como sou de origem japonesa, percebo
as diferenças de um funeral ocidental de um oriental.
De acordo com o costume
cristão, o funeral brasileiro se faz de forma simples, apenas com o ajuntamento
de familiares e amigos, que passam umas horas juntos. E culmina com a cerimônia
religiosa, que consiste numa missa, numa celebração ou no desfiar de um terço,
pedindo o descanso eterno para aquele que está partindo. Acho muito pouco para
a despedida derradeira.
No funeral oriental, que
abrange os chineses, os coreanos e os japoneses, a morte é um acontecimento
muito solene que deve ser partilhado com todos. De acordo com o costume
budista, as esposas de amigos vão à casa do finado e preparam uma refeição
light, para receber todos os parentes e amigos que virão para o enterro. A
refeição compartilhada faz parte da cerimônia do funeral, pois é consumida em
memória do falecido. E todos que comparecem levam um envelope com
certa quantia de dinheiro vivo, para ajudar nas despesas... Isso é um costume
antigo, que remonta aos tempos duros de fome na guerra, em que ninguém tinha
recursos para enterrar seus mortos. O valor mínimo é estabelecido, mas as
pessoas podem ofertar quantias maiores, de acordo com a proximidade com a
família. A soma dessas oferendas serve para pagar as despesas imediatas da
Funerária, do Cemitério e do Cartório. E como salva a família que está de luto!
Essa ajuda mútua é muito providencial. Às vezes, dá até para pagar o Hospital...
Muitas vezes tive vontade de
oferecer esses valores para amigos brasileiros, porque acho de suma importância
aliviar a preocupação financeira, nesse momento de dor e saudade. Mas, não sei
se eles entenderiam...
E a parte religiosa consiste
numa celebração tal qual a brasileira, com leitura de sutras e cânticos, sempre
enaltecendo o Criador e pedindo o descanso eterno do falecido. A diferença está
no palavreado e na língua japonesa. Mas, tudo significa a mesma coisa. E é
feita a oferenda de incenso para iluminar e perfumar o caminho para a
eternidade...
E se os católicos celebram a
missa de sétimo dia, de um mês, de um ano, os budistas também o fazem
igualmente. Missa de sétimo dia, de quarenta e nove dias, de um ano, de três
anos... A de quarenta e nove dias é considerada a mais importante de todas. De
acordo com os ensinamentos de Buda, a alma do falecido não consegue se
desvincular de imediato da família que deixa. Então, ela fica ainda por
quarenta e oito dias pairando sobre a família, com a função de protegê-la, e só
no quadragésimo nono dia é que ela irá embora de vez. Após os 49 dias, a alma
irá ingressar no Mundo dos Mortos, dos Antepassados. Nesse dia ou antes mesmo, a
família convida os parentes próximos e alguns amigos chegados para fazer o
“Miokuri”, ou despedida definitiva. Nesse dia, as dores estarão mais
amortecidas, e a família tem condições de receber a todos com gratidão, pelo
apoio recebido no funeral. Após essa cerimônia termina o tempo de luto.
Estive um dia desses numa
missa de quarenta e nove dias de um familiar muito querido, que partiu. E senti
como os meus ancestrais foram sábios em estabelecer esse costume. Compareceram
os familiares que, realmente conheceram e usufruíram da companhia do falecido.
E a cerimônia foi tranquila, respeitosa e repleta de saudades... Ao ofertar
incensos no altarzinho, tive a nítida impressão que a alma da pessoa estava
deixando esse mundo de verdade. Paz é o que lhe desejei.
Depois da cerimônia, há
sempre uma mesa de chá, degustado por todos os familiares que conversam e
relembram daquele que partiu, enquanto apreciam os petiscos preparados pela
anfitriã. Nesse momento é que os
parentes se comunicam, trocam notícias e comentam fatos passados... É o momento de saudades. Então, cheguei à conclusão que o falecido é que estava recebendo a
todos, e proporcionando um tempo de paz, de reencontro, de união, de
fortalecimento da família...
Nesses tempos duros, em
que tudo está por demais caro e difícil, os parentes deixaram de se visitar. E
a maioria das famílias acabou perdendo o elo, que as ligava às pessoas
queridas. E constatei ultimamente que, é só nos funerais que os amigos
distantes se reencontram e matam as saudades... Os parentes que há décadas não
se veem, acabam se reencontrando movidos pela dor e saudade.
Não posso afirmar que os
funerais budistas sejam mais consoladores e confortáveis que os cristãos...
Mas, há uma diferença gritante nos procedimentos em relação à morte, ao finado
e à segurança financeira da família que fica. Eu me sinto bem com os rituais
budistas, mais ainda com o costume de se reunir os familiares na própria casa,
para essas celebrações.
Os cristãos também deveriam
adotar o costume de ajuda mútua nos funerais...
E as missas ou celebrações deveriam ser na casa da pessoa que faleceu, para reunir os familiares. Seria mais íntimo e reconfortante para todos.
Que tal começarmos a levar
envelopes às famílias de nossos irmãos brasileiros, que partem? É tão
providencial e solidário.
Mirandópolis, agosto de 2015.
kimie oku in
http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/
Parabéns, japonesa!
ResponderExcluirCom experiência, vivência e conhecimento, soube colocar aos seus leitores todo o método utilizado pelo povo oriental "budista" quando da perda de um ente ou amigo querido.
Na posição de membro da Igreja Messiânica participei de vários desses eventos e senti tudo o que você descreveu, durante as solenidades.
Só os orientais para realizarem esses rituais, pois têm culturas milenares e muito respeito com os seres humanos e suas almas.
O Culto aos Antepassados então, é bem diferente dos que os ocidentais cristãos praticam em suas Igrejas.
Abração!
Sempre em sintonia comigo, Ulisses! É isso que me estimula a escrever. Obrigada e um abraço!
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