terça-feira, 15 de setembro de 2015

Paixão por livros...


O primeiro livro que conheci foi a Cartilha Sodré de Benedicta Sthal Sodré. Isso foi em 1949, no meu primeiro ano escolar. Numa escolinha rural, na Escola Mista da Fazenda Santa Emília. Lavínia. Grande sala anexa a uma casa de fazenda, que tinha também um armazém de secos e molhados. Lá vendiam de tudo, mantimentos, pinga, fumo de corda, ferramentas agrícolas, chapéus de palha e alpargatas, ou calçados rústicos de lona e corda.
Quando lembro dessa escola, docemente soam aos meus ouvidos: “A pata nada, pata pa, nada na...” Era a primeira lição da cartilha em que fui alfabetizada. Era uma cartilha em preto e branco, só a capa tinha a cor verde. As lições eram pequenas e simples, sempre repetindo as sílabas que eram para fixar. Tinha também “A macaca é má, macaca má; Osmarina está de vestido novo, essa era para ensinar as, es, is, os, us...” Cada lição tinha uma ilustração simplificada em preto e branco.
Quando terminei o ano, ganhei da professora um livro colorido chamado Papagaio Real e recortado no formato de um papagaio em pé. Era muito bonito e me encheu os olhos com o seu colorido... Eu o li centenas de vezes... Currupaco papaco...Currupaco papaco... Papagaio Real de Portugal.
Depois veio o livro de leitura Meninice, que me encantou de verdade, pelos ensinamentos que passou. Na terceira série, a professora Engrácia Teixeira Martins me presenteou com o livro “Caçadas de Pedrinho”. E aí fui introduzida ao mundo do Sítio do Pica-pau Amarelo: Pedrinho, Narizinho, Emília, Visconde de Sabugoza, tia Nastácia, Dona Benta, o mundo encantado de Monteiro Lobato. Eu me lembro até do cheiro que exalava de suas folhas... Mas, só tive acesso aos demais volumes dessa coleção muitos anos depois.
Como naqueles tempos não havia televisão nem Internet e, morávamos num sítio retirado 18 quilômetros da cidade, o único meio de comunicação era o rádio, movido a pilha. Só era ligado nas horas de noticiário, para economizar a bateria. Não havia luz elétrica, e à noite estudávamos à luz de lamparinas e lampiões de querosene... Tempos duros, tempos escuros...
Livro era uma novidade. Tinha uma linguagem especial e passava lições de comportamento, de higiene corporal, de honestidade, de brasilidade e de preservação da natureza. Era um mundo completamente diferente do mundo bruto, tosco, desconfortável em que vivíamos. Éramos da roça e não tínhamos boas maneiras, era tudo no grito e necessitávamos urgentemente de polimento. E a Escola fez essa parte. Fomos adestrados...

Quando comecei a estudar no Ginásio, que ficava ali atrás da linha na Cunha Bueno, um dia descobri a Biblioteca. Fiquei pasma de ver tantos livros, e tive vontade de ler todos. Sempre que havia uma aula vaga, eu me escondia lá. O primeiro livro se chamava Majupira e não esqueci até hoje. Nem sei se ainda existe, mas era uma história de crianças que amavam sua professora e, formaram um grupo com esse nome, que eram as iniciais do nome da professora Maria Júlia Pimentel Ramos... Nessa época eu devia ter uns 12 anos. Fiquei encantada com essa leitura. E daí em diante não parei mais, li todas as histórias infantis de  Hans Andersen (O patinho feio), de Charles Perrault (A gata borralheira, O gato de botas, Chapeuzinho vermelho), de Lewis Carroll (Alice no país das maravilhas) e as maravilhosas fábulas de La Fontaine. Nessa época li muitos gibis: Tarzan, Capitão Marvel, Shazam!, Roy Rogers, Durango Kid, Zorro, Superman, Capitão América e tantos outros... Nessa época, as escolas condenavam a leitura de gibis, não sei porque...Mais tarde li os nacionais Chico Bento, Cebolinha, Mônica...
Leitura passou a ser como um vício, não conseguia parar de ler. E quando começaram a emprestar livros para ler em casa, pegava o máximo permitido. Não havia tédio nem tristeza na minha juventude e mocidade, tinha os livros. Frequentei as Bibliotecas das Escolas, as da Prefeitura tanto daqui como de Lavínia. Em Lavínia, enquanto esperava ônibus de volta de Tabajara onde lecionava, ia à Biblioteca, onde a bibliotecária Izelda me emprestou dezenas e dezenas de livros. Lia de tudo, romances russos, escandinavos, americanos e, sobretudo livros de nossa Literatura. Quando professora, investi muito em livros. Comprei coleções e coleções de escritores famosos. Adquiri os 51 volumes de Alexandre Dumas, que li, Garcia Marquez, Josué Montello, Graciliano Ramos, Cronin, Drummond de Andrade... Não cabiam nas duas estantes grandes. Aí descobri livros impressos em papel bíblia, que reduzia bastante o número de volumes. E comprei Tolstoy, Shakespeare, Manuel Bandeira, Cecília Meireles. E obras avulsas de Neruda, Gorki, Pirandello, Tennesse Willians, Willian Faulkner, Saramago, Kafka e tantos outros... Cada um deles me ensinou coisas fabulosas dessa vida. Aprendi a enxergar pessoas, situações e circunstâncias pelo viés deles. Um romancista brasileiro não muito divulgado que aprecio muito é o Josué Montello. “Os tambores de São Luís” de sua autoria merece ser transformado em filme, porque retrata todo o sofrimento dos africanos na escravidão do Brasil. Esse livro me marcou muito.

De repente parei de ler. Quer dizer, ler livros de língua portuguesa. Passei a estudar a Língua japonesa e ultimamente tenho lido muitos livros japoneses, precisamente as biografias de heróis da História do Japão. É outro mundo fascinante, o da Literatura Japonesa. É instigante, porque os ideogramas são difíceis de assimilar e estimulam a pesquisar sempre.
Infelizmente, acho que os livros estão condenados. As florestas do mundo chegaram ao fim e, não há mais celulose para ser transformada em livros. Além disso, o mundo digital consegue arquivar bibliotecas inteiras no seu disco rígido. E o Google tem funcionado ultimamente como o Dicionário Universal. E as informações arquivadas estão se avolumando dia a dia, e em futuro próximo os livros se tornarão obsoletos. Infelizmente, porque amo os livros. Bibliotecas estão caminhando para o fim, com certeza.
Tudo passa, tudo muda, tudo se transforma. Essa é a lei da vida. E não tem como mudar isso. Mas, fica um sabor amargo na boca ao pensar que, crianças não folhearão mais os maravilhosos livros que eu li, que me encantaram e me transportaram para o inimaginável mundo da Literatura.
Falando nisso, você se lembra do último livro que leu?

      Mirandópolis, agosto de 2015.
kimie oku in



2 comentários:

  1. Fiquei com curiosidade de ler esse livro Majupira. Vou aqui na Biblioteca Pública de Curitiba emprestar esse livro de 1949 ainda hoje.

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  2. Espero que o encontre. E boa diversão!

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