Fonte de inspiração
Em nossa cidade, há três pontos de referência,
que todos os cidadãos amam, quais sejam
a bela e imponente Igreja Matriz, a Praça Manoel Alves de Ataíde, que maquiaram recentemente com cores inacreditáveis,
e a estação Ferroviária.
A nossa Estação Ferroviária está ali
jogada para as traças, mas já serviu de inspiração para muita gente, mesmo
depois de desativada. Já publicamos “Aquela Estação” de Lupércio Ailton Nery Palhares,
“A nossa Estação Ferroviária” de minha autoria e hoje, estamos publicando “A
Estação do trem “ de Ademar Bispo da Silva.
Cada crônica focou um ponto diferente,
mas todas falam das saudades que a
estação desperta, fazendo-nos relembrar um tempo que passou e não volta mais. Saudosismo puro.
A seguir, leiam e constatem como a
estação que a cidade abandonou, já foi o centro de vida social muito agitada, onde tudo acontecia.
Mirandópolis,22 de junho de 2012
kimie oku in "cronicas de kimie. blogspot.com"
A estação do trem
(Ademar Bispo da Silva)
O Grupo Escolar ficava do outro lado da linha
férrea, onde é o SESI, e a maioria dos alunos morava do lado de cá da
linha.
As cidades da região noroeste se desenvolveram após a
construção da Estação de trem, era um marco civilizatório, e Mirandópolis não
fugiu à regra.
Acontece que durante a construção da Estação
houve uma polêmica sobre de que lado deveria ficar a frente da Estação. Algumas pessoas influentes queriam de um
lado e outras de outro lado.
Segundo
meu pai, mudaram umas duas ou três vezes a direção da frente da Estação,
durante a sua construção. A explicação para este fato é que as cidades sempre
se desenvolviam e cresciam do lado da frente da Estação. Era deste lado
que havia o comércio com seus bares, farmácias, bazares, quitandas e casas
residenciais.
A Estação e a estrada de ferro eram o
marco divisório da cidade – do lado de lá e do lado de cá da linha.
Mirandópolis foi contra todos os prognósticos, desenvolveu-se do lado dos
trilhos, do lado de cá.
Eu tinha sete anos e a maior preocupação da
minha mãe e de outras mães também, era termos de atravessar os trilhos para ir
à escola, do lado de lá. Todos os dias a recomendação era a mesma:- não passe
por baixo do trem, dê a volta. Dar a volta ficava muito longe, os trens de
cargas eram enormes, com muitos vagões. Não havia ainda o “buraco do Savero”.
Desobedecíamos e acabávamos passando por
baixo. Às vezes levávamos sustos enormes, pois quando estávamos passando a
locomotiva soltava um apito atemorizante e começava a se locomover.
Todos os dias tinha trem de carga. O meio de
transporte era aquele. O pátio da estação ficava cheio de carroças que traziam
as produções dos sitiantes, café para o porto de Santos, bananas das chácaras
do Cristovão Leal e do Bento Guilherme, que iam para o Ceasa de São Paulo.
Atravessávamos e ficávamos vendo toda a
movimentação. Os trens transportavam de tudo: de pessoas a animais; de
alimentos a móveis; de correspondências e jornais a rolos de filmes e materiais
de construção. Vinham toras de madeira para as serrarias e os fazendeiros
transportavam o gado para os frigoríficos. Os vagões com o gado, chamados de
gaiolas, tinham um cheiro de bosta de vaca muito forte.
Às vezes íamos até a Estação e ficávamos
admirados com a recepção e transmissão dos telegramas, pelo funcionário
encarregado. Era o código Morse: traço... ponto traço... traço traço... ponto,
não precisava de provedor nem de banda larga.
Nestes horários, principalmente à tarde, a
cidade parava, todo mundo ia à estação, era quase um acontecimento social, com
mulheres e homens colocando suas melhores roupas, as de ir à missa.
Até as putas iam à estação. Chegavam de
charrete, com seus vestidos colantes, suas pinturas fortes e de
sombrinhas. Ficavam num canto, riam alto, davam gargalhadas, chamavam a atenção
de todo. As mulheres de “bem” olhavam de rabo de olho, erguiam o queixo e
murmuravam: - “O que elas querem aqui? Devia ser proibido certas pessoas
freqüentarem lugares públicos.” Algumas destas mulheres eram aquelas que, não
viam a hora do marido ir para o carteado no Clube e, poderem receber seu amante
em casa.
Os homens, muito sérios, arriscavam a dar
uma piscada ou disfarçadamente cutucar o amigo. Logo mais à noite,
deixariam a “patroa” em casa, ouvindo a radio novela “O direito de nascer”, com
Vida Alves, e com a desculpa que ficou serviço para fazer ou a de que
tinham uma reunião política, desciam para a zona do meretrício, para a
casa da dona Neguinha, onde tinha as melhores mulheres, tinha até uma japonesa.
A
molecada corria de um lado para o outro. O chefe da estação batia um
sino, sinal que o trem já havia partido de Lavínia ou Machado de Melo. Corríamos
para ver o trem lá longe, as mães preocupadas diziam:- “Fica perto de mim, vai
cair debaixo do trem.” O trem chega, a locomotiva resfolegando, soltando
fumaça.... Abraços, sorrisos, amores que se encontram, amores que irão partir.
A
molecada correndo, as mães preocupadas, os vendedores atendendo os passageiros
e gritando: pastellll... Olha o pastellll... Quem vai querer????!!!!
- Mãe eu
quero pastel. – Que pastel... Que nada, vai comer em casa.
- Em casa não tem comida. – Não fala
isto moleque, que te quebro os dentes, em casa a gente conversa.
O
chefe da Estação assopra um apito, a locomotiva solta um silvo. O trem vai
partir. É hora das últimas despedidas. Boa viagem... vai com Deus...não esqueça
de escrever...uma lágrima rola. A alegria da chegada dá lugar à tristeza da
partida. Saudades que vão... saudades que ficam.
Acabou a
festa. O pessoal desce para suas casas, para seus afazeres. A cidade volta ao
normal.
E lá vai o
trem:- café com pão...café com pão...café com pão manteiga não...café com pão
Ademar Bispo da Silva
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