Confesso que envelheci
Sempre
achei que as pessoas podiam retardar o envelhecimento, cuidando de si, evitando
alimentos inadequados, cuidando da saúde e da higiene corporal.
Assim,
ultimamente, passei a cuidar mais da alimentação, por conta de diverticuloses e
da pressão arterial, e da pele por causa da alergia de radiação solar. Tudo
isso que, vai se agravando com o passar dos anos.
E
assim, diariamente pratico um ritual de cuidados: remédio para a hipertensão,
suco de fruta light de soja, torradas sem sal, comida com o mínimo de calorias,
caminhada diária, exercícios físicos, cremes e filtros solares. A intenção
única é preservar o corpo, para continuar sendo auto-suficiente. Sem vaidades,
porque nessa altura da vida, isso não conta mais.
E
de um jeito ou outro, tenho dado conta do dia a dia sem depender de ninguém,
graças a Deus. Sete décadas abençoadas.
Mas,
ter um corpo aparentemente sadio não significa que se tem saúde. E isso
constatei recentemente, quando fui fazer umas compras numa loja, em outra
cidade, acompanhada por minha neta adolescente.
Fui
despreocupada, porque achava que estava munida de tudo que é necessário, para
se fazer uma compra tranqüila na loja.
A
loja estava quase vazia, e a funcionária que me atendeu era mui gentil e
paciente. Após escolher as peças necessárias, percebi que havia esquecido o
talão de cheques. Revirei a bolsa e nada. Então a moça do caixa me perguntou do
cartão que tudo resolve. Tirei o cartão e o apresentei. Mas, não me lembrei da
senha numérica. E a minha doce neta, com paciência: ”Calma vó, pense
direito!” E circulamos pela loja à busca de algo, que despertasse minha
memória. Quando julgava ter me lembrado, voltamos ao caixa, mas o computador
recusou a senha que eu pensava ser. Tentei outras senhas, e nada.
Decepcionada,
pensei em desistir da compra. Minha neta, porém, me levou a um caixa eletrônico
numa loja próxima e fui sacar o valor necessário. Aí, a geringonça desbloqueou
a senha, que ainda não havia sido utilizada nem uma vez. Retirei o dinheiro,
graças à senha de letras, e voltamos à loja. E a garota, “Vó, tenta de novo se
é a senha que você pensou!” E assim tentei três vezes, e nada. Não consegui
descobrir os dígitos da numeração até agora...
Com
o valor retirado no caixa eletrônico, consegui concluir a compra. E fiquei
aliviada, porque não tive maiores prejuízos.
Depois
de todo esse vexame, a neta gentil como sempre, me levou para uma nova loja de
departamentos, só para conhecer... Circulamos, vimos muitas novidades e
resolvemos tomar um lanche. Nisso, tocou o celular, avisando que eu havia
esquecido o cartão de crédito, na loja onde fizera as compras...
Daí,
voltamos à primeira loja para recuperar o cartão. E fiquei muito decepcionada.
Percebi que a idade não perdoa. A memória vai se diluindo, mesmo que a gente
não queira. E olhe que procuro sempre ativá-la, lendo, tentando memorizar
datas e telefones importantes. E até navegando na Internet.
Há
umas semanas que tudo isso aconteceu. Fiquei decepcionada comigo mesma, por
vários dias, e bastante incomodada, ao constatar que é um processo
irreversível. E não é por nossa culpa. A plantinha não morre porque quer. A
plantinha não quer morrer. Mas, quando chegar a sua hora, ela acabará
fenecendo.
Entretanto,
por mais que você procure se consolar, buscando justificativas para o processo
da própria decrepitude, nada nos conforta. É que a gente percebe que, com o
tempo tudo isso tende a se agravar, até você não conseguir mais efetuar nenhuma
operação bancária.
A
gente é tal qual uma plantinha, que nasce, cresce, frutifica, depois vai aos
poucos, fenecendo. Essa é a lei natural da vida. Pois o que seria desse planeta
se todos os velhos não morressem? Temos que ceder o lugar para os jovens. Como
seria a vida se todos os humanos não morressem? Não haveria nem espaço para se
pisar nesse chão.
Então,
o jeito é aceitar a velhice, a decrepitude, a perda de memória e tentar viver
com a ajuda dos mais jovens, até o limite que Deus determinar..
E
isso é desolador.
E
esta semana, mais conformada com todo esse drama, fui conferir a carta de
motorista.
Ai
de mim! Está vencida.
Mirandópolis,
15 de julho de 2012.
Kimie
Oku in “cronicasdekimie.blogspot.com”
Kimei, não fique triste isso acontece com todos os seres, mas temos nos alegrar que temos amigos para conversar, dialogar e jogar conversa fora e você está tecendo muitas virtudes que é escrever, e que sabe muito. Eu também ultimamente dou minhas lambadas da vida, eu acho ainda que sou novo, machuquei bringando de bola com meus filhos.Só Deus é eterno.
ResponderExcluirVerdade, Dinho, mas é doloroso constatar que o tempo não perdoa, né? Percebi que por mais que você se cuide, o tempo vai passando e fazendo seus estragos. E o difícil é aceitar. Fazer o que? Ainda bem que tenho muitos amigos, que me ajudam a levar a vida sem estresses. Imagine a tristeza que seria a vida sem um amigo a quem confidenciar esses traumas. E eu tenho um monte de amigos que me ligam e me confortam. Graças a Deus.
ResponderExcluirKimie Oku, voce faz do cotidiano motivos para suas crônicas e as discorre da forma mais inteligível, humana em um compasso leve e gostoso de ler. Isso é escrever e justamente no dia do escritor quero parabenizá-la.
ResponderExcluirQuanto à envelhecer nem me dei conta, voce falou sobre issona sua crônica?
Abçs.
Lupércio Ailton
Ó Lupércio, como você é gentil! Sabe que essas apreciações, os telefonemas que recebo volta e meia, e abraços na rua por conta dos meus escritos é que alimentam a minha inspiração sempre? Tem gente que nem conheço e nunca vi que me abraça num mercado, numa esquina porque se emocionou com as minhas palavras. E outras que me sugerem entrevistas para Gente de Fibra. Isso tudo me toca profundamente, porque percebo que a maioria das pessoas pensa como eu, e não tem oportunidade de se manifestar. Quanto ao Dia do Escritor "Parabéns a nós todos que gostamos de escrever, né?" Um abraço.
ResponderExcluirOi Kimie,
ResponderExcluirVocê falou em 7 décadas no seu desabafo....fique tranquila, minha amiga, ainda não completei 6 décadas e passo por circunstâncias, senão iguais, bem parecidas com as que vc citou...acho que é bem isso que disse, muitas coisas não dependem de nós, de nossos cuidados...é a própria natureza que determina! Então, vamos nos defendendo...rsrs...fazendo a nossa parte, o resto....é com nosso AMIGO lá em cima! Parabéns sempre pelos seus escritos!
Abraço
Joana
Realmente, Joana, a gente tem mais é que agradecer as décadas de vida que o Senhor nos concedeu, né? Poder levantar-se sozinha da cama, ir ao banheiro e fazer o que é preciso sem a ajuda de ninguém, isso é o máximo, mas a gente não se dá conta, porque tudo ainda funciona mais ou menos. Só vamos perceber quanta graça o Senhor nos concedeu, quando a máquina travar, não é mesmo? E muito obrigada pelo incentivo de sempre. Bjs. kimie
ResponderExcluirFaz-me rir o que vocês andam dizendo...
ResponderExcluirEsquecer senha...quiáquiáquiá! Isso não é coisa de velho e sim de pessoa que ainda gosta de usar seu talonário de cheques, que tem o prazer de mostrar sua caligrafia - aquela que aprendeu na escola, que dá valor ao seu autógrafo.
Você, minha amiga, não é velha! Está, simplesmente, idosa. É uma criatura inteligente e que se preocupa muito mais com aquilo que primeiramente vem da alma. Quem tem mente e faz o bem a seus semelhantes de forma altruísta, podes crer, jamais sofrerá com problemas físicos, quiçá mental e ou espiritual.
Fique com ELE, sempre.
E viva a vovó!
Ulisses, suas palavras são um refrigério, são palavras de menino levado e galhofeiro, que brincando, brincando comenta as coisas sérias da vida, mostrando sempre o lado positivo das coisas. Como é bom ter o epírito tão jovem e tão alegre! Você é um poeta com alma de moleque, sabia? Deus te conserve assim!
ResponderExcluirKimie: Com maestria, sensibilidade e fino humor, voce mostra um retrato da vida pelo qual passamos. Por mais que cuidemos da melhora da "melhor idade", ficamos reduzidos à aquela plantinha citada, que nasce, cresce e morre. Abraços do João e Mariinha.
ResponderExcluirJoão e Mariinha, Penso que sou uma pessoa feliz. Tenho amigos selecionados, que "sentem" o que eu escrevo e penso - isso é sintonia. A mim me encanta, quando os meus escritos encontram ressonância no coração dos amigos, e de amigos especiais, que são amigos só por quererem bem ao outro, sem nada em troca. É um privilégio contar com amizades assim, porque além do carinho, há a ligação das ideias, que nos torna iguais.
ResponderExcluirGalhofas à parte a realidade é que aqueles de 6, 7 décadas de vida conseguem se manifestar de forma eclética e com muita sensatez, diferente do que se encontra comparado à décadas menores de idade.
ResponderExcluirAcho que é um sinal evidente que nada melhor que o tempo para amadurecer as pessoas a tentar provar que os tombos levados são muito mais importantes e significativos que as pingas bebidas.
Abçs a todos que postaram comentários nesta página.
Lupércio Ailton