Eles ou nós?
"O Lazinho tá na cadeia......." "O Lazinho
tá na cadeia........." "O Lazinnnnnnnnnnnntá na cadeia". Era a molecada parodiando
a música hebraica para azucrinar o pobre do Lazinho que, com um pau na mão e
resmungando, ameaçava um, corria atrás de outro.... Voltava, porque estavam
arrastando o seu bucho.... Os meninos riam e continuavam a provocação. Os
adultos olhavam e nada faziam, disfarçadamente riam, gostando da
brincadeira.
O
Lazinho era de estatura baixa, barba por fazer, já esbranquiçando, mas uma
barba rala, usava um chapéu de palha, de
abas curtas e sempre com um pau na mão. Podia ter 30 anos como também podia ter
60, não dava para adivinhar sua idade. Muito tímido, sempre de cabeça baixa,
não olhava nos olhos do interlocutor. Não era pedinte, eu diria que era um
andarilho urbano. Era do bem, só ficava bravo quando mexiam com ele. Muitas
vezes vi meu pai dividir a comida com ele. Meu pai era guarda do jardim,
entrava às dezoito horas, eu ia levar o jantar mais tarde. Às vezes, passavam a
noite conversando. Ele respeitava muito meu pai. Nunca me interessei pelo que
eles conversavam. Hoje eu gostaria de saber.
Terminada a gestão do Senhor Geraldo Braga, meu pai foi demitido pelo novo
prefeito, porque, como todo nordestino, gostava de política e, como todo bom
baiano..... Estou dizendo bom baiano, não estou falando de ACM, ele não ficava
em cima do muro. Dizia em alto e bom
som, para quem quisesse ouvir:---“Era Neif e Zico”
.
.
Diferentes do Lazinho, da Linda, da Tonha, que não tinham parentes, ninguém por
eles nem moradia fixa, tivemos outros tipos de pessoas, com familiares, pais e
mães, mas que também tinham um comportamento anormal. Que viviam num
mundo diferente do nosso, apesar de conviverem conosco. Não sei qual dos dois
mundos é o melhor, não sei quem está mais certo: nós ou eles. Como será que
eles nos vêem?
Vivendo neste mundo diferente tínhamos o Jaime Cabelo de Fogo, o Treme
Treme, o Vanô, o Pascoalin.... O Pascoalin era bem apessoado, tinha família,
andava bem vestido, um rapaz vistoso. Meu professor de Latim, o Sanvito,
usava uma citação, quando algum aluno falava alguma besteira, que caberia bem
para ele: “Cita quist filosofus fuisti”**. O Pascoalin tinha corpo de homem,
mas comportamento de criança. Andava pela cidade xeretando, especulando,
entrando em todos os estabelecimentos, não dizia coisa com coisa.
Dizem que num Natal, na casa do Pascoalin, estavam todos reunidos para o
almoço, vieram parentes de fora, amigos mais íntimos também estavam
presentes, o Pascoalin todo contente, falava com um, falava com outro.... Já
sentados à mesa, o Pascoalin fala: ----“Paiê, tá tudo muito bonito, tudo
gostoso.... Por que o senhor não trouxe também a sua outra mulher? Acabou o
almoço.
Ele era rico, bem de vida. Ouviu vozes, abandonou tudo, saiu pelo mundo
pregando amor, paz, compreensão e gentileza.
Vestido com um camisolão branco, tênis “sete vidas” colorido de verde e amarelo
ou de sandálias, barba e cabelos longos, muitas vezes não era
recebido com amor, não teve muita paz no nosso mundo, foi incompreendido e
tratado com rudeza. Carregava suas “tábuas” com dizeres gentis, onde as
consoantes se repetiam muitas vezes. Palavras que estão gravadas nos viadutos
da Lapa, no Rio de Janeiro. Foi agredido em Cuiabá, tendo sua barba cortada e a
cabeça raspada. Tinha lá suas esquisitices, como todos que estão num outro
mundo têm. Se avistava uma moça de calça comprida, falava: ---“Tá com a calça
do papai...” Para quem estava fumando dizia que o cigarro era “a chaminé
do capeta”. Apareceu no filme Uma Rosa para Todos, com Leila Diniz, foi
homenageado por uma Escola de Samba no Carnaval Carioca, foi
representado por Paulo José na novela Caminho das Índias e há uma ONG com
seu nome.
Ele é José Datrino... o GENTILEZA. Ele é de Mirandópolis. É nosso.
Ele distribuía flores.....só flores.
Gentileza gera Gentileza.
Pazzzzzzzz e Amorrrrrrrrrrrr.
Nota: José Datrino, o Profeta Gentileza, está
sepultado em
Mirandópolis.
** se ficasses quieto passarias por filósofo
ademar bispo
** se ficasses quieto passarias por filósofo
ademar bispo
Gentileza, que fascinante pseudônimo para identificar gentil criatura e Jaime Cabelo de Fogo na inocência que contempla os desprovidos de intelgência normal. Duas figuras significativas na história de Mirandópolis e Ademar Bispo com toda sensibilidade e sutileza conseguiu retratar nessa breve e leve crônica.
ResponderExcluirParabéns Ademar Bispo!!!
Lupércio Ailton
Parabens Bispo por mais uma crônica, retratou muito bem as pessoas que para nós eles eram "loucos", mas tinha seu mundo que nós desconhecemos, foram e deixaram nas lembranças de todos, peças de um xadres que até hoje nunca vamos descobrir seus pensamentos, o seu interior era o mundo deles.
ResponderExcluirQuando será que a Editora Chefe juntará todas as crônicas do Demá para publicar um livro? Gostaria de participar da " Orelha ".
ResponderExcluirParabéns ao Demá pela lembrança carinhosa que ele soube, tão fielmente, nos relatar e, à Kimie, que continua colocando os dons das pessoas para outras admirá-los.
Abração aos dois amigos.