Todos os povos têm
seus costumes e suas tradições. E costumes tão diversificados, que deixam os
outros muito admirados. Como venho de origem japonesa, não podia ser diferente.
Lá no Oriente há
tradições, que deixariam os residentes deste lado do mundo boquiabertos, tais
as diferenças de cultura que é praticada. Mas, os costumes e as tradições nasceram
da necessidade de cada povo se adaptar às condições ambientais, para
sobreviver.
Nos primórdios dos
tempos, a China era a potência que dominava aquelas partes do mundo. (E parece
que hoje, ela está avançando e dominando o mundo todo). E todos os países e
ilhas vizinhas, que há aos milhares lá no Pacífico, foram influenciados pelos
costumes do povo do grande continente, como era chamada a China antigamente.
No que concerne à
religião, tanto a Índia como a China foram determinantes para implantar o
Budismo (Buda nasceu na Índia) e o Xintoísmo, no Japão. Os monges desses países
saiam pelo mundo em busca de fiéis, para lhes oferecer ensinamentos, que
conduzissem à vida espiritual, libertando-os da pesada carga de viver sem saber
para quê.
E assim, passaram
milênios e milênios.
E os japoneses, coreanos, polinésios,
havaianos, filipinos, taitianos e demais moradores das inumeráveis ilhas do
arquipélago do fogo, adotaram o Budismo e o Xintoísmo.
O interessante é que todas as famílias no
Japão cultuam tanto o Budismo como o Xintoísmo, sem nenhum conflito.
É que o Xintoísmo está voltado mais para a
Natureza, para reverenciar o Kamissamá, ou o Deus Criador na sua infinita
sabedoria, e respeitar também todas as criaturas por Ele colocadas neste
planeta. O xintoísta aprende a amar todas as obras de Deus, como as plantas, os
animais, os rios, as matas, o ar, o sol, o vento, as pedras, as montanhas, do
mesmo jeito que ama a humanidade.
O Budismo, por outro lado, adota os ensinamentos de Buda, um sábio indiano, que pregou a humildade, a benevolência e o amor ao próximo.
O Budismo, por outro lado, adota os ensinamentos de Buda, um sábio indiano, que pregou a humildade, a benevolência e o amor ao próximo.
É costume no Japão, os fiéis irem ao templo
xintoísta para pedir as bênçãos de Deus para o filho que acabou de nascer,
levando seu nome escrito num papel. Esse local se chama Jinja, ou Santuário de
Deus ou Kamissamá, e para se chegar até lá é preciso passar por um portal, ou
Torii. Este indica que a partir daí, o fiel está pisando em local sagrado. (Réplicas
desses Torii foram construídos junto dos clubes Nipo, em comemoração ao
centenário da Imigração Japonesa ao Brasil).
Os
soldados mortos em combates heróicos nas Guerras tiveram a honra de, ter seus restos
mortais guardados num desses Jinjas, o Yasukuni Jinja, reservado para esse fim,
como o Mausoléu dos Heróis que defenderam a Pátria num momento crucial. Esse fato sempre cria um mal estar difícil de
contornar, porque os chineses que foram combatidos por esses mesmos heróis
japoneses, não os consideram heróis, pois se destacaram matando seus
compatriotas... Volta e meia esse assunto vem à tona, e para garantir o bom
relacionamento com o país vizinho, já se cogitou em transferir essas tumbas
para outros locais, porém, sempre foi fortemente contestado pelos japoneses,
que consideram isso uma afronta para seus heróis.
Bom, mas para que serve o Budismo?
O Budismo ensina o homem a ser generoso não
só para com o próximo, como também para com a natureza, que compreende os
animais, as plantas e tudo o mais que o cerca. O Templo Budista é o Oterá, onde
as pessoas realizam missas pelos mortos, e queimam incensos e velas para
iluminar seus caminhos na eternidade.
E os meus queridos leitores estarão se
perguntando: “O que isso tem a ver conosco?”
É que esta semana fui incumbida de incinerar
um dos símbolos do Xintoísmo, e isso me abalou um bocado.
Os imigrantes japoneses quando chegaram ao
Brasil, trouxeram junto com suas roupas e documentos, todas as tradições da
pátria-mãe. Dentre as tradições, trouxeram os altares de orações, para cultuar
Deus (Kamissamá) e os antepassados. São dois pequenos pagodes que tentam imitar
as construções medievais dos templos japoneses, feitos de madeira.
Um deles, pequenino, contém a estatueta do
Deus oriental, ou a estampa em tecido dourado ou mesmo apenas o seu nome em
ideogramas japoneses. Esse altarzinho, geralmente era colocado num lugar mais
elevado da casa, para demonstrar a importância de Kamissamá na família.
O outro, o Butsudan, era um pagode um pouco
maior, com a imagem do Buda, e com pequenas tabuletas (ihai) contendo nomes dos
mortos da família, para serem venerados pelos descendentes.
Os membros das famílias de imigrantes tinham
o costume de, ao se levantarem de manhãzinha, se dirigir a esses altares e
fazer suas oferendas em forma de orações, de incensos.
No altar do Kamissamá, ou Kamidaná só se
colocava folhas frescas verdes, colhidas de manhãzinha, incensos e se murmurava
orações.
No Butsudan, como se cultuava a memória dos
antepassados da família, as oferendas além de orações, abrangiam também frutas
frescas, uma porção de arroz feito no dia, incensos e flores... Essas oferendas
de comida eram as reminiscências de um tempo terrível, em que muitos japoneses
morreram de fome... E fome era uma tragédia que ocorria ciclicamente no Japão,
devido às guerras e aos cataclismos da natureza, como os terremotos e furacões.
É costume nas famílias de japoneses que, o
primogênito tem a obrigação de dar continuidade ao culto e preservação desses
altares. Como têm ocorrido ultimamente, os filhos brasileiros que adotaram
outras religiões se recusam a dar continuidade a essa tradição. Então, quando
morre o patriarca, surge o problema de quem irá continuar com os costumes da
família. E importa que aquele que der continuidade deve ser alguém, que herdou
o nome da família, isto é, que continue com o mesmo sobrenome do patriarca.
E de repente, o altar do Kamissamá veio parar em minha casa. Pelos preceitos religiosos eu não teria o direito de ficar com ele, porque meu sobrenome é de outra família, não o de meus pais. Mas, até ficaria com ele, na falta de quem o quisesse preservar.
E de repente, o altar do Kamissamá veio parar em minha casa. Pelos preceitos religiosos eu não teria o direito de ficar com ele, porque meu sobrenome é de outra família, não o de meus pais. Mas, até ficaria com ele, na falta de quem o quisesse preservar.
Mas, o altarzinho que tinha cerca de
aproximadamente 70 anos, feito de madeira compensada estava todo roído de cupim
e se desmanchava a um toque mais firme das mãos. Fiquei sem saber como lidar
com isso, e bastante estressada por dias e dias.
Mas era preciso solucionar o problema. Pedi
orientação a um monge budista do Oterá Hongwanji de Araçatuba, que me
autorizou a incinerá-lo...
Não sou budista nem xintoísta, mas senti um
frisson ao ter que executar tal tarefa. Cresci numa casa pobre de roça, sem
nenhum conforto, onde sempre a comida era pouca e a roupa era o mínimo necessário,
mas nunca faltou uma tigelinha de arroz no altar, nem flores e incensos para o
Kamissamá e para os ancestrais de nossa família. E os altares eram sagrados
para nós.
Incinerar? Como? Onde? Com cerimonial?
Disseram que não. Felizmente, meu esposo me deu a força para executar tal
tarefa. Tudo foi feito de maneira simples, mas acendi uns incensos antes para
que Deus me perdoasse tal violência.
E
durante a cremação, que durou apenas uns dez minutos, rememorei todos os meus
antepassados que, juntaram as mãos reverentes diante desse pequenino pagode,
por anos seguidos, pedindo a proteção de Deus para a família. Tive a terrível sensação
que estava cremando os corpos deles, ali diante de mim, e as labaredas pareciam
almas que partiam em busca de outra morada........
Assisti a destruição de um objeto, que para
mim era uma relíquia de família e senti uma dor profunda, como se estivesse
pisoteando algo sagrado. E para preservar pelo menos alguma memória, fotografei
as chamas consumindo o altar.
E em respeito ao próprio Deus Supremo e aos
ancestrais da família, espalhei as cinzas nos meus vasos de flores.
Mirandópolis, 19 de setembro de 2012.
kimie
oku in “cronicasdekimie.blogspot.com”
Legenda:
1. Kamidaná
2. Torii
3. Yasukuni Jinja
4. Buda
5. Oterá
Oi, Kimie!
ResponderExcluirComo cultuei meus antepassados por alguns anos na Igreja Messiãnica, e conhecer de perto um pouco da história dos oratórios, pude avaliar a sua aflição no momento da incineração.
Creio que com suas orações, mesmo sem estar diante do oratório, os espíritos de seus antepassados continuarão a receber luz.
A eles ( antepassados ) , DEUS , nosso Salvador, em vossa infinita misericórdia já concedeu a graça para que pudessem cruzar o portão do céu e encontrarem o consolo eterno no reino do espírito, onde a justiça divina é completa. ( trecho - prece para os mortos - Meishu-Sama ).
Beijão!
Ulisses, como é bom ter amigos que conseguem entrar em sintonia com a gente, e entender os sentimentos que nos afligem. A parte espiritual é para mim sempre um grande mistério, e me sinto insegura sempre que abordo esse tema. Talvez seja falta de fé, talvez seja desconfiança dos ensinamentos que nos passaram, talvez seja ignorância pura. Agradeço de coração suas palavras, que me confortaram um pouquinho. Um abraço.
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