E agora,
José?
A festa
acabou. E agora, José?
Foram três
meses de campanha dura, andando daqui prá lá, de lá prá cá... Gastando as solas
de sapatos, formando bolhas, tomando cafezinhos frios, sucos mornos, comendo
lanches, que hora de almoço era precioso e não podia desperdiçar.
Quando
estava em casa era só para conferir a agenda, prá ver se não havia esquecido de
visitar aquele eleitor amigo, que faz questão de um abraço, de uma visita
pessoal... E conferir se os santinhos darão pro gasto.
E o
telefone tocando o dia todo. Uns eleitores mal acostumados folgando em cima de
candidatos, e pedindo um botijão de gás, porque acabou e não tem grana prá
comprar... e as crianças estão sem comer desde ontem. Ta bom, pega o gás lá no
compadre e diz que depois eu passo lá. Não, acho que vou telefonar... depois
você vai lá buscar, ta?
Então vem
o cabo eleitoral pedindo prá adiantar umas notas, porque a mãe não está
passando bem e é preciso comprar uns remédios caros, que a farmácia popular não
fornece. Puxa! Mas, já lhe adiantei meio salário!
E
enfrentar a via sacra: Vamos mudar de bairro, que lá onde fomos ontem o clima
não estava nada amistoso. Mas, o bairro é de trabalhadores e a maioria das
casas só tem crianças trancadas, que os pais estão todos pelejando pela vida.
Mamãe falou que não é para pegar nada de estranho. Nem santinho deu prá
entregar. Numa rua comprida só três moradores foram amáveis, mas disseram: Nóis
não vota. A gente num sabe ler nem escrever. Tudo bem, vamos em frente que
atrás vem gente. Noutra casa um eleitor zangado, despeja toda a fúria de uma
vida desgraçada na visita inesperada: Vocês vêm cum essa cunversa mole, e
dispois qui ganha, uma banana prá nois. Nunca mais põe os pés por aqui. Vou
votar é nada. Qui qui eu ganho cum isso? Num vem qui num tem.
Saldo do
dia: Zero! Andamos tanto prá nada! Que calor! Puxa! Será que essa chuva vem ou
não vem?Amanhã será melhor, se Deus quiser!
E amanhã,
amanhece com dor de barriga e fica acamado, indo ao banheiro de hora em hora. Será que foi aquele suco, que bebi junto
com o cumpadre lá no boteco? Tava morno e parecia vencido... Mas eu tenho que
sarar, porque os adversários estão de carro de som na rua, bandeirolas e um
bando de cabos eleitorais... Passo na farmácia e tomo uns remédios e vamos prá
luta! Na primeira hora foi tudo bem. De repente, porém a dor de barriga voltou
com força total e não havia banheiro à vista. Foi preciso apelar prá aquele
boteco da esquina, com um banheiro mal cheiroso prá bebum vomitar. Mas era
emergência e não houve escolha... e não havia papel higiênico. O jeito foi usar
santinho mesmo. Mas que papel duro e seco! Amanhã tenho que me lembrar de
carregar papel higiênico... Puxa! Como candidato sofre! Será que os outros já
passaram por isso? Acho que só eu mesmo! Mas, a dor passa e a tarde termina com
o encontro de alguns eleitores fiéis, que prometem votar: Pode deixar, amigo,
que só na família tem 13 votos garantidos! E o candidato vai pras nuvens de
felicidade.
Quando
chega ao Comitê, descobre que acabaram os santinhos, e fica sabendo que o
Partido já lhe subvencionou tudo que tinha direito, e daqui prá frente terá que
arcar sozinho. E tou devendo os folders na Tipografia... E estamos no meio da
campanha! Nunca pensei que a brincadeira ia sair tão caro!
E aí o
telefone toca! É o filho reclamando sua presença na reunião de Pais e Mestres
prá amanhã à tarde. Enquanto está falando com o filhote, chega um amigo, e ele
não pode perder a oportunidade de passar um santinho. Ta bom, filho! Ta bom,
amanhã, né? Pode deixar, eu vou. E aí, atendendo ao amigo nem se lembra mais do
que falou com o filho. Este percebe que o pai está cada vez mais distante e a
revolta lhe cresce no peito de adolescente... Porcaria de eleição... Daí a meia
hora, a mulher lhe grita: Preste mais atenção aos seus filhos! Como vai servir
à comunidade, se não dá nem atenção aos próprios filhos? Ta bom, ta bom, depois
a gente se fala. E desliga..
Mas, vamos
lá, a campanha tem que continuar. Na esquina vê o maior adversário rodeado de
correligionários e puxa-sacos. E vão todos pro barzinho beber uma cerveja. Até
que gostaria de uma geladinha. Mas, a luta continua. Aproveita prá falar mal
daquele candidato prá um passante, que sorri amarelo, provando que é dele.
Quando
volta prá casa, está moído de cansado. Puxa, hoje estou podre! Toma um banho às
pressas, engole qualquer coisa e... A mulher: Aonde vai? Ah! Esqueci de dizer,
tem uma palestra no Centro Comunitário, e não posso perder a oportunidade de
ganhar uns votos... De novo? E a voz da mulher está estridente, e ele não entende
o porquê...
Outro dia!
Chuva! Chuva abençoada, mas como fazer a via sacra com toda essa água descendo?
E escorregando e molhando as barras das calças, lá vai ele abordar alguém, que
lhe dá uma resposta malcriada e o descarta de vez. Aproveita para ir ver uns
amigos de verdade, lá na oficina onde trabalham, e eles prometem conseguir mais
votos. E um deles o chama de lado e lhe pede um emprego pro filho que fica o
dia todo zanzando pra lá prá cá... Tá bom, vou ver, mas primeiro preciso me
eleger. Ah! Não! Tu tá eleito. E com essas doces palavras ecoando até o coração
vai seguindo sua via crucis...
E aí o
Presidente do Partido o convoca para o Comitê. Você só ta preocupado com você.
Esqueceu a campanha do chefe, do Prefeito. Dizem que só tá pedindo votos procê.
Tá errado, companheiro. Tu foi convidado prá acrescentar. É prá isso que o
Partido aceitou a sua participação. Tá certo, Chefe, eu estou meio atrapalhado,
mas vou acertar, podes crer. Oia lá, hein! Fidelidade partidária, viu?
E ele:
Mais essa, quando falo o nome do candidato a prefeito, todo mundo faz cara
feia. É brincadeira? Mas, vamos lá, não falo nada, mas entrego os santinhos
dele, e aí ninguém pode me cobrar nada.
E aí, José
fica tão atarantado com a bronca do chefe, que esquece da Reunião de Pais e
Mestres do filho. Come uma porcariazinha num boteco e emenda o dia com a noite.
Distribui uns santinhos, recebe uns abraços de alguns ex-colegas de escola e
volta às 21 horas para casa. Antes nem tivesse voltado. O pau comeu a
noite inteira e depois, a mulher chorava num canto e o filho no outro. Nem
dormiu direito, sentindo-se culpado, mas achando que ninguém o compreendia e
nem lhe dava apoio. Tou lutando por todos...
Mas,
estamos na reta final. Depois eu conserto tudo. Procurou ser gentil com o
filho, levando-o à escola. Procurou a professora e soube que o garoto não está
indo bem nos estudos. Anda muito distraído, e por qualquer coisa, perde as
estribeiras. Pai, vocês estão com algum problema em casa? Que é isso,
professora? Está tudo bem. Problemas de adolescente, fessora! É, pode ser. Mais
essa! Não posso falar nada prá a mulher, que está uma fera, e pro menino, o que
vou dizer?
Vem
almoçar em casa e diz: Gente, tenham um pouquinho de paciência, que quando o
pai for vereador, tudo vai mudar! Vou ganhar mais e poderei comprar aquele
celular moderninho que você tá querendo. Oba! Vou torcer procê, pai!
Nesse dia
tudo corre bem, conseguiu distribuir muitos santinhos, recebe apoio de alguns
conhecidos e volta feliz prá casa.
E enfim
chega o dia. Quanta gente! Zé, você também tá nessa? É, e conto com o seu
apoio. Mas já me comprometi com o meu vizinho, que me socorre sempre que
preciso. Não posso trai-lo. Tá bem. Boa sorte, compadre! Como será que tá na
outra escola? Será que meus amigos vieram votar? E aí, roda feito barata tonta
de uma escola pra outra. Sempre aquela festa, com bandeirolas e santinhos na
faixa permissível...
Está
tão ansioso que passa o dia só com água. Nada lhe desce pela garganta. Será que
a mulher vai votar em mim? E os meus parentes? Bom, tem aquele que nunca foi
com a minha cara, mas os outros cinco com certeza. E os vizinhos? Prometeram
que metade da família votaria em mim. Então , somando,
cinco mais três, mais vinte colegas de trabalho, mais uns duzentos amigos do
bairro... Ah! E os votos prometidos pelos favores que fiz, mais uns cento e
cinqüenta, mais os amigos de meus pais e seus filhos. Ah! Com certeza, tou lá.
Quem sabe, pego o primeiro lugar. Aí, serei o Presidente da Câmara! Aí sim,
troco de carro e mudo de bairro, que aquele onde moramos é muito chinfrim...
muito pobre. Mereço coisa melhor. E o Zé, de sonho em sonho foi tomado pela
canseira e fome e acabou desmaiando, bem na hora que começaram a anunciar os
resultados.
Horas
depois acordou no sofá, com a barulheira da família: Eu não acredito! Tanto
sofrimento pra nada! Tanto desperdício, socorrendo outros com fraldas
geriátricas, com remédios caros, com botijões de gás, fora as contas de
petiscos e cervejas nos botecos! As corridas de carro de graça pra gente
que nunca vi mais gorda! E só 18 votos? Zé, acorda seu tonto. Vê se
aprende de vez! Tu foi um idiota! Foi usado e não conseguiu nada. Vereador, não
me faça rir. Dá até prá saber quem votou em você! Viu só, prá que serve uma
campanha eleitoral? E pelo amor de Deus, venha dar um fim nesses folhetos e
santinhos que eu não agüento mais ver isso.
Pai, e o
meu celular?
E agora,
José?
A festa
acabou.
Mirandópolis,
8 de outubro de 2012.
kimie oku
in “cronicasdekimie.blogspot.com”
P.S.
Dedico esta crônica a todos os cidadãos simples, que são manipulados
para arrebanhar votos para os partidos políticos. Que acreditam no que fazem
acreditar, mesmo não tendo a mínima chance de chegar lá. Escrevi isto com muita
dor na alma, ao constatar o desempenho dos menos votados. É doloroso demais.
Muito sofrimento, já senti isso na pele fui um candidato no passado. Lição de vida para nunca mais.Acho que eu fui um dos Zé. Abraços Kimie.
ResponderExcluirDinho, é muito humilhante para a família, para os filhos que acham o pai um herói, que finalmente será reconhecido por todos. E nada disso acontece, porque o cidadão inocente, digo inocente mesmo, é apenas usado para eleger os mais cotados. É ou não é? Tem gente que fica arrasada e não tem coragem de encarar os amigos. E ainda tem aqueles que tiram um sarro no coitado. O ser humano é muito cruel.
ResponderExcluirKimie, você tem uma percepção do cotidiano e uma facilidade para descrever situações, além do entendimento da alma humana fantásticos. Muito bonito e real o que escreveu nesta crônica. Parabéns mais uma vez,fico a cada crônica mais seu fã e aguardando a próxima.
ResponderExcluirAbçs,
Lupércio Ailton
Lupércio, é muito bom ser lida por gente como você que me entende, porque falamos a mesma linguagem. Como o ser humano é indefeso, inocente e pobrezinho né? É usado e esculhambado e não se dá conta de que é apenas um instrumento de outros, de Partidos políticos, de bandeiras, de ideologias, de religiões, de loucos fazendo suas camas... Cada dia me espanto como uns conduzem outros, fazendo-os acreditar que é para o bem deles. Você leu o "Alea jacta est"? Obrigada pela atenção e um abraço.
ResponderExcluirCada vez melhor em amiga.....
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