sexta-feira, 7 de novembro de 2014

                                              Gente de fibra - 
Mitsuko e Masaji Tanaka
           
            De vez em quando, não resisto à tentação de contar a história de certos cidadãos nossos. São histórias de gente que batalhou duramente e construiu a cidade, enquanto pelejava para cuidar da família.
Hoje quero contar a história de um casal de idosos, que mora na minha rua e leva a vida numa boa, após anos de trabalho no comércio e apesar da idade avançada.
       É a história da senhora Mitsuko Ijichi Tanaka que nasceu em 1925 em Satsuma Gun, na Província de Kagoshima, Japão.
        Dona Mitsuko nasceu em tradicional família, ou shizoku, cujo avô fora engenheiro e o pai era carpinteiro. Na escala social japonesa da época, havia a Nobreza ou Kizoku, que abrangia os membros da Casa Imperial, parentes e agregados; havia o Gouzoku, que detinha a riqueza e o poder e participava do governo do país; havia o Shizoku, que eram os profissionais de categoria mais elevada e formavam clãs, que mantinham a tradição. Depois vinha a plebe, que eram os operários, lavradores e gente de menos recursos e estudos.
            Como se pode constatar, dona Mitsuko nascera em família privilegiada e tinha perspectivas de um futuro tranquilo e feliz. Conseguiu estudar parte do Curso Primário, aprendendo um pouco do difícil e complicado alfabeto japonês. Teve uma infância feliz na terra natal.
            Entretanto, naqueles tempos dos anos 30/40, o Japão atravessava uma época de muita fome em razão das guerras, e não havia esperanças de um futuro promissor. Então, toda a família acabou se emigrando para o Brasil em 1935. Dona Mitsuko era uma menina de apenas onze anos de idade.
            Após a longa viagem de navio, que levava mais de um mês para atravessar o oceano, chegaram ao Brasil, e foram parar em Lussanvira, que hoje conhecemos como Pereira Barreto. A família Ijichi que era composta de pais e irmãos, dos quais conhecemos o Takaomi e o senhor Takatomo, pai do Riyuichi veio se instalar no Bairro União, onde plantou arroz e algodão. Após um ano, comprou vinte alqueires de mata virgem, que tiveram que derrubar para iniciar a plantação. A derrubada da mata era uma coisa terrível, pois as árvores eram imensas e era necessário queimá-las, antes de pô-las abaixo.
            No local havia outros imigrantes japoneses, que acabaram formando uma colônia, para se unirem e se ajudarem, pois tudo era difícil, a começar pela língua estranha dos brasileiros, que dificultava a comunicação. E também no meio da mata, havia falta de tudo a que estavam acostumados no Japão, onde levaram uma vida até mais confortável. As adversidades eram muitas, mas com a ajuda dos patrícios, conseguiram vencer. Dona Mitsuko trabalhou muito nesse lugar juntamente com a família, plantando e colhendo arroz, algodão e milho. E ela me contou um fato curioso: Sua família morava no Bairro Nova Inhuma e, do outro lado do córrego no Bairro Inhuma, morava a família de minha mãe Torá Tsutsumi, de quem foi amiga desde menina e continuou até ela partir para sempre, há nove anos. E conforme informação de dona  Mitsuko, meus avós Tsutsumi  fabricavam nessa época o açúcar preto, tirado da calda de cana e  o vendia.  E todos os vizinhos iam comprá-lo, assim como a família dela. E a dona Mitsuko foi diversas vezes à casa de meus avós, para comprar esse açúcar. Naqueles tempos difíceis, o açúcar era um produto valioso para todos do lugar.
         Aos vinte e três anos de idade, dona Mitsuko se casou com o senhor Masaji Tanaka, que nascera em Ookowa Gun, Provincia de Kagawa, Japão em 1923. Seus pais eram lavradores.
            Ao se casar, dona Mitsuko foi morar em Bela Floresta, perto de Itapura. Lá trabalhou muito nas roças de algodão. Nesse local, pelejaram por sete anos na lavoura.
            E aí se mudaram para Mirandópolis, trazendo os sogros e dois filhos que lá haviam nascido.
Naqueles tempos, o irmão da dona Mitsuko, o seu Takatomo possuia um Bar lá onde está a primeira loja do Nilton Supermercados. Vieram de mudança e se acomodaram na casa desse irmão, ficando aí por uns três meses.  Quando souberam que a Casa Hombo estava à venda, o senhor Masaji e e senhor Takatomo compraram-na em sociedade. Era um grande Bazar muito frequentado pela população, porque havia poucas lojas na cidade. A Casa Hombo recebeu o nome de Casa Tietê, em homenagem ao grande rio que os donos conheceram em Pereira Barreto.  Para comprar as mercadorias que seriam revendidas, os irmãos Mitsuko, seu Takaomi que era um jovem e o seu Takatomo viajavam periodicamente a São Paulo, e abasteciam a loja.
O sucesso foi grande e acabaram adquirindo outra loja, que se destinaria ao casal Tanaka. Era o Bazar Tietê, na esquina da Rafael Pereira com a Rua Dr. Edgar Raimundo da Costa. Mais tarde, seu Takatomo compraria a Ótica Tietê para o irmão Takaomi, que havia feito um Curso de Ótica. E assim, as três famílias acharam o seu caminho e o meio de sustento.
Dona Mitsuko e o seu Masaji pelejaram por mais de cinquenta anos no Bazar, atendendo a população. Vendiam brinquedos, armarinhos, lãs, linhas, botões, agulhas e tudo que as donas de casa e costureiras necessitavam na época.  Eles moravam no fundo da loja e os filhos ajudavam no atendimento ao público, mesmo quando voltavam de férias das Faculdades que cursavam fora. Na época de Finados, Dona MItsuko fazia coroas de flores de plástico para servir a comunidade nas peregrinações ao cemitério.  Quem fazia os arcos de bambu era o senhor Masaji...
Dona Mitsuko lembra com saudades desse tempo, em que conhecia toda a clientela. O comércio era seguro e tranquilo, não havia necessidade de vender a prazo ou fiado. Todos que compravam, pagavam na hora. Com o decorrer do tempo, seu filho mais velho começou a fazer as compras em São Paulo, mesmo porque ela tinha que atender na loja e cuidar dos demais filhos
            O casal teve sete filhos, que foram deixando a cidade para estudar. E a renda do Bazar deu para manter todos os sete filhos, nas Faculdades que cursaram. Esse é o maior orgulho de dona Mitsuko e seu Masaji.
            Assim, o Takashi se formou Engenheiro pela Faculdade de Engenharia de Barretos, o Hiroshi se tornou Médico-oftalmologista pela Santa Casa de São Paulo, o Minoru seria Engenheiro pela Faculdade de Engenharia de Bauru, o Tadashi  Engenheiro pela Engenharia Federal de Itajubá, a Sachiko seria Odontologista pela Universidade de Mogi das Cruzes, a Eiko e o Shigueru seriam Odontólogos  pela Faculdade Franciscana de Bragança Paulista.
            Como se pode concluir, apenas o Tadashi conseguiu se formar em Faculdade Pública Federal. Os demais estudaram em escolas particulares, que oneraram muito os pais. Mesmo assim, todos conseguiram concluir os estudos e puderam se dedicar a profissões de sua escolha. Para o casal Mitsuko e Masaji foi um tempo duro de economia, pois as Faculdades e as pensões consumiam toda a renda do Bazar. Durante anos e anos, tudo era destinado aos estudos dos filhos. Mas, os pais cumpriram a sua parte, pois o estudo e o encaminhamento dos filhos era prioridade. Nunca tiveram férias, nem luxo, nem vida mansa, era só trabalho e mais trabalho por décadas seguidas...
        
    Mas, o tempo de compensações chegou. Os filhos já bem realizados em suas profissões, patrocinaram duas viagens dos pais ao Japão, onde foram rever uma irmã de dona Mitsuko, que mora em Fukuoka ken. Lá eles reviram os parentes e, visitaram os mosteiros e templos da cidade.
       Além disso, hoje eles são cuidados pelos filhos que, periodicamente voltam ao lar paterno para dar-lhes assistência e carinho. Nessa tarefa, os filhos fazem um revezamento com o filho Hiroshi, que mora na cidade. E levam esses pais já velhinhos para comer fora, para passear e curtir estância de águas. Os filhos são todos casados e a família foi acrescida de sete netos.
         E o mais interessante é que os dois já com 89 e 91 anos são pessoas alegres, de bem com a vida, felizes por terem chegado até aqui. Conversar com eles é ter uma lição de otimismo.
         Dona Mitsuko e seu Masaji Tanaka por tudo que batalharam, por tudo que venceram e pela vida longa de amor aos filhos e netos, é sem dúvida alguma Gente de Fibra!



                


            Mirandópolis, outubro de 2014.

            Legenda:
        
            foto 1.  dona Mitsuko e Masaji Tanaka
            foto 2.  família Ijichi em Lussanvira
            foto 3.  Casa Tietê, antiga Casa Hombo, na Rafael Pereira
            foto 4.  dona Mitsuko no interior do Bazar Tietê
            foto 5.  com filhos e cunhada no Restaurante do Lió
 


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