Lazinho - por
Milton Lima
Trabalhando na Enfermaria de um
Hospital, veio para os meus cuidados um pobre e desidratado caminhante.
Chamava-se Lázaro, mas era conhecido como Lazinho.
Não queria tomar
banho nem aceitar os tratamentos. Convenci-o com muita astúcia dizendo que, eu
era barbeiro profissional e cortava o cabelo de todos os pacientes. Ele
acreditou com a confirmação de outro paciente, meu cúmplice. Concordou e tomou
banho, cortei os cabelos, as unhas e apliquei os medicamentos necessários para
a sua recuperação, que não demorou muito. Antes, porém consegui com o chefe da
Lavanderia que, guardasse um cabo de enxada e um sacão com tudo que pertencia ao
paciente. O homem insistia em jogar tudo no incinerador. Fui até a sua sala e
disse que aquilo tinha muito valor. Valor altíssimo, pois era o mundo do
Lazinho. Era tudo que ele possuía. O chefe não gostou, mas atendeu ao meu
pedido e guardou.
Como havia
aprendido com a Professora Irmã Lacy, naquela profissão eu devia me inteirar
dos problemas do paciente, interessar pelo seu mundo, do qual ele estava
afastado temporariamente, ajudá-lo o máximo possível e assim ganhar sua
confiança. Dizia ela em suas aulas: “Quem não conseguir isso, troque de
profissão!”
Assim aconteceu
e o Lazinho ficou sendo meu amigo. Me chamava de Armito (meu nome é Milton).
Tornou-se um paciente maravilhoso para o bem de sua recuperação, que demorou
menos do que os médicos calculavam. No dia de sua alta, eu estava de plantão.
Ele não conversava com a equipe. Comigo conversava o necessário. “Seu Armito,
cadê o saco com as minhas coisas, o senhor guardou?” “Sim” Fui buscar e lhe
entreguei. Entreguei também o pau.
E ele foi embora
por caminhos sem rumo...
Um dia,
encontrei-o a dois quarteirões de minha residência. Cabeça baixa, só olhava a
metade do corpo de outra pessoa, mas me reconheceu. Aproximou-se e:
“Seu Armito, o
senhor está bom?”
“Bem, e você
Lazinho?”
“Onde o senhor
mora?”
Abaixei um pouco a coluna e mostrei
no descampado de dois quarteirões, a casinha branca onde eu morava. E completei:
“Vai lá” Ele olhou e fez: ”Hum”
E já
distanciando resmungou: “Tou indo pra Aliança!”
Aliança era um
bairro bem distante. Respondi: “Vai com Deus!”
Lazinho era um andarilho conhecido
nos sítios e fazendas. De vez em quando aparecia na cidade, e desaparecia do
mesmo jeito. Às vezes, demorava tanto que surgiam histórias mentirosas
relatando com detalhes a sua morte.
Passado muito tempo fui avisado que
o chefe da Enfermaria queria falar comigo. Fui até a sua sala e:
“Pois não! O que deseja de mim?”
“Estamos com um problema sério no
ambulatório e fiquei sabendo que só o senhor pode ajudar.”
“De que se trata?”
“Tem um paciente lá embaixo que
precisa urgentemente de internação. Encontraram-no caído numa valeta de
enxurrada. Situação periclitante! Está muito bravo, até ameaçando pessoas e diz
que só ficará internado aqui, se seu Armito for lá! Seu Armito é você?”
“Sim, sou eu. Deixe comigo, eu sei
de quem se trata, estou indo para lá.”
Cheguei e pedi que todos saíssem.
Estava quase morto, um molambo, um trapo de gente balbuciando palavras sem
nexo. Se achava perdido. Magrinho de fazer dó, cor de palha. Anemia profunda. A
pele parecia um pano branco encardido. De fraqueza e frio tremia ainda
encharcado de barro. Fechei a porta para conversar. Segurei firme uma das mãos,
com calma ele me reconheceu. Enrolei-o da cabeça aos pés com um cobertor
grande. Aqui vou resumir o relato para apenas dizer que, depois de alguns
minutos ele já estava calminho na Enfermaria, tomando soro sob meus cuidados.
O chefe veio saber e queria vê-lo.
Não consenti e expliquei:
“Não entre aqui agora, o paciente
pediu isso a mim e eu prometi que faria isso por ele. Ele está calmo mas poderá
se alterar novamente.” O chefe compreendeu e foi embora.
Novamente acontecera o que já
relatei da outra internação. Mas desta vez no dia da alta, ele fez um
comentário. Aproximou-se para que eu compreendesse bem, e falou:
“O senhor é bom, igual seu Geromo.”
Seu Geromo a que ele se referia era
um fazendeiro da região.
Perguntei: “Por que?”
“Seu Geromo não atiça cachorro, dá
café e deixa eu dormi no rancho dele. Ele é bom, o senhor tamém é bom.”
Aquilo me fez refletir: “Seu Geromo
é bom mesmo. Eu estou fazendo apenas a minha obrigação, sou pago para cuidar
dos pacientes. Preciso melhorar."
Depois dessa segunda passagem pelo
Hospital, o Lazinho sumiu novamente. Temporada longa sem notícias...
Do livro “Um pouco de açúcar branco”
de Milton Lima.
Milton Lima é um cidadão que morou
muitos anos em Mirandópolis, onde exerceu diversas atividades como Enfermeiro e
como funcionário da CESP. No livro que publicou recentemente há crônicas e
poemas, que falam das saudades da vida do campo. Foi um dos fundadores do Grupo
Ciranda, que tem o objetivo de proporcionar momentos de lazer, para os idosos
solitários da cidade. Atualmente, mora em Campo Grande e está sempre ligado com
os cantores e compositores que cultivam a música caipira de raiz. Sua qualidade
maior é a generosidade de seu coração, que exerce acompanhando amigos idosos e
solitários para tratamento no Hospital de Barretos...
Mirandópolis, junho de 2015.
kimie
oku in
Nenhum comentário:
Postar um comentário