A Solidão
Todas as vezes
que terminamos o encontro mensal da Ciranda, gosto de postar umas fotos no
face, para participar aos amigos locais e de longe como estão os conhecidos
idosos daqui. E as fotos já são um sucesso, pois amigos que moram fora se
encantam de rever pessoas que não vê há anos. Mesmo quem é da cidade fica feliz
de constatar que, certas pessoas estão cantando e cirandando, procurando
driblar a solidão. Numa roda de amigos.
É certo que o grupo não é grande, e há dezenas de idosos que
precisariam estar cirandando com a gente. Mas o local é pequeno, e levar gente
para tumultuar não faz parte de nossos planos. Queremos antes de tudo,
proporcionar segurança e conforto, para o convidado sentir vontade de voltar
sempre.
Tenho sido mal interpretada por algumas pessoas, porque deixo de
convidá-las. É que há um critério para selecionar as mais necessitadas. Considerando
que o objetivo principal da Ciranda é proporcionar um pouquinho de lazer aos
idosos solitários, procuramos selecionar os mais sós, os que estão esquecidos,
que nunca recebem visitas, que não têm uma vida social ativa. E há tantos
idosos nessas condições. A solidão é a maior dor de um ser humano, porque
significa abandono, esquecimento e ingratidão. Muitos avós e pais estão assim
abandonados há anos... Os jovens não têm tempo para dar atenção aos idosos. E
não adianta tentar conscientizá-los... Eles vêm os idosos como carta fora do
baralho, que têm que ficar quietinhos em seu canto, não incomodando ninguém.
Entretanto, mesmo idosos e feios, e desgrenhados, e esquecidos, e sem vaidades,
eles sentem a tristeza dos dias vazios, dos meses vazios, dos longos anos
vazios sem uma visita de um filho, um telefonema de uma neta, um alô de um
amigo. Apesar das limitações da idade, das pernas alquebradas, da visão meio
apagada, da memória lerda, todos ainda sentem vontade de sorrir, de dar uma boa
gargalhada, de receber um abraço de uma pessoa querida... É verdade que a vida
está corrida, e todos estão pelejando atrás do sustento de sua prole, mas um
alô para os velhos da família, um abraço, uma visitinha não atrapalharão os compromissos...
A agenda não é tão cheia assim. A desculpa é sempre falta de tempo e muito
trabalho. Que no mais das vezes é apenas
uma desculpa esfarrapada...
Confesso que eu também fui assim. Preocupada com o bem estar dos
filhos e do marido, muitas vezes deixei de dar a atenção devida à mamãe idosa e
solitária. Quando despertei, ela já estava meio esquecida e ausente... Mesmo
assim, ainda deu tempo para cuidar dela, e proporcionar o conforto da minha
presença nos últimos anos de sua vida. E sou muito grata a Deus por ter me
despertado em tempo.
E no contato com as pessoas idosas que conheci, percebi como
elas vivem sós... esquecidas dos filhos, dos netos, dos amigos. Como dizem os
jovens, a velhice é foda, a velhice é muito triste.
Despertei para essa questão ao conhecer algumas batians que
viviam sozinhas, somente com as cuidadoras. Essas batians falavam em japonês, e
quando as visitava era uma felicidade porque eu entendia a sua fala. A
felicidade de falar na língua materna e ser compreendida! Não sei falar
corretamente, mas entendo bem a língua japonesa coloquial, e a comunicação é
possível. Conheci senhoras muito cultas e finas como a batian Kimiko Kawasaki,
a Natsuko Iwasa, a Someko Miyamaru e outras brasileiras como a dona Onofra, a
dona Palmira, a Lourdinha, a dona Maria... Todas já falecidas, com quem aprendi
muita coisa. Mulheres notáveis que carrego no coração.
E ao prosseguir com os encontros mensais da Ciranda, procuramos
sempre proporcionar uma tarde feliz aos convidados. E recentemente, descobri
que os cirandeiros se alvoroçam totalmente quando tem Ciranda. Vão à
cabeleireira cortar e tingir os cabelos dando um jeito no visual, pintam as
unhas, e escolhem uma roupa diferente e alegre para se animarem. A Ciranda
desperta para a vaidade, para a vida!
E o mais interessante é que lá depois dos abraços e beijos, elas
contam suas peripécias: que foram tratar dos dentes, que a córnea recebida deu
certo, que terminaram as sessões de quimio e radio, que a tosse está parando,
que tomaram a vacina contra a gripe... Que
o neto entrou numa excelente Faculdade... Que viajou uns dias com o filho...
Que participou dos Santos Reis... E há também notícias não tão animadoras... Os
joelhos que não dão trégua, a coluna que incomoda, o esquecimento, as saudades
do filho jovem que se foi...
E assim todos contam as suas mazelas, fazendo uma catarse para
uma amiga, um amigo... E depois, aliviados de suas cargas que incomodam vão
cantar e dançar. E aí é só alegria. Alguém conta uma coisa engraçada e todo
mundo dá uma boa gargalhada. Acredito sinceramente que, a Ciranda deu certo
porque essas pessoas solitárias de repente, se sentem amparadas por tantos
amigos, que as escutam, as consolam, as ajudam a carregar o fardo da vida.
E assim driblamos a solidão mês a mês...
E somos felizes.
Cirandando.
Mirandópolis, janeiro de 2017.
kimie oku in
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