quarta-feira, 14 de março de 2012


             MUNDO SILENCIOSO

       Ultimamente, a poluição sonora tem chegado a níveis assustadores, que comecei a  acalentar um mundo sem barulho, em completo silêncio.
É que do jeito que as coisas vão caminhando, a humanidade ficará surda de vez, não distinguindo nenhum som.
  Tenho consciência de que será um mundo triste, porque uma das alegrias da vida é perceber os sons da natureza, e ouvir música. Música, que é invenção dos humanos para deleitar nossos corações, mas que hoje se transformou numa coisa estranha, barulhenta e ininteligível, que causa apenas estresse.
  Além disso, perderíamos o canto dos pássaros, o murmúrio das fontes e das cascatas, o sopro dos ventos, o tamborilar das chuvas... o rugido das ondas gigantes do mar...
   Entretanto, sabemos que os ouvidos humanos e  dos animais suportam o  som até um certo limite, calculado em decibéis. E que além desse limite, os ouvidos passam a sangrar e chegam a romper o tímpano, levando à completa surdez.
  Certa amiga minha, dirigindo sozinha seu carro em São Paulo, de repente, perdeu a audição. Foi repentino e, no momento que ocorreu, ela não percebeu. Depois, sentiu um zumbido nos ouvidos e, não conseguiu mais apreender os sons nem as falas das pessoas. Ficou tão assustada, que se dirigiu a um hospital pedindo ajuda, e por mais que explicasse que não estava escutando nada, o atendente falava com ela em altos brados alguma recomendação, que ela não conseguiu captar.  Até que ela teve uma ideia e, pediu que o incompetente escrevesse num papel, o que tentava passar. Era o nome de uma clínica para tratar da audição. Ela se sentiu completamente desamparada, como se faltasse alguma parte de seu corpo, e cuidadosamente, dirigiu o carro até sua casa. Lá chegando, desmaiou de puro desespero e exaustão. E depois, chorou. Chorou, porque se sentiu incompleta sem a audição, como se fosse uma estranha, nesse mundo de Deus.
   Os exames a que se submeteu revelaram que, ela tivera um pequeno  colapso vascular, que afetou os tímpanos.  Isso ocorreu há aproximadamente dois anos, e ela só recuperou   parte da audição. Ela aprendeu a ler os lábios das pessoas, e quando lhe falam devagar, consegue “ouvir” parte das falas. E por ser uma pessoa inteligente, deduz o que estão falando, mesmo não tendo apreendido toda a fala. Por sorte, ela continua falando normalmente, e quando surge uma dúvida, pede para repetir o que foi falado. E assim, está conseguindo se comunicar quase normalmente. O difícil é atender ao telefone, principalmente quando não há ninguém em casa. Ela disse que o pior de tudo é, quando tomam conhecimento de sua deficiência; as pessoas começam a gritar junto de seus ouvidos, provocando uma ressonância insuportável, que dá para enlouquecer.
  Com a triste experiência de minha amiga, percebi a importância de nossos ouvidos, e dos cuidados que devemos ter para não torná-los inúteis.
Mas a humanidade ainda não tomou consciência disso. Daí, penso que os ouvidos  em futuro próximo, se tornarão órgãos obsoletos. Porque há uma agressão contínua e totalmente irresponsável, que ninguém atentou para o mal que está provocando. É o barulho ensurdecedor das bombas ou fogos de artifício, para inaugurar pontos de venda. É o som a mil decibéis nos carros, anunciando promoções de lojas.  É o barulho de carreatas de políticos, que já de cara mostram a que vieram, humilhando os adversários derrotados. É a pregação religiosa de certos templos, que incomodam seus vizinhos de outras crenças,  que não estão a fim de ouvi-la, (se estivessem interessados, iriam à igreja, ou melhor dizendo, a esse centro  de barulho ensurdecedor, que  só desperta rancores). É o barulho desvairado de gente que, põe o som no volume máximo, para atormentar os vizinhos, que nem conseguem conversar em suas próprias casas... É o barulho terrível das festas de peão, de shows, de circos, que jamais respeitam os moradores da vizinhança.
Imaginemos, pois um mundo silencioso, em que as pessoas se comunicam apenas com gestos, com textos escritos e ou digitados. A televisão só teria imagens, e os atores precisariam ser verdadeiros Charles Chaplins, para conseguir captar a atenção, e divertir os telespectadores. Os jogadores não xingariam os juízes, e não mais haveria bate-bocas, mas sim, chutes e outras violências que recheiam os shows de futebol por aí, mas tudo, silenciosamente. As novelas e os filmes não teriam fundo musical e nem diálogos. Rádios e telefones deixariam de ser. As buzinas de carros, de trens e os apitos de navios e dos eletrodomésticos seriam abolidos para sempre. Ambulâncias e carros de polícia não teriam mais sirenes. Já imaginaram escolas com trocentos alunos em total silêncio ? Dá para acreditar?
Cães e gatos poderiam miar e latir a noite toda, que não incomodariam ninguém.
Mas, não tendo a audição, o homem precisaria encarar o outro para se comunicar. Seria ótimo. As pessoas olhariam as outras, cara a cara  e não seria uma comunicação impessoal como é hoje, via celulares.... Os médicos olhariam seus pacientes. Os professores olhariam seus alunos. Os pais olhariam os filhos e, perceberiam que estão crescendo...
Vantagens...vantagens...
Mas, o homem perderia uma das principais características que o diferencia de outros animais: a fala.
Para quê falar, se  ninguém escuta?
A humanidade deixaria de falar, de cantar, de gritar, de soluçar... seria muito silencioso, mas também muito triste. E falar é bom e agradável, porque se dá vazão às mágoas, às alegrias e tristezas, lavando a alma...
Deus é sábio, por isso nos dotou de audição e de fala.
Então, é melhor cuidar bem da audição, porque viver sem ela, seria viver pela metade... E é melhor escutar bobagens do que ser surdo, diz a sabedoria popular.
Mas, pelo amor de Deus, abaixe esse som!!!

Mirandópolis, 28 de fevereiro de 2012.
         Kimie oku (kimieoku@hotmail.com)

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