MAMÃE
Veio pequenina do
Japão.
Tinha apenas três anos de idade, e não se lembrava de sua terra
natal, apenas o nome Maebashi, na Província de Gunma.
Veio com os pais e
irmãos, em 1917.
Como seria o Brasil
nessa época?
Quando meninota, sua
mãe faleceu, e ela teve que assumir as tarefas da casa, cozinhando, lavando,
cuidando dos irmãos.
Naqueles tempos, tudo
era rústico, bruto mesmo.
O fogão era à lenha,
as panelas ficavam pretas e, não havia palha de aço pra lustrá-las. Frangos e
porcos eram criados para o consumo da família. Era um Deus nos acuda correr
atrás de frango para matá-lo. Matar porco era dia de festa – todos ficavam
animados, porque haveria carne com fartura, além da linguiça cheirosa, que
ficava defumando perto do fogão. Verduras e legumes só eram consumidos nas
casas, que cultivavam hortas. Arroz e
feijão para o gasto, era semeado e colhido pela família, que mercado nem
existia ainda. (dá uma canseira só de imaginar essa situação, né?)
Mamãe não foi à escola,
porque não havia tempo, nem escola por perto. Sua educação ocorreu na prática,
na execução das tarefas domésticas do cotidiano. Assim, aprendeu a costurar
sozinha; ela colocava a peça de roupa sobre o tecido e cortava seguindo o
molde. (quantas vezes, deve ter errado, e estragado o tecido tão custoso para
comprar...)
Sua vida foi dura,
áspera, cheia de deveres: cozinhar feijão todos os dias, que panela de pressão
não existia, fazer pão uma vez por semana, tirar leite de cabra toda manhã,
torrar café, fazer sabão, cuidar da horta, tratar das galinhas e dos porcos. E
sobretudo, cuidar da prole – ela teve
uma porção de filhos, que criou nem sei como...
Sua vida teria sido
tão triste e frustrante, se não houvesse despertado o seu lado artístico.
Um dia, ela descobriu
o crochê.
Crochê é uma renda,
feita trançando a linha com uma agulha, que tem um gancho na ponta.
Naquela época de
pobreza extrema, não podia comprar linha para crochetar. Mas, ela usou linha de
carretel nº 24, com que costurava a roupa de roça da família. Era a linha mais
grossa de que dispunha, mas mesmo assim era muito fina. Com essa linha branca,
ela fez quadrados belíssimos, que ela emoldura nas fronhas, com desenhos de
flores, borboletas e pássaros.
O crochê era a fuga, o
consolo das horas duras de lida diária no cafezal, na casa e na horta.
Mais tarde, ela faria
outros artesanatos, montando ramalhetes de flores de seda, bordando em ponto
cruz e vagonite, tricotando blusas e meias de lã para os filhos, crochetando
chinelos e bolsas de fio sintético. E também, faria “ikebana” ou arranjo de
flores naturais.
Um dia, ela começou a
freqüentar o MOBRAL ou Movimento Brasileiro de Alfabetização de Adultos, onde
aprendeu a ler e escrever para o gasto. Já era sexagenária, mas sempre queria
aprender mais e mais.
Nessa época, ela
descobriu a religião Messiânica, a que se dedicou de corpo e alma, ministrando
o “Johrei” para as pessoas aflitas e, ou doentes. O johrei é uma oração feita com a mão
estendida sobre a pessoa doente. Mamãe percorreu a pé a cidade toda, para rezar
pelos doentes, por mais de trinta anos...
Mas, o crochê era a
sua ocupação predileta. Onde quer que fosse, levava sempre um novelo de linha e
uma agulha – ao ver uma bela peça de crochê na casa de parentes, amigos ou
mesmo nas salas de espera, ela já tirava uma amostra, para mais tarde fazer
igual. E assim, ela fez centenas de trabalhos maravilhosos com a linha Mercer
Crochet nº 60 e 80, as mais finas, para as filhas, as noras, sobrinhas, netas e
bisnetas.
Deixou uma herança
confeccionada por suas próprias mãos, ponto por ponto, levando horas a fio,
tecendo, tecendo. Agora nós, as mulheres da família, conservamos e usamos essas rendas, com um misto de saudade e
reverência, porque é a mais bela herança que nos deixou.
Toda mulher tem o seu
lado artístico, porque fêmea/ feminina tem a ver com o belo, o delicado, o
agradável. Mesmo em condições adversas,
esse lado artístico pode aflorar, nas mais diferentes atividades.
Há mães que desenham e
pintam maravilhosamente.
Há mães que fazem
bolos primorosos.
Há mães que costuram
com arte, produzindo trajes impecáveis.
Há mães professoras
que compreendem e encaminham seus alunos, com perfeição.
Há mães artistas.
E há mães artistas
nesse mister de mãe.
A essas mães em
particular, dedico essa homenagem, que fiz para mamãe, porque quando se fala em
mãe, a gente só é capaz de pensar na própria, né?
E que tal você também,
deixar registrado o pendor artístico de sua mãe, para a história da família?
Mirandópolis, 04 de maio de 2010.
kimie oku
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