A
alegria de ensinar
Estive
lendo as autobiografias de alguns professores em Transversais 1 e 2 de Rosa
Chimoni, minha amiga virtual do face book e constatei um fato, que me deixou
muito triste.
São
todas histórias bonitas de professores que dedicaram a vida toda à missão de
ensinar. Cada um contou sobre as lutas, os estudos, as dificuldades da vida que
tiveram que vencer e realizar o sonho de ser Mestre. Todas sem exceção são
histórias de profissionais, que honram e engrandecem o Magistério e a Educação.
Mas...
Senti uma tristeza profunda porque ninguém falou da alegria de ensinar e de
aprender. Quando penso em minha vida de professora, o que vem à memória são
aqueles lances de felicidade, aqueles “momentos/eureka!” que vivenciei vendo
crianças descobrindo letras, lendo palavras, formando frases! Crianças tão
acanhadas que se encolhiam de medo no início do ano, participando de
brincadeiras de tabuadas e respondendo corretamente aos desafios dos colegas...
Tímidas demais que de repente, acabam declamando!
Quando
penso na minha longa vida de professora (31 anos!) só lembro de coisas que me
fizeram feliz, muito feliz! Momentos de encantamento. De magia pura. Ser
professora para mim foi descobrir com os pequenos, os segredos mais
interessantes da vida.
Lá
em Tabajara onde ingressei, tive um aluno chamado Estevão, que resolvia as
operações matemáticas murmurando seus cálculos. Ele dizia: “3 vezes sete vinte
e um, fica um e vai dois. 3 vezes 9 vinte e sete, fica sete e vai 2, mais os
dois 4. Muito bem, Estevão. Parabéns!” Assim ele fazia com todas as operações,
e eu achava o máximo! Do jeitinho que eu o havia estimulado!
Numa
escolinha à beira do caminho, no meio de uma pastagem verde, onde cabritos
berravam o dia inteiro havia mais de sessenta alunos... Todos procedentes do
Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas... Todos sem certidão de nascimento! Vieram
como retirantes da seca, para plantar e colher algodão com suas pobres
famílias. Como obrigar os pais a regularizar a situação de seus filhos? Fiz uma
reunião num domingo, porque os pais só tinham esse dia de folga. E lhes disse
que essas crianças não existiam para a sociedade, que se morressem seria muito
difícil enterrá-las legalmente. Foi o maior alvoroço. Eles ignoravam a necessidade
da Certidão de Nascimento! No dia seguinte, nenhum aluno veio à Escola. Aí,
enquanto matutava sobre o que acontecera, passou diante da Escola, o caminhão
do patrão levando todos os retirantes e seus filhos para os registrar na
cidade. E assim pude fazer a matrícula de todos eles! Tenho muito orgulho de ter feito isso. Eu havia contribuído para
melhorar a vida dessas crianças. Isso foi há 55 anos... Hoje todos devem ser
cidadãos engajados no trabalho. Ou aposentados...
No
início do ano letivo, eu tinha o costume de pedir às crianças da segunda série,
a certidão de nascimento. E na primeira página do caderno de Estudos Sociais,
eu orientava para fazerem a sua ficha de identificação: Nome completo, data de
nascimento, idade, nome dos pais, lugar onde moravam. Aproveitava a certidão
para escrever corretamente seus nomes e os dos pais. E explicava a importância
desse documento.
Numa
ocasião em Amandaba, descobri um aluno do sexo masculino que fora registrado
como sexo feminino, devido ao nome que confundia. Chamei o pai e expliquei a
situação, e como era muito cara a retificação, fizemos um rateio entre os
professores para a devida correção. A
família é grata até hoje.
Certa
vez, estava ensinando os alunos da segunda série a escrever com canetas
esferográficas. Nessa época, só se escrevia a caneta a partir da segunda série.
Um menino chamado Samuel tirou a camisa e rabiscou todo o corpo e o rosto. E os
colegas começaram a rir. E eu lhe dei uma bronca! “Samuel, você por acaso é
índio? Índio é que pinta assim!” E ele: “Sou neto de índio, professora. Minha
vó foi pega no laço!” Isso ocorreu há mais de cinquenta anos. Por onde andará
esse Samuel Xavier?
Quando
meu primogênito foi à Pré-Escola, um dia me perguntou: Mãe, por que tenho que
cortar papéis todos os dias na Escola? E eu: Para amolecer os dedos para
aprender a escrever. E ele: Então, não vou mais à Escola. Eu corto papel com a
mão direita, mas escrevo com a esquerda. E não foi mais...
Quando
minha irmã professora de quarta série organizou uma Feira de Ciências, pediu
aos alunos que trouxessem ovos diferentes. E um aluno trouxe ovos de calango.
Molinhos e pequenos. Quando ela indagou como os conseguira, prontamente
respondeu: Apertei a barriga da lagartixa.
E
assim, a gente foi aprendendo com os alunos muita coisa que nem passava pela
nossa ideia.
Já
como Supervisora, visitei uma classe de primeira série, no terceiro semestre. A
professora estava toda atrapalhada com a alfabetização. Era a época da
aplicação da Teoria de Emília Ferreiro, em que o professor proporciona
condições, para os alunos construírem seu conhecimento. Como não sabia
trabalhar com essa forma, os alunos não estavam alfabetizados e isso gerava
só indisciplina. Pedi à direção da Escola que, liberasse os
conjuntos de letras coloridas de plástico, que a Secretaria havia enviado às
Escolas. Estavam todos lacrados, sem usar e a professora nem os conhecia. E eu
havia orientado a Coordenadora Pedagógica, que liberasse esse material para as
professoras alfabetizadoras usarem na sala de aula. Imperdoável falha!
Pedi
aos alunos que se sentassem no chão e distribuí as letras. Foi uma festa! Cada
criança formava os próprios nomes, e palavras que estavam acostumadas a ler no
dia a dia como: Pare, papai, leite, Omo, gol, coca cola e outras que não lembro
mais. A professora ficou tão emocionada e chorou! E me perguntou: “Por que você
não veio antes?” Como lhe explicar que
essa era a função da Coordenadora Pedagógica, que havia na Escola?
Falando
em material escolar, assim como essa Coordenadora que, não deixava as
professoras alfabetizadoras terem acesso aos materiais pedagógicos, conheci um
Diretor de Escola que guardava a sete chaves, as bolas de basquete, de vôlei e
de futebol que a Secretaria da Educação enviava para a Escola. Uma das
professoras de Educação Física que lá atuava e, completava a carga horária na
mesma escola onde eu trabalhava, sempre me dizia que tinha que trabalhar com
bolas murchas, rombudas, descascadas, porque o senhor Sete Chaves de lá não
liberava as novas... E as bolas quicavam no chão e perdiam a direção a que eram
destinadas... E as novas estavam no depósito se deteriorando... Bolas têm prazo de validade, e acabam colando
a borracha externa na câmara interna e aí não prestam mais! Ditadores existem
até em Escolas!
Para
concluir, um fato muito interessante ficou para sempre em minha memória. Um
aluno da Comunidade Yuba, que até hoje só se comunica em japonês, escreveu uma
pequena redação sobre o pai. E a professora ficou atarantada, quando o garoto
escreveu a fala do pai. Usou o alfabeto japonês para reproduzir a bronca, que o
pai lhe dera ao ver as notas do Boletim. Eu me lembro que a professora me
perguntou: Como vou avaliar esse trabalho? E eu lhe disse: Dê-lhe a nota
máxima, pois sabe se comunicar em duas línguas, professora!
Como
vêm, a Escola é um mundo maravilhoso, onde todos aprendem. Os professores
ensinam, mas também aprendem com os alunos. Com sua peleja de todo dia, com a
persistência em vencer etapas, em decorar tabuadas... em escrever corretamente.
Para
mim, Escola significa um campo vasto, onde os milagres acontecem todos os dias.
Para mim foi o caminho da Felicidade.
Mirandópolis,
julho de 2016.
kimie oku in
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