Kizuná
Quando moramos por anos num determinado lugar ou cidade, acabamos mesmo inconscientemente, estabelecendo domínios sobre os locais que mais frequentamos. A padaria, a farmácia, a mercearia, a igreja, a livraria, o bar, a praça, o mercado e até mesmo as ruas vão ao longo do tempo, se transformando em extensão de nossas casas.
Esses locais se tornam pontos de referência, onde pisamos como
chãos a nós pertences. E é tão
confortável saber que o médico estará sempre lá, que o merceeiro oferecerá frutas
e verduras frescas, que haverá sempre um banco na Praça para acolher o
transeunte cansado, que as dores físicas poderão ser aliviadas logo ali na
farmácia.
Quando o sítio que nos pertenceu por trinta e sete anos foi
ocupado pelos novos donos, eu tive a sensação de que eles eram invasores.
Parecia que eles estavam violando um lugar sagrado. Quando o amigo Sérgio vendeu a Livraria que eu
frequentava, eu me senti traída... (E agora? Com quem vou conversar sobre os
livros?)
"Kizuná"/ 絆 é um vocábulo japonês que significa laço, relação, elo, ligação
de afeto, bem querer, apego...
O ideograma de kizuná tem como radical linha, como se amarrasse os
sentimentos para não rompê-los. Kizuná é um sentimento que
desenvolvemos para com coisas, pessoas e lugares que amamos.
Todos nós temos vários e maravilhosos kizunás, porque isso tem a
ver com a alma, a ponto de considerarmos sagrados os lugares onde passamos a
infância, e a casa que pertenceu a nossos pais... São apenas lugares, mas que
traduzem algo que só a gente é capaz de sentir... Porque representam a
infância, a juventude, anos de contato com a terra, com os campos, com as
árvores, com a habitação, com o poço, com os fatos que ali ocorreram.
A sensação de perda, de ter sido traída pela vida quando
perdemos lugares, relíquias e pessoas, só sentimos por causa dos kizunás.
É bem verdade que os sentimentos não morrem com a distância, nem
com o tempo. Mas gente como eu, que viveu
oito décadas, se torna egoísta e não gosta de abrir mão de certas
comodidades. E nada é mais confortável que ter amigos por perto, e lugares que
amamos sempre à disposição.
Daí a dolorosa sensação de traição quando os perdemos...
Mesmo assim, vale a pena passar por tudo isso, porque é nesses
momentos que podemos avaliar a força de nossos sentimentos. Somos puros
sentimentos.
Quando perdemos um kizuná, o círculo da existência vai se
fechando, porque um kizuná nunca
substitui outro.
Kizuná........ 絆
Por isso é tão doloroso viver.
Mirandópolis, fevereiro de 2022.
Texto de 2011, atualizado.
kimie oku in
http://cronicasdekimie.blogspot.com
糸
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