Gente de fibra- Dirce Cury da Costa
Ela nasceu em Rio Verde, Goiás em 1922,
e é irmã do Sr. Jorge Cury, que por décadas exerceu a função de Inspetor de
Alunos, no Colégio Noêmia Dias Perotti.
Nasceu em família abastada, mas ainda
criança perdeu o pai, que veio a falecer repentinamente. Diante dessa tragédia,
sua mãe veio de mudança para Rio Branco, Mato Grosso, onde moravam seus avós, e
acabou se casando em segundas núpcias, com José Haddad, com quem teve mais três
filhos.
Em 1936, a família Haddad veio de
mudança para Mirandópolis, onde abriu A Casa Glória, que posteriormente
pertenceria ao Sr. Assad Abud, com o nome de Casa Santa Glória, e que marcou
época, com os tecidos finos que vendia.
Após vender a Casa Glória, o Sr. Haddad
e família instalaram um restaurante na antiga Avenida Internacional, hoje
Rafael Pereira, bem na esquina, que mais tarde abrigou uma drogaria. E junto do
restaurante, havia uma pensão, onde os viajantes alugavam quartos.
Justamente nessa pensão, se hospedava
um jovem recém formado em Medicina, que viera de Salvador, Bahia, a convite do
Doutor Alípio de Almeida, de Guaraçaí. Este passara a substituir o Doutor
Hermes Bruzadin, como médico da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e, convidou
o amigo da Bahia, para vir trabalhar em Mirandópolis.
O médico baiano tinha personalidade
forte e marcava presença. Era charmoso e seguro de si. Da pensão onde residia,
viu passar uma garota, adolescente ainda, se encantou com a sua beleza e, perguntou
a alguém sobre ela. Disseram-lhe que a menina tinha um pai turco, muito severo,
e ele deu uma sonora gargalhada, dizendo que ela seria a mãe de seus filhos.
Doutor Edgar Raimundo da Costa era o
nome do cidadão, que paquerava a menina da janela do quarto da pensão,
pedindo-lhe para encher a moringa, sempre que a Dirce tirava água do poço. A
única diversão da menina Dirce era ir à estação ferroviária, ver os trens que
chegavam e partiam. A vida acontecia na plataforma da antiga estação...
Com seis meses de namoro, Doutor Edgar
e a jovem Dirce, então com apenas 15 anos de idade, se casaram numa igreja de
tábua, porque ainda não existia a matriz atual. O Celebrante foi um padre de
Valparaíso, porque o monsenhor Epifânio ainda não havia aportado por estas
terras.
Naquela época, o pequeno patrimônio
estava ainda cercado pelas matas virgens, as casas eram todas de tábua, e as
estreitas ruas eram de terra batida. Nem se pensava em serviços de urbanização.
Doutor
Edgar era de uma família muito pobre da Bahia, cuja mãe trabalhou duramente
anos a fio, fornecendo marmitas para trabalhadores, a fim de pagar os estudos
do filho, que queria ser médico. E ele, como médico formado, nunca se esqueceu
do sacrifício da mãe e do padrasto, mandando-lhes sempre, ajuda para a sua
sobrevivência. Mesmo depois que o Dr. Edgar faleceu, dona Dirce continuou
ajudando a dona Cândida, sua sogra..
Após
o casamento, o novo casal foi morar numa casa de tábua na atual 9 de julho, onde hoje está a Agência bancária Bradesco. Foi aí que, o médico começou a
trabalhar como clínico geral. Um ano após, construíram uma casa na atual Rua 9
de julho, esquina com a Rua Dr. Edgar Raimundo da Costa, onde hoje está instalada
a loja de cosméticos Channel. O consultório médico foi construído logo acima, ao lado do atual Santander.
O
senhor Okuhara fazia exames de fezes e de urina, pois os resultados eram
imprescindíveis para os tratamentos. Anos a fio, os dois trabalharam de
parceria, curando os enfermos da época. O senhor Okuhara, que era pai da
advogada, Drª Taeko Okuhara, trabalhara anteriormente, com o Doutor Macoto Ono,
no Hospital Santa Terezinha.
Como
tudo era muito rudimentar, e a região não possuía uma assistência adequada para
os doentes, Dr. Edgar começou a acalentar a instalação de um Posto de
Puericultura.
E
por ser um homem carismático, logo foi convidado a participar da política local
e do Estado. Filiou-se ao P.S.P. (Partido Social Progressista) que fazia
oposição ao Getúlio Vargas, então Presidente da República. Foi nomeado
Presidente Regional do Partido. Tornou-se compadre do Dr. Ademar de Barros,
então Governador de São Paulo, e logo conseguiu o Posto de Puericultura, que
foi instalado inicialmente na Rua São João. O Posto começou com três
funcionários, sob a supervisão do Dr. Edgar, que dividia o tempo com o
atendimento particular, em seu consultório.
Sua
filha Rosalinda, hoje residente em Andradina, lembra que seu pai era um homem generoso.
Certa vez, ele trouxe um homem cheio de feridas, instalou-o na garagem da
própria casa, e o tratou por várias semanas, limpando e medicando as pústulas.
Ele fazia os três filhos, crianças ainda, cumprimentarem o doente, e a Rosa
tinha a obrigação de levar-lhe a comida todos os dias, porque ela é quem mais
refugava a presença de tal pessoa em casa. (O pai ensinava os filhos a respeitarem o
próximo, sem olhar as diferenças). Lembra ainda que, a garagem de sua casa era
uma espécie de ambulatório, onde o Dr. Edgar acomodava os doentes, que
precisavam de mais atenção. Lembra também, que a sua casa estava sempre aberta
para as pessoas, que precisavam não só de atendimento médico, assim como de um
prato de comida. No dia de Natal, o acolhimento era especial, e por isso formavam-se
filas de gente necessitada.
Apesar
de generoso, era um homem muito temperamental e gostava de brigar. Quando o seu
partido político perdeu a eleição para Governador do Estado, saiu armado, para
enfrentar as provocações dos adversários. Felizmente, ninguém o ofendeu, porque
era muito respeitado.
Dona Dirce lembra que o Dr. Edgar foi
Vereador por dois mandatos, chegando a ser o Presidente da Câmara Municipal. Era
sempre o Vereador mais votado. Como Presidente da Câmara, realizou muito por
Mirandópolis. Conseguiu além do Posto de Puericultura, que mais tarde seria o
Posto de Saúde, o Hospital das Clínicas através de um telefonema ao Governador
e compadre Dr. Ademar de Barros. Cidades mais importantes da região também
pleiteavam o Hospital.
Além disso, conseguiu também através do
Governo do Estado, a construção do prédio do Ginásio Estadual, que mais tarde
receberia o nome de Colégio Estadual “Noêmia Dias Perotti”, por onde já
passaram gerações e gerações de jovens, em busca de formação escolar.
Como médico, Dr. Edgar conviveu com Dr.
Aldo, Dr. Cotrin, Dr. Pardo, Dr. Massayuki Otsuki, Dr. Hermes, Dr. Olímpio de
Macedo, Dr. Ono e Dr. Yoshito. Como cidadão, tinha vida agitada, cheia de
compromissos, e a casa estava sempre cheia, com convidados para jantares. Dona
Dirce sempre teve ajudantes para essas festas.
O badalado casal pertenceu ao Rotary Clube
local, à Loja Maçônica, e ao Clube dos 21, que congregava as pessoas de mais
destaque na sociedade, e que pertenciam à Loja Maçônica.
Mesmo ocupado com tantos compromissos,
ele tinha tempo para a família. Era um homem feliz, e a dona Dirce sempre
esteve ao seu lado, em todos os momentos, participando de todos os eventos.
Dona Dirce tem boas lembranças desse
tempo. Lembra dos famosos bailes com Gregório Barrios, Carlos Galhardo, Nélson
de Tupã, Pedrinho e sua orquestra, e Sílvio Caldas, de quem era amigo pessoal
desde os tempos de Salvador.
Esses
bailes ocorriam no B.A.C. ou Bandeirantes Atlético Clube, que ocupava o salão
sobre a loja Vigorelli, à Rua Araçatuba, hoje Rua Gentil Moreira e, mais tarde
no Clube Atlético de Mirandópolis, o C.A.M.
Mas a
vida social agitada, muito uísque e muita comida acabariam estragando a saúde
do médico. De repente, adoeceu, com problemas nos rins e, acabou falecendo em
28 dias.
Naquela época, não havia ainda, o recurso
do transplante de rim, que era a única forma de salvá-lo. Faleceu no Hospital
São Paulo, para onde foram o seu cunhado Jorge Cury e o amigo Luís Veroneze,
buscar o corpo, para enterrar aqui em Mirandópolis, conforme seu desejo, porque
amava esta cidade. Era o dia 19 de janeiro de 1955, e estava com apenas 41 anos
de idade.
Vida breve, cheia de realizações...
Dona
Dirce era uma viúva de 33 anos. Ficaram órfãs três crianças: Rosalinda com
apenas 13 anos, Eloísa Helena com 9 anos, e o Edgarzinho com 7 anos. A perda
foi um choque não só para a família, mas para toda a população.
A
sua morte repentina deixou a cidade completamente sem liderança, em todos os
sentidos. Mesmo o cachorro Duque, que era amado pelo Dr. Edgar, após a morte
deste, foi diariamente ao cemitério,
durante uns três meses, e ficava
chorando sozinho diante do túmulo...
Após a partida do companheiro, amigo e
esposo, com quem vivera apenas 18 anos, dona Dirce se dedicou ao trabalho.
Administrou durante uns dez anos, o Restaurante do Clube Atlético de
Mirandópolis, que acabou passando para o irmão Jorge e sua esposa Luizinha.
Depois, dona Dirce se associou com a amiga Dinorah numa livraria, com quem
ficou um tempo. Para estudar os filhos, ela se transferiu para Campinas, onde
também administrou um Restaurante, por anos. Seus filhos estudaram e a
primogênita se tornou Professora
Primária e de História, a Eloísa Helena, que faleceu recentemente, foi
Professora de Filosofia na F.M.U. e o Edgar é Cirurgião Dentista em Campinas. Além
dos três filhos, ela tem um genro, três netos e dois bisnetos.
Quando os filhos se tornaram
independentes, dona Dirce foi morar em Poços de Caldas, onde ficou por dezoito
anos.
Em 1995, a Escola que leva o nome do
célebre médico, em Mirandópolis, prestou uma belíssima homenagem póstuma ao Dr.
Edgar, que comoveu toda a família.
A lembrança mais bonita que dona Dirce
tem do seu amado esposo é a alegria que ele possuía em viver. Era arrojado,
cheio de entusiasmo e, sabia o que queria da vida, era enfim um homem feliz.
Sabia cativar as pessoas ao seu redor.
Ela
viveu apenas dezoito anos com ele, mas foi muito feliz, e viveu esses anos
todos, cuidando da família que formou com ele, e grata por ter sido esposa de
um homem tão especial. Nunca mais se casou.
Toda essa bonita história de amor faz a
gente pensar em predestinação. Não há outra maneira de explicar o encontro
dessas duas pessoas; ele, nascido em Salvador, Bahia e ela, nascida em Rio
Verde, Goiás, virem se encontrar e se unir para sempre, aqui em Mirandópolis.
E
se devemos bastante ao Dr. Edgar, em termos de benefícios para a comunidade
mirandopolense, devemos outro tanto à dona Dirce, que conseguiu cativá-lo e
mantê-lo aqui, numa cidadezinha perdida no meio das matas, onde ele realizou o
sonho de transformá-la, para o conforto de toda a população da época, e de
todas as gerações que viriam depois.
Dona Dirce está com 90 anos, mora em
Andradina, a uma parede da filha Rosa, e do genro Dilmo que se desvelam em
cuidados e carinho. É também uma senhora de bem com a vida, e diz que ainda tem
um sonho: Quando chegar a sua hora, irá contente, com a absoluta certeza de
encontrar o seu amado esposo, que diz ter sido o seu único e verdadeiro amor.
Que certamente estará á sua espera.
Mirandópolis, 30 de março de 2012.
kimie oku
in”cronicasdekimie.blogspot.com”
Post
scriptum : Dedico esta narrativa à ilustre família de Dr. Edgar Raimundo da
Costa, como uma pequena homenagem póstuma, ao nobre médico, que tanto fez por
Mirandópolis.
Maravilhoso tudo que escreveu!Emociou-me bastante.
ResponderExcluirDesculpe o ~erro:EMOCIONOU-ME....
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