Mas, no final da vida, ao se desapegar
das coisas terrenas e desejando de alguma forma, conservar essas preciosidades
com o mesmo cuidado e zelo, ela os doava a amigos, que sabiam o valor
inestimável de um presente dado de coração.
Lembrei dessa história tão linda, ao
lavar as peças de porcelana e cristais, que também conservo com carinho, pela
mesma razão daquela senhora. Cada peça que fui lavando tem uma história, e traz
lembranças de pessoas, que um dia cruzaram o meu caminho, e tiveram a gentileza
de me ofertar coisas tão delicadas e finas.
Tenho taças douradas de cristal, que pertenceram
à mamãe, e que durante anos e anos, ela conservou sem usar, para não
quebrá-las. Nunca foram usadas e não tiveram serventia alguma, mas, o fato de
terem pertencido a ela, de terem sido manuseadas por suas mãos, tornaram-nas
tão preciosas, que as conservo como tesouros.
Tenho bules e chávenas de chá e café
com desenhos delicados, que sempre me trazem a lembrança do casal, que nos
presenteou por ocasião do casamento, há quase cinqüenta anos. A imagem deles
ficou eternizada, tão jovens ainda, nos pires e xícaras, que estão comigo há
décadas.
Tenho xícaras de café tão bonitas, com
asas cheias de arabescos, que me lembram sempre a querida amiga artista, que me
presenteou.
Tenho chaleiras e copos japoneses de
tomar chá, que ganhei de familiares, e toda vez que tomo chá neles,
imediatamente, a lembrança dessas pessoas me vem à memória. Então me assalta
uma imagem meio confusa, das gentis feições dessas pessoas queridas, misturada
aos inigualáveis desenhos chineses e japoneses dos copos.
Quando toco nesses objetos, faço uma
viagem no tempo, e rememoro tantas lembranças boas, que rechearam a minha vida.
Taças de cristais e peças de porcelana são, sempre lembranças de bons
momentos, que ficaram marcados para sempre.
Ainda há um aparelho de jantar, que recebi
de colegas de trabalho, também por ocasião do casamento. É tão lindo, com
desenhos de flores e filetados a ouro, que me encantam toda vez que os vejo. E me levam até
Amandaba nos idos da década de 60, onde trabalhei com colegas que, por
recomendação do Diretor da época, escolheram o conjunto mais belo que havia na
praça. E é realmente belíssimo. É de
encher os olhos.
Desde que o primeiro homem pisou esta
Terra, muita coisa mudou. No princípio, comia-se com as mãos naturalmente, sem
usar nenhum acessório. Depois, foram
adotadas cumbucas para se beber água. E aos poucos, inventaram outros
meios de melhorar a postura, que resultou no uso de talheres e pratos e copos.
Há, entretanto nas selvas de várias partes do mundo, gentes que ainda vivem
naturalmente, coletando frutas e caçando e pescando. Vivem sem utensílios de
cozinha e móveis desnecessários. Vivem uma vida simples, sem complicação. E são
felizes, sem nenhuma parafernália, que lhes complique a rotina do dia a dia.
Entretanto, nós, criados no meio dessa
vida moderna, já fomos treinados a usar pratos e talheres. Se formos
surpreendidos comendo arroz, feijão e macarrão com as mãos seremos
ridicularizados, e seremos alvo de
escândalo e chacota.
Tenho
consciência que, taças e porcelanas são artigos desnecessários, que a gente
conserva apenas pelo valor sentimental e por agradar os olhos. Ninguém deixará
de viver bem, se não possuir alguns deles. Sei também de gente que, muito amou
suas peças, e cuidou delas, com o mesmo carinho que dedico às minhas.
Um dia, li por sugestão do amigo Milton
Lima, o poema da ilustre poeta goiana, Cora Coralina, “O prato azul pombinho”.
É uma verdadeira obra de arte. Ao lê-lo, o leitor vai visualizando o prato com
todos os desenhos, e seguindo a história como se fosse uma história em quadrinhos, que os mesmos vão narrando. A
narrativa é tão bela, que o leitor fica desejando ter o objeto nas mãos, para
conferir a narração. Eu mesma fiquei com vontade de ter conhecido o prato azul
pombinho...
Sempre que tenho em mãos, peças tão
delicadas e belas de porcelana e de cristal, penso na capacidade infinita de
criação do homem. Desde os primeiros vasos de barro, que o homem primitivo
produziu, até as preciosidades que se vêm nos antiquários hoje, quanto tempo
transcorreu! E quanto de imaginação e de inteligência foi usada, para os artistas
irem aperfeiçoando suas técnicas.
A inteligência humana é inesgotável.
É lastimável que ela não esteja voltada
para o bem estar, do futuro da humanidade.
O homo faber é capaz de feitos
incríveis.
Mas, o homo sapiens se limitou a criar
coisas, e deixou a sua inteligência ser superada pela obsessão de produzir e, possuir coisas.
Mirandópolis, 24 de março de
2012.
kimie oku (cronicasdekimie.blogspot.com)
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