Ficar só
Antigamente,
mamãe vivia indo aos funerais de amigos e parentes, e eu ficava pensando que
era exagero demais. Porque ela já era idosa e muitas vezes fazia as romarias a
pé.
Naquela época, eu não havia atentado que
por ter vivido bastante, tinha muitos amigos de longa data, que iam partindo
para sempre... E ela tinha muitos, muitos amigos e conhecidos. E por ter
frequentado a Igreja Messiânica e a Budista seu grupo era bastante grande.
Mamãe era uma simples senhora, que convivia em paz com todo mundo e, gostava de
acudir as pessoas em apuros, para lhes dar o seu apoio. Era muito generosa.
Mas, um dia sua missão se encerrou e
partiu serenamente para junto de Deus. E tenho a certeza absoluta que ela deve
estar muito bem lá.
De uns tempos para cá, eu comecei a ir
aos funerais, seguindo as pegadas de mamãe. São tantos amigos e parentes que
partem, que às vezes acabo indo ao velório de dois amigos ou mais, numa mesma
semana. E foi então que, entendi porque mamãe não saía dos velórios... Amigos
queridos partem e, a gente tem que prestar uma homenagem na sua hora
derradeira, para que a terra lhe seja leve, que seja bem recebido junto do
Senhor, e continue velando pelos seus lá de outro plano. Mesmo que seja apenas
para fazer uma oração, e dispensar um pouquinho de nosso tempo...
E com isso, tenho percebido como meus
amigos estão ficando sós, perdendo seus pares. A bem da verdade, são mais
viúvas que viúvos... Mas, é sempre muito triste a partida de alguém, que
partilhou a vida durante vinte, trinta, quarenta ou mais anos com o outro ou
outra que acaba ficando só.
Se analisarmos nossas ações desde o momento em que nascemos,
tudo se encaminha para um fim real e doloroso. Tanto é que alguém disse que,
começamos a morrer no momento em que nascemos, o que não deixa de ser verdade.
E a morte é sempre dura, inevitável e doída. E alguém me disse certa vez, que
Deus fez tudo perfeito, desde o nascimento até a idade da velhice, mas que se
esqueceu de dar uma melhorada na morte para não ser cruel. (Blasfêmia?)
De qualquer forma, a morte é inevitável.
Então, por que a gente se entrega de corpo e alma à outra pessoa, vibra com
ela, caminha com ela, torce por ela, sofre por ela e vive com ela? A gente se
apega demais ao parceiro, sabendo de antemão que um dia seremos separados, que
um dia teremos que aprender a andar sozinho outra vez, a falar sozinho, a
chorar sozinho, a viver sozinho...
Conheço tanta gente que mora sozinha,
que fala só com seus botões, que chora ao perceber sua profunda solidão, que
olha pra trás e sente saudades imensas... e isso é uma doença sem cura, fruto
do apego sentimental de uma vida inteira... Fazer o quê? O ser humano é
sentimental por natureza e passa a vida a rir, a chorar, a gritar, a imprecar,
porque é assim que ele manifesta o seu estado interior.
E eu agradeço todos os dias a presença
do meu parceiro, porque não gosto de solidão, de não ter com quem falar,
brigar, trocar opiniões, comunicar sentimentos... Um dia, falei para um amigo
que comprasse um papagaio, pois ele reclamava que não tinha com quem conversar.
E ele me respondeu: “Um papagaio? Ele não responde, só repete o que eu falo!”
provando assim que já tivera um, e fora decepcionante.
O que acho mais terrível e doloroso é
não poder chamar o nome da pessoa que já morreu. A gente se habitua a chamá-la
todos os dias, todas as horas, até sonhando e de repente, chamá-la perdeu o
sentido, porque não haverá resposta. E é isso que deve doer demais. Aprender a conviver
com sua ausência é muito doloroso.
O ser humano é gregário por natureza e
não consegue ficar só. E todos estão predestinados a encontrar a outra metade,
o outro eu que lhes complete e os torne uno, salvo algumas exceções. Quando encontra
o seu parceiro, a vida deslancha de forma tranquila e cheia de sonhos. E aí se
constrói uma família, que passa a ser a razão de sua existência. E então, parte
para a luta para prover a prole, e garantir um lugar seguro só seu, para o bem
estar de todos. O trabalho passa a ser fundamental para que tudo corra bem.
E os filhos crescem, estudam, se formam
e partem para as suas realizações. E o casal fica só de novo, mas com os
corações recheados de esperanças... E convivendo com os netos que vão chegando,
os dois vão envelhecendo. E a engrenagem corporal começa a falhar aqui e ali,
dando sinais de que a missão está terminando. E um dia, a morte vem visitar a
casa, arrebatando um dos parceiros... E em seu lugar vem morar a tristeza, a
saudade. E a solidão passa a ser a sua companheira de todos os dias. Alguns sabem
encarar essa fase com coragem e determinação, outros se entregam a depressões,
tornando difícil a missão dos filhos que velam por eles.
Li certa vez o depoimento de um cidadão,
que havia se separado de sua esposa. Ele disse que a solidão é dura e pesava
muito em pequenas ocorrências do seu dia a dia. Se ele esquecia a janela aberta
de manhã ao sair para o trabalho, à noite ao voltar constatava que, a janela
esteve aberta o dia todo e a chuva havia molhado a sua cama... Se ele não
molhasse o vaso de flores elas acabariam morrendo, porque ninguém iria
molhá-las. Se ele não recolhesse as roupas do varal, elas ficariam à mercê do
sol, do vento e da chuva... Quando se tem um parceiro, esses pequeninos
detalhes passam até despercebidos, mas garantem a harmonia da convivência e o
conforto dos dois.
Por tudo isso é muito difícil viver só.
E para não sofrer tanto depois,
deveríamos ser menos apegados uns aos outros. Não é?
Mirandópolis, setembro de 2014.
kimie oku in http://cronicasdekimie.blogspot.com.br/
Olá Kimie! Eu quando era criança costumava ir ao cemitério com minha mãe. No dia 2 de Novembro era o dia em que os parentes mais distantes se reuniam em volta da sepultura da família para ficar lembrando e falando sobre a vida. Por mais estranho que pareça era um dia festivo. Muitas flores, jazigos pintados de cal, frutas sendo vendidas nas ruas, ambulantes e muitas velas. Depois que cresci deixei de ir aos velórios. A maioria daquelas pessoas que se reuniam naqueles "encontros" anuais não existem mais e hoje perdemos o hábito de nos reunir em datas específicas, mas apesar disso, continuam "vivos" em nossas memórias. Abraços / Alex
ResponderExcluirÉ verdade, Alex. Tudo isso passou. Mas, os mortos da família continuam vivos em nossos corações, porque todos nós temos uma forte ligação com os antepassados. Ligação de sangue, de história, de lutas e de sofrimentos. Por isso não conseguimos esquecer.
ResponderExcluirAbraço. kimie