quinta-feira, 30 de outubro de 2014


      Quatro anos cirandando
    
     A Alice do Jornal Diário me pediu uma entrevista sobre a Ciranda. E ela me enviou uma lista de perguntas, que procurarei responder de forma sintetizada
   Durante uns dez anos, tive o prazer de relacionar-me com a saudosa senhora Natsuko Yuassa, mãe do nosso respeitado e mui competente médico Dr. Roberto.  A minha relação com essa senhora foi a propósito da Língua Japonesa, que eu estava determinada a estudar. E encontrei nela uma mestra muito gentil, sábia e generosa. O começo foi um desastre, pois ela só falava japonês e eu não entendia nada. Mesmo assim, insisti e graças à infinita paciência dela, começamos a nos entender. E aprendi muito, muito com ela.
Passei a frequentar a sua casa, e ficava horas ouvindo-a falar do Japão, dos costumes dos japoneses, de poesia, de sua vinda ao Brasil, e os anos difíceis que enfrentou como uma mocinha imigrante, num país totalmente estranho.
Mas, ela morava sozinha na casa e sua vida era muito solitária, e aí comecei a acalentar um sonho:  queria levá-la a um lugar no campo, junto da natureza para passarmos as tardes conversando... E escrevi a crônica “Solidão” em que falo desse sonho, de realizar um encontro de pessoas idosas e solitárias, para esquecer a solidão. Do sonho até sua concretização demorou um bocado, porque não achava parceiros que me ajudassem nessa empreitada. Lembro-me que a inesquecível amiga Marilena Arantes Romero Gonçalves ofereceu sua ajuda, mas já estava acamada e impossibilitada de esforços maiores...
E um dia, o senhor Mário Dias Varela leu a crônica e veio me oferecer ajuda. Reunimos os amigos voluntários:  Mílton Lima, Ana Maria Jacomelli, seu Egídio Vicente de Souza,  Ikuko Kazi,  dona Mary Magro e o Júlio César Galbes e  traçamos alguns itens para nortear o Grupo. E realizamos a primeira reunião da Ciranda, no dia 15 de outubro de 2010. Foi na Cozinha Caipira, e havia cerca de vinte participantes, dentre os quais o saudoso Professor Walter Sperandio, a Enfermeira Lourdes Codonho, o Comerciante Egídio de Souza, que hoje não mais estão entre nós.
E a partir daí, realizamos um encontro por mês. E o grupo cresceu, chegando a ter mais de sessenta pessoas. Felizmente, recebemos convites para cirandar em vários lugares, como na linda Chácara do Professor Gabriel Tarcizzo Carbello, do Milton Lima e no Clube daAABB, mas acabamos nos acomodando na Chácara do senhor Albertino Prando, que fica na área urbana.
O que mais nos alegrou foi a participação dos músicos da cidade, a começar pelo sanfoneiro Albertino Prando e seu amigo pandeirista Toninho, que animava todos os encontros. Além desses, nos ajudaram o seu José Olyntho e o senhor Pedro Squinca, com o violão, o Professor Valdevino com sua viola. E mais a dupla Gerval e Jovanini, que se dispõem a tocar sempre que não têm compromissos. A viola e a sanfona dão o tom da festa. O pessoal canta, dança, brinca e as horas passam que ninguém percebe. Em cada encontro, brincamos de ciranda. Todos de mãos dadas formamos uma grande roda, que vai girando, girando ao som da sanfona, enquanto uns e outros declamam poemas, fazem declarações de amor, oram, ou leem belos textos selecionados. E foi pensando na roda de mãos dadas de todos os participantes, que nomeamos o grupo de Ciranda. Na hora de cirandar, cada um tem alguém à direita e à esquerda segurando firmemente a mão, para se sentir seguro e não mais sozinho.
Estabelecemos três regras fundamentais para a Ciranda: Os voluntários têm que dispor de seu tempo para conduzir os idosos com cuidado; Não discutir sobre Religião e nem Política e Não vender nem cobrar nada. Os voluntários têm que colaborar ainda com salgados e doces, para o lanche de todos, além de dar atenção e conversar com os idosos.
Realizamos até agora, quarenta e cinco encontros, todos com muito sucesso, sem nenhum incidente. Lá não tem diretoria, ninguém manda em ninguém, não tem mensalidade. A única obrigação é comparecer e curtir a companhia dos amigos.
Selecionamos as pessoas que são convidadas: Têm que ser pessoas sozinhas, que realmente precisam de uma distração, que nunca recebem visitas, que não têm vida social. E não aceitamos gente que quer apenas ampliar seu círculo social.
Além do mais, não dispomos de espaço muito amplo para comportar muita gente. Então ficamos com o grupo de quarenta a cinquenta pessoas apenas, para cuidar bem de todos. Mesmo porque há gente que usa bengalas, andadores e até   quem usava cadeira de rodas; então é preciso muito cuidado e atenção, para garantir a integridade física de todos.
Infelizmente, não estamos conseguindo atender a todos que precisam de atenção, justamente por falta de espaço e falta de voluntários. A maioria que convido, quer ir lá de vez em quando, só para festejar e não se conscientizou que, o objetivo é outro e muito mais profundo do que um clube de festas.
Diante dessas circunstâncias, resolvi apelar aos amigos que formem outros grupos de Ciranda. Podem ser Cirandas de bairros, de parentes, de vizinhos, de colegas de trabalho... A Chiquinha e eu nos dispomos a ajudar na fundação e organização, porque há tanta gente necessitada de carinho e atenção. E levam a vida numa tristeza sem fim, sem uma visita, sem uma alegria, sem uma esperança. Com cinco voluntários dá pra começar um grupo, é só ter boa vontade.
No último dia 15 de outubro, comemoramos quatro anos de Ciranda. Nesse período, perdemos oito cirandeiros, mesmo porque todos são idosos.  Ficou a lembrança de sua alegria cirandando antes de partir para sempre. Mas, outros amigos foram convidados e acredito que mais de cem pessoas já passaram pelo grupo...
O Grupo Ciranda não discrimina, nem dá destaque social a ninguém e não tem fim lucrativo, político ou religioso. O único objetivo é proporcionar um pouco de alegria aos idosos solitários da cidade. Tudo funciona à base de boa vontade, carinho e atenção.
Já somos um grupo forte, e fomos convidados a realizar a Cirandada na AMAI (Asilo) da cidade. Lá deu para perceber como todos os idosos são carentes...
Que tal, amigos formar mais grupos de Ciranda? Há tanta gente aposentada, que vive estressada por falta de atividade, e tempo sobrando. É apenas uma reunião por mês, mas é tão gratificante, porque proporciona tanta felicidade aos velhinhos...
E um dia, todos nós vamos passar... O que vamos deixar para a humanidade?

Mirandópolis, outubro de 2014.





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