domingo, 29 de janeiro de 2012

                Pardalzinho

      O pardalzinho nasceu livre.
      Quebraram-lhe a asa.
      Sacha lhe deu uma casa,
       água, comida e carinhos.
       Foram cuidados em vão:
      A casa era uma prisão,
       o pardalzinho morreu.
      O corpo Sacha enterrou
      no jardim; a alma , essa voou
       para o céu dos passarinhos!

      Dentre centenas de poemas de Manuel Bandeira, esse é o que mais me toca. Imagino que, o grande poeta se referia a si mesmo, ao falar do pardalzinho.
      Manuel Bandeira foi cronista, crítico literário e de artes, tradutor e poeta. Traduziu obras famosas de Shakespeare, Schiller, Bertold Brecht, Morris West, Jean Cocteau e outros. Muitas peças traduzidas por ele foram encenadas.
   O poeta nasceu em Pernambuco, lá pelos idos de 1886, sendo conterrâneo de João Cabral de Melo Neto (Morte e Vida Severina), que também aprecio muito.
   Procedente de famílias de engenheiros, políticos e advogados, tinha tudo para ter um futuro brilhante e feliz.
     Queria ser arquiteto e, entrou na Escola Politécnica de São Paulo. Contudo, foi acometido pelo mal do século, a tuberculose e, teve que interromper os estudos.
     Essa doença limitaria sua vida, tornando-o muito inseguro e infeliz.
    Para amenizar a doença, que não tinha cura na época, seu pai usou todos os recursos possíveis, e o mandou ao Sanatório de Clavadel, na Suíça. Após um ano de tratamento, em 1914 estourou a Primeira Guerra Mundial e, ele teve que voltar para casa.
    Mesmo não tendo resolvido seu problema de saúde, sua passagem pelo Sanatório foi bastante positiva, porque lá, reaprendeu a língua alemã, que havia estudado no colégio; e mais que tudo, conheceu Paul Éluard e Gala e, o famoso pintor Salvador Dali.  Éluard, Gala e Dali também estavam se tratando da tuberculose.
    Éluard seria conhecido na Europa toda, como o Poeta da Liberdade, pelo seu empenho em combater o nazismo, que se instalara na França. Ele conseguiu despertar a Resistência Francesa, com o seu poema Liberté.
    A convivência com intelectuais da época, seria comum na vida de Bandeira.
    Assim, seu círculo de amigos era formado dentre outros, por famosos da Literatura como Mário de Andrade, Menotti Del Picchia, Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto... Era um grande poeta entre outros tantos.
    Todos os seus inumeráveis textos em prosa, ou crônicas que escreveu para os Jornais são muito belos, como o Queijo-de-Minas, que é poesia pura em prosa.
    Bandeira passou a vida toda numa insegurança total, limitado pela tuberculose. Às vezes, fazia graça sobre a própria doença, ironizando-a em poemas, como em "Pneumotórax".
    Mas perpassa sempre, uma tristeza constante, porque  sua vida foi truncada como a do pardalzinho, de quem lhe quebraram a asa.
    Não há em sua biografia, o registro de uma mulher, com quem tivesse se relacionado de verdade.
    E parece que justamente isso, foi a causa de sua tristeza maior.
    Apesar de ter sido reconhecido publicamente, e ter recebido prêmios e honrarias, e viver cercado sempre de gente famosa, sua melancolia parecia não ter fim. Era um homem solitário, doente e muito triste, como em:
      Andorinha lá fora está dizendo:
       -“Passei o dia à-toa, à-toa!”
      Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste!
      Passei a vida à-toa, à-toa.

   Ele deixou centenas de belos poemas, e é difícil escolher qual é o melhor. Gosto muito de "Irene no céu" e "Os sapos", que foi o abre alas da Semana de Arte Moderna de 1922...  ...e... Não resisto à tentação de reproduzir o poema “Momento num café", que é uma verdadeira crônica, em forma de poema:
      Quando o enterro passou,
      os homens que se achavam no café
      tiraram o chapéu maquinalmente.
      Saudavam o morto distraídos.
      Estavam todos voltados para a vida.
      Absortos na vida.
      Confiantes na vida.
     Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado,   
    olhando o esquife longamente.
   Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade.          
      Que a vida é traição.
      E saudava a matéria que passava,
      liberta para sempre da alma extinta.

      Mas a tristeza de Bandeira pela vida sem amor, sem saúde e sem felicidade ficou registrada, como num testamento para a posteridade, no poema
      "Vou me embora para Pasárgada":
      Vou me embora para Pasárgada.
      Lá sou amigo do rei.
      Lá tenho a mulher que eu quero,
      na cama que escolherei.
      Vou me embora para Pasárgada
       ....................
      E quando eu estiver mais triste,
      Mas triste de não ter jeito.
      Quando de noite me der
      vontade de me matar,
      - Lá sou amigo do rei -
      Terei a mulher que eu quero,
      na cama que escolherei.
      Vou me embora para Pasárgada.
    
    É impossível ler Bandeira e, não se condoer de sua tristeza sem fim. Vida sem amor.
   Entretanto, a imensa tristeza que foi sua companheira inseparável, com toda a certeza foi a inspiração, para produzir  uma obra tão bela e tão vasta.
     Sem a doença, talvez tivesse sido apenas mais um arquiteto.
     Sem a doença, não teria conhecido Paul Éluard, que era amigo de Pablo Picasso, autor de Guernica, que retratou o estrago da Guerra na Espanha.
    Sem a doença, talvez não tivesse percebido a tristeza da vida sem amor.
     Sem a doença enfim, não teria percebido o vazio da vida.
    Sem a doença, Bandeira não teria sido Bandeira, o poeta maior do Brasil.

      Mirandópolis, 23 de janeiro de 2012.
                                 kimie oku
                 

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