Pardalzinho
É impossível ler Bandeira e, não se condoer de sua tristeza sem fim. Vida sem amor.
O
pardalzinho nasceu livre.
Quebraram-lhe a asa.
Sacha lhe deu uma casa,
água, comida e carinhos.
Foram cuidados em vão:
A casa era uma prisão,
o pardalzinho morreu.
O corpo Sacha enterrou
no jardim; a alma , essa voou
para o céu dos passarinhos!
Dentre centenas de poemas de Manuel Bandeira, esse é o que mais
me toca. Imagino que, o grande poeta se referia a si mesmo, ao falar do
pardalzinho.
Manuel Bandeira foi
cronista, crítico literário e de artes, tradutor e poeta. Traduziu obras
famosas de Shakespeare, Schiller, Bertold Brecht, Morris West, Jean Cocteau e
outros. Muitas peças traduzidas por ele foram encenadas.
O poeta nasceu em Pernambuco, lá pelos idos de 1886, sendo
conterrâneo de João Cabral de Melo Neto (Morte e Vida Severina), que também
aprecio muito.
Procedente de famílias de engenheiros,
políticos e advogados, tinha tudo para ter um futuro brilhante e feliz.
Queria ser arquiteto e, entrou na Escola
Politécnica de São Paulo. Contudo, foi acometido pelo mal do século, a
tuberculose e, teve que interromper os estudos.
Essa doença limitaria sua vida, tornando-o muito inseguro e
infeliz.
Para amenizar a doença, que não tinha cura na
época, seu pai usou todos os recursos possíveis, e o mandou ao Sanatório de
Clavadel, na Suíça. Após um ano de tratamento, em 1914 estourou a Primeira
Guerra Mundial e, ele teve que voltar para casa.
Mesmo
não tendo resolvido seu problema de saúde, sua passagem pelo Sanatório foi bastante
positiva, porque lá, reaprendeu a língua alemã, que havia estudado no colégio;
e mais que tudo, conheceu Paul Éluard e Gala e, o famoso pintor Salvador
Dali. Éluard, Gala e Dali também estavam
se tratando da tuberculose.
Éluard seria conhecido na Europa toda, como
o Poeta da Liberdade, pelo seu empenho em combater o nazismo, que se instalara
na França. Ele conseguiu despertar a Resistência Francesa, com o seu poema
Liberté.
A convivência com intelectuais da época, seria
comum na vida de Bandeira.
Assim, seu círculo de amigos era formado
dentre outros, por famosos da Literatura como Mário de Andrade, Menotti Del
Picchia, Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto... Era um grande poeta
entre outros tantos.
Todos os seus inumeráveis textos em prosa, ou
crônicas que escreveu para os Jornais são muito belos, como o Queijo-de-Minas,
que é poesia pura em prosa.
Bandeira passou a vida toda numa insegurança
total, limitado pela tuberculose. Às vezes, fazia graça sobre a própria doença,
ironizando-a em poemas, como em "Pneumotórax".
Mas perpassa sempre, uma tristeza constante, porque sua vida foi truncada como a do pardalzinho,
de quem lhe quebraram a asa.
Não há em sua biografia, o registro de uma
mulher, com quem tivesse se relacionado de verdade.
E parece que justamente isso, foi a causa de
sua tristeza maior.
Apesar de ter sido reconhecido publicamente,
e ter recebido prêmios e honrarias, e viver cercado sempre de gente famosa, sua
melancolia parecia não ter fim. Era um homem solitário, doente e muito triste,
como em:
Andorinha lá fora está
dizendo:
-“Passei o dia à-toa, à-toa!”
Andorinha, andorinha,
minha cantiga é mais triste!
Passei a vida à-toa, à-toa.
Ele deixou centenas de
belos poemas, e é difícil escolher qual é o melhor. Gosto muito de "Irene
no céu" e "Os sapos", que foi o abre alas da Semana de Arte
Moderna de 1922... ...e... Não resisto à
tentação de reproduzir o poema “Momento num café", que é uma verdadeira crônica,
em forma de poema:
Quando o enterro passou,
os homens que se achavam
no café
tiraram o chapéu
maquinalmente.
Saudavam o morto
distraídos.
Estavam todos voltados
para a vida.
Absortos na vida.
Confiantes na vida.
Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado,
Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado,
olhando o esquife
longamente.
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e
sem finalidade.
Que a vida é traição.
E saudava a matéria que
passava,
liberta para sempre da
alma extinta.
Mas a tristeza de
Bandeira pela vida sem amor, sem saúde e sem felicidade ficou registrada, como
num testamento para a posteridade, no poema
"Vou me embora para
Pasárgada":
Vou me embora para
Pasárgada.
Lá sou amigo do rei.
Lá tenho a mulher que eu
quero,
na cama que escolherei.
Vou me embora para
Pasárgada
....................
Mas triste de não ter
jeito.
Quando de noite me der
vontade de me matar,
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu
quero,
na cama que escolherei.
Vou me embora para
Pasárgada.
É impossível ler Bandeira e, não se condoer de sua tristeza sem fim. Vida sem amor.
Entretanto, a imensa tristeza que foi sua
companheira inseparável, com toda a certeza foi a inspiração, para
produzir uma obra tão bela e tão vasta.
Sem a
doença, talvez tivesse sido apenas mais um arquiteto.
Sem a doença, não teria conhecido Paul
Éluard, que era amigo de Pablo Picasso, autor de Guernica, que retratou o
estrago da Guerra na Espanha.
Sem a
doença, talvez não tivesse percebido a tristeza da vida sem amor.
Sem a doença enfim, não teria percebido o vazio
da vida.
Sem a doença, Bandeira não teria sido
Bandeira, o poeta maior do Brasil.
Mirandópolis, 23 de
janeiro de 2012.
kimie oku
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