Quando moramos por anos num determinado lugarejo ou cidade, acabamos, mesmo inconscientemente, estabelecendo domínios
sobre os locais que mais frequentamos.
A padaria, a farmácia, a mercearia, a igreja, a livraria, o bar, a praça, o mercado e até mesmo as ruas vão ao longo do tempo, se transformando em extensão de nossas casas.
Esses locais se tornam pontos de referência, onde pisamos como chãos a nós pertences. E é tão confortável saber que
o médico estará sempre lá, que o merceeiro oferecerá frutas e verduras frescas, que haverá sempre uma mesa e uma cadeira no bar, para acolher o transeunte cansado, que as dores físicas poderão ser aliviadas logo, ali na farmácia.
Imagino então, o que sentiram os habituais clientes que perderam um ponto , quando o sr. Ueno encerrou suas atividades, fechando o bar, que durante anos serviu a população, lá na esquina...
E de repente, também eu levei um choque,
quando a livraria que frequentava mudou de donos.
Novos eram os donos, novas as mercadorias, outro o ambiente...
É evidente que não tenho nada contra a mudança, nem contra os novos proprietários.
"Kizuná" é um vocábulo japonês que significa laço, relação, elo, ligação de afeto, bem querer.
O ideograma de kizuná tem como radical
o kanji linha, como se amarrasse os sentimentos para não rompê-los.
Kizuná é um sentimento que desenvolvemos
para com as pessoas, com quem temos afinidades, e com lugares que amamos.
Todos nós temos vários e maravilhosos kizunás, porque isso tem a ver com a alma, a ponto de considerarmos sagrados os lugares onde passamos a infância, e a casa que pertenceu a nossos pais...são apenas lugares, mas que traduzem algo que só a gente é capaz de sentir..
Há poucos meses, uma família que nos serviu no sítio por muitos anos, nos deixou. Outra família ocupou a casa e assumiu o serviço.
Mas, toda vez que vou lá, não consigo evitar a sensação de que os novos moradores são invasores, estranhos no ninho.
Quando a amiga Adelaide foi embora da cidade, eu me senti boicotada vendo fechada a casa que frequentei
durante muito tempo.
Essa sensação de perda, de ter sido traída pela vida quando perdemos lugares e pessoas, só sentimos por causa dos kizunás.
É bem verdade que os sentimentos não morrem com a distância, nem com o tempo.
Mas gente como eu, que já viveu mais de seis décadas, se torna egoísta, e não gosta de abrir mão de comodidade.
E nada é mais cômodo que ter amigos por perto,sempre à mão.
Daí a dolorosa sensação de perda.
Mesmo assim, vale a pena passar por tudo isso, porque é nesses momentos que podemos avaliar o valor de uma amizade.
Quando perdemos um kizuná, o círculo da existência vai se fechando, porque um kizuná não substitui outro.
Por isso é doloroso viver.
Mirandópolis, maio de 2011. kimie Oku
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