Cabocla velha
"Aquela ali, é uma cabocla velha. Aquela
é a lavadeira do Rio Vermelho. Aquela é a mulher cozinheira. Aquela ali é a mulher do povo. Aquela ali é a mulher roceira. A outra é a mulher da vida."
De tanto ouvir o Milton Lima falar
sobre Cora Coralina, resolvi ler tudo sobre ela. Mas, isso demanda tempo e
tempo. E eu sou tão impaciente!
Então decidi ler os "Poemas dos
becos de Goiás e Estórias mais "
escritos por ela e "Cora
Coragem Cora Poesia" de sua filha Vicência Bretas Tahan.
Descobri que a famosa poeta viveu de
1889 a 1985, quase chegando aos cem anos, muito bem atestados pelas fotografias,
de rosto marcado de profundas rugas, prova inconteste de uma vida cheia de
vicissitudes.
Como o texto acima transcrito em que
se refere a si mesma, ela foi cabocla velha,
lavadeira do Rio Vermelho, cozinheira, mulher do povo, mulher da
vida enfim.
Esqueceu-se de acrescentar Mulher-poeta, que a
tornou famosa.
É
muito difícil escrever sobre Cora Coralina, sem reproduzir pedaços de seus
poemas. Tanto é que todos os famosos que lhe fizeram homenagens, referências, prefácios,
não conseguiram escapar à tentação de reproduzir partes de poemas, que por certo tocaram sua sensibilidade. Até Drummond de
Andrade destacou trechos maravilhosos num artigo, publicado no Jornal do
Brasil, em 1980.
Os poemas de Cora Coralina falam do
casario, dos becos de Goiás, das águas do Rio Vermelho, das trepadeiras sobre
muros esquecidos, sobre lavadeiras, sobre os costumes da época.
Falam da vida do campo, dos caboclos,
dos carros de bois, de negros recém libertos .Têm cheiro de terra, de leite jorrando das tetas de vacas, têm
cheiro de estrume de gado, de suor do
trabalhador cansado...
Falam também da crueldade do ser
humano, que na bisbilhotice do dia-a-dia em família, fere a sensibilidade de
crianças... Feridas essas que tornam Cora forte, dura, batalhadora, frente aos
desafios da vida.
Cora publicou seu primeiro livro aos 70 anos
de idade. Só frequentou a escola primária, mas os estudos superiores não lhe
fizeram falta, porque ela escrevia movida pela sensibilidade, pura e simples.
Teve uma vida dura de trabalho, de filhos
uns após outros, viuvez e um eterno recomeçar para dar conta da família. Mas
nunca esmoreceu.
Andava
de carroça, plantava algodão, roseiras, teve pensionatos, foi cozinheira, fez
doces e ainda fazia campanhas para ajudar os desamparados.
E escrevia crônicas, artigos e poemas.
Há um poema do milho, que só quem morou
na roça, saberia retratar tão fielmente estas cena:
" Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece.
Sou o cacarejo alegre das poedeiras à
volta de seus ninhos.
Sou
a pobreza vegetal agradecida a Vós, Senhor,
que me fizestes necessário e humilde.
Sou
o milho."
Creio
eu que, a mulher se identificava com o
milho, tão comum, tão útil...
" Fui o angu pesado e constante do escravo na
exaustão do eito.
Sou a broa grosseira e modesta
do pequeno sitiante.
Sou a farinha econômica do proletário.
Sou a polenta do imigrante."
O que encanta o leitor é a força de sua palavra, sem esnobismo, tão
verdadeira, tão pura. E tão franca, sem falsa modéstia. Como no epitáfio de sua
autoria, que está no túmulo de Goiás:
"Não morre aquele
que deixou na terra
a melodia de seu cântico
na música de seus versos."
Cora Coralina, poeta maior de
Goiás.
Valeu !
Mirandópolis, 25 de fevereiro de 2011
kimie oku
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