quinta-feira, 16 de maio de 2019


            A mata ardendo
       Acho que eu teria uns dez anos, quando queimaram a matinha, que tantas vezes atravessei para ir à escola.
       Ela distava uns duzentos metros de nossa casa. E pertencia à família de Paulo Paschoal, uns italianos muito trabalhadores e amigos. Precisavam daquela área também para plantar.
       Os homens passaram o dia todo fazendo o preparo, que consistia num aceiro.
Aceiro é uma limpada do terreno em volta da área a ser queimada, para que o fogo não se alastre. Parece um caminho feito nas quiçaças, para deter o fogo. Minha família também participou desde manhãzinha.
E quando foi à noitinha, eles atearam fogo.
Todos os homens comentavam que seria bom se não ventasse... E nem chovesse.
Mas, logo a mata toda ardia numa labareda só, e eu achei lindo! Queria ver de perto, mas os adultos não permitiam crianças chegarem lá.  O fogo era imenso e a altura era impressionante. Hoje compararia a dois quarteirões de prédios sendo consumidos pelo fogo ao mesmo tempo. Todos eles se esparramaram pelos quatro cantos da matinha em vigília. Para que uma faísca não pulasse para campos vizinhos... Eles ficaram a noite toda lá, apagando aqui e ali galhos acesos que pulavam para os pastos vizinhos. Deve ter sido uma experiência medonha para os homens, que voltaram de manhãzinha, todos sujos de carvão da cabeça aos pés, ardendo da quentura e ávidos por água...
A nossa casa também ardia pela proximidade do calor, mas o fogo não chegou perto. Só escutávamos os estalos dos galhos morrendo...
Eu fiquei fascinada, olhando aquela fogueira imensa e enquanto todo mundo tremia de medo, eu apreciava mais e mais a beleza das chamas se alteando no espaço e engolindo todas aquelas árvores. Só mais tarde eu descobriria que há uma certa magia e beleza numa fogueira. Naquele momento não entendia meus sentimentos. Era um misto de medo e encantamento...
No outro dia a matinha havia desparecido. No lugar dela havia troncos enormes perfilados em pé como soldados, com o fogo queimando nas pontas sem parar. Eram dezenas de troncos se consumindo. Isso durou alguns dias, até tudo virar cinzas...
E então foi que vi! Um veado vermelho jovem fugindo no meio do arrozal.
E alguém disse que ele havia perdido a casa em que morava.
Só depois de muito tempo é que fui entender o significado disso.
      Como eu era boba!
Hoje não gosto de me lembrar disso...

Mirandópolis, maio de 2019.
kimie oku in
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