terça-feira, 28 de maio de 2019


             As curvas do caminho...
       Professora era uma das funções mais respeitadas e invejadas na época que eu estudei.
       Pareciam  pessoas de outra casta, que pertenciam a outra sociedade. Eram  tratadas com dignidade e  respeito. Respeito era a palavra. Eu tive uma Professora,  a dona Geralda de Almeida que era mulata, mas a cor de sua pele não diminuía  a respeitabilidade que recebia dos alunos e principalmente da comunidade. Era Professora de alta categoria e levava muito a sério a missão de ensinar e educar. Nunca, ninguém se referiu a ela como professora de cor. E isso foi nos anos 50, há quase setenta anos, quando  o preconceito e a discriminação racial predominavam fortemente em qualquer lugar do mundo.
       E acabei me formando professora e, por um capricho do destino voltei à escola onde estudei. Para dar aulas no  Grupo Escolar de Tabajara, em  Lavínia. E eu morava e  moro ainda em Mirandópolis, que dista seis quilômetros de Lavínia e esta fica a dezoito quilômetros de Tabajara... E toda manhã tinha que tomar o ônibus que ia a Lucélia para chegar ao trabalho.  O sacrifício de levantar cedo e amanhecer em Tabajara não era nada comparado ao problema da volta. Não havia ônibus, ninguém tinha carro, e carona era uma coisa de muita sorte.
       Ser professora era um luxo na minha cabeça inocente...  Mas desses percalços ninguém havia me falado. Depender  da  boa vontade de gente desconhecida,  para poder chegar em casa todos os dias. Como os colegas Rubens Donalonso e o José Gomes Moreno eram muito animados, a gente  esperava um tempinho no bar do Maciel para ver se algum caminhão local ia para a cidade...  Sem paciência mais para esperar, a gente se punha a caminhar... Era um areião bravo que enchia os sapatos e nos atolava...  e não havia esses tênis confortáveis que hoje usamos. E o sol impiedoso queimava a cuca... A Hilda é quem mais reclamava que estava com sede, que doíam as pernas, que tinha bolhas nos pés... O Rubens fazia  piada de tudo e passo a passo caminhávamos.... A conversa era sempre agradável e dávamos muita risada, enquanto íamos vencendo as curvas, porque a estrada tinha curvas e curvas que nunca acabavam.
       Depois de termos camelado uns seis, sete quilômetros, aparecia uma criatura de Deus de caminhão, que nos salvava. As mulheres iam amontoadas na boléia e os homens na carroceria... Descíamos em Lavínia, mas  a Hilda e eu  tínhamos que chegar em Mirandópolis. Às vezes pegávamos um ônibus, mas muitas vezes era só carona. Nessa época, o pai da Cristina Pesci, o seu Djalma  trabalhava na Coletoria  e sempre nos dava carona no seu Fusca branquinho. Era um senhor simpático, de boa conversa, que muitas e muitas vezes nos salvou. Nunca lhe esqueci o nome pela sua gentileza. E descobri sua filha Cristina no face, mas não me lembro de tê-la visto um dia. E percebo que ela como o pai é uma pessoa de bem.
        Seu Djalma...
       Algumas vezes vínhamos de caminhão de transportar bois, que eram altos como quê. Entrar na boléia (cabine) era um grande sacrifício para mim que sou muito baixinha. Imaginem os homens subirem na elevada carroceria, forrada de excrementos de boiada... 
       Saíamos às seis horas da manhã e geralmente só voltávamos às 15, 16 horas. e não tínhamos vale/transporte, dedicação exclusiva nem vale/alimentação. E não éramos revoltados. E nunca limitamos nossas aulas para os alunos que lá estavam para aprender.
        Apesar de  todos esses contratempos SOBREVIVEMOS.    
        E cumprimos a nossa missão!
        Com muito orgulho!

       Mirandópolis, maio de 2019.
       kimie oku in
       http://cronicadekimie.blogspot.com.br/
       

Nenhum comentário:

Postar um comentário