Gente de valor
Nas minhas andanças pelas Escolas rurais, conheci muitas pessoas valentes labutando no anonimato. E outras que tornaram minha missão de professora menos espinhosa. Nunca vou me esquecer do casal José João e Valdete, a eles devo muito. Outras pessoas ficaram na minha memória.
Uma senhora que lhe esqueci o nome, sempre me servia um café ao passar por sua
porta a caminho da escola, quando descia do ônibus. Eram três quilômetros de
caminhada e eu me cansava e dava uma paradinha em sua casa. Além do café, me
servia pipoca feita na hora, porque era a única coisa que tinha para servir... Nunca esqueci esse carinho.
Uma pessoa estranha foi a dona Romana, que fazia
umas rezas em voz alta toda vez que se formava um temporal, e as nuvens escuras
se tornavam ameaçadoras. Ela ia lá fora e rezando em voz alta jogava sal grosso
para o alto para espalhar as nuvens. E de fato, as nuvens se desfaziam e o temporal não vinha. Até hoje
não entendo o poder que ela tinha...
Mas de todas as pessoas quem mais marcou foi o Tomo san.
Era um arrendatário de origem japonesa, que morava com a família
nas terras onde queria plantar algodão. Para isso ele ajeitou 13 famílias
de trabalhadores que iam ajudá-lo na
empreitada. A escola era para as
crianças desses peões. Durante sete
meses, a partir de fevereiro, eles prepararam a terra para semear algodão. A partir
de agosto, eles começaram a olhar o céu
à espera da chuva para molhar a terra para a semeadura. Mas, todos os dias, o
sol vermelho e quente não dava tréguas. A chuva não vinha.
E aos sábados, Tomo san levava os chefes de família à cidade
para as compras... Arroz, feijão, farinha, uma linguiça, banha, café e
açúcar... Tudo patrocinado por ele, porque os homens não tinham um centavo. E ainda,
ele trazia duas ou três melancias, que mandava
cortar e servir a toda comunidade. Era uma imagem bonita de se ver:
Todos felizes comendo a melancia vermelha
e sorrindo de prazer... E no final servia
uns goles de cachaça aos homens para animá-los... Durante sete meses e alguns dias foi assim.
Todo mundo desesperado pela chuva que não vinha. Não havia nem
mais jeito de arar aquela terra seca e vermelha, que formava redemoinhos ao
menor vento. Araram na horizontal, na
vertical... Só faltava fazê-lo em diagonal. E a chuva não vinha. O calor era
intenso e a bola de fogo no céu, indiferente ao sofrimento do japonês, cuja
conta no Banco estava só comendo juros... E ele sempre alegre dizia: "Amanhã ela vem!"
Numa noite em outubro de repente, desceu um temporal como nunca havíamos visto. Eram trovões ribombando e estremecendo a terra, relâmpagos que iluminavam a casa inteira por segundos... E eu assustada acordei com o choro do Tomo san gritando: "Mulher, crianças, acordem! Está chovendo! Deus se lembrou de nós! Vamos agradecer!"
Eu me levantei e fui até a sala. E o que vi lá no cantinho do chão batido me estremeceu o coração. A família toda ajoelhada no chão batido chorando e agradecendo a Deus... Em altos brados: "Obrigado, Deus! O Senhor se lembrou de nós! Muito obrigado!"
Chorei ao ver a cena, que os relâmpagos iluminavam como se alguém estivesse fotografando uma coisa do céu...
No outro dia não teve aula.
Toda a molecada estava na roça tampando com os pés as covas, onde os pais depositavam as sementes de algodão com as máquinas manuais de lata...
O fim do ano chegou e eu vim embora. mas soube depois, que a colheita tinha sido excelente.
(Já contei esta história várias vezes, mas nunca me canso de recontá-la)
Mirandópolis, maio de 2019.
kimie oku in
htp://cronicasdekimie.blogspot.com.br/
Numa noite em outubro de repente, desceu um temporal como nunca havíamos visto. Eram trovões ribombando e estremecendo a terra, relâmpagos que iluminavam a casa inteira por segundos... E eu assustada acordei com o choro do Tomo san gritando: "Mulher, crianças, acordem! Está chovendo! Deus se lembrou de nós! Vamos agradecer!"
Eu me levantei e fui até a sala. E o que vi lá no cantinho do chão batido me estremeceu o coração. A família toda ajoelhada no chão batido chorando e agradecendo a Deus... Em altos brados: "Obrigado, Deus! O Senhor se lembrou de nós! Muito obrigado!"
Chorei ao ver a cena, que os relâmpagos iluminavam como se alguém estivesse fotografando uma coisa do céu...
No outro dia não teve aula.
Toda a molecada estava na roça tampando com os pés as covas, onde os pais depositavam as sementes de algodão com as máquinas manuais de lata...
O fim do ano chegou e eu vim embora. mas soube depois, que a colheita tinha sido excelente.
(Já contei esta história várias vezes, mas nunca me canso de recontá-la)
Mirandópolis, maio de 2019.
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