Visitas
Já no limiar da vida, nada nos encanta mais
que uma visita de pessoas queridas da própria família. Notadamente dos irmãos,
com quem a gente não consegue manter contato contínuo, devido à distância.
Quando um parente programa uma visita
aqui em casa, antecipadamente organizo tudo para aproveitar ao máximo a sua
presença... E volta e meia alguém vem nos ver, porque
a família é grande e a ligação é forte.
Durante a semana que antecede a visita,
procuro montar o cardápio do que vou servir, especialmente comida de sua
preferência. E convido os irmãos que moram na região, porque não sabemos se teremos novo encontro. Tudo simples, que lembre o passado convivido, que lembre nossos pais, uma sobremesa que traz a infância de volta... Como descreveu Marcel Proust que, certas sensações despertam vivamente quando a gente saboreia algo de outrora... Procuro caprichar, porque
enquanto degustamos a comida, revivemos momentos lindos, relembramos os fatos, as refeições, as reuniões
de família que ficaram lá atrás num passado distante...
Esta semana tive a visita de um irmão e
sua esposa, ambos já beirando os noventa anos... Sua filha e o genro os trouxeram. Moram muito longe e raramente
vêm nos ver. Por isso tentei caprichar na recepção. Mas não deu muito certo. Fiquei acamada
com Dengue que me derrubou de fato, sem forças e sem disposição. Fiquei arrasada
com isso...
Mas, a comida não é o principal objeto da
reunião.
Geralmente, fazemos uma romaria aos
cemitérios, onde descansam nossos antepassados, levando-lhes flores, velas, incensos
e orações... E nessas romarias falamos sobre o tempo que passou, sobre as
lembranças que deixaram e sobre a falta que nos fazem... Desta vez eles foram sem mim...
Frustrada por não poder lhes oferecer um
almoço de família, organizei uma tarde com um lanche. E enquanto tomávamos café
com uma torta bem saborosa, folheamos novamente o velho álbum de família. Um álbum que consegui organizar na
comemoração dos oitenta anos de mamãe. Álbum que conta através de fotografias
selecionadas sobre todo o clã Osaki, desde os antepassados lá do Japão, que não
chegamos a conhecer, até os anos 80. Descendência que hoje já está beirando cem membros.
E sempre é bom demais relembrar o passado,
porque fatos novos são lembrados e acrescentados e vão enriquecendo a memória
da família.
Eu havia guardado brotos de bambu
aferventados para servir a eles. Era a última porção da colheita de abril. Queria
relembrar o tempero de mamãe e proporcionar-lhes o prazer de degustar os brotos, relembrando tudo que vivenciamos quando jovens. Quando morávamos no
sítio da família Osaki, lá tínhamos dois bambuzais imensos plantados por papai. E
consumimos muitos brotos ao longo dos trinta e sete anos que moramos lá. Então
o bambu teve presença cativa em nosso cardápio, uma liga que nunca iremos
esquecer. Mas, certo dia um bambuzal tombou inteiramente, sem nenhuma razão
aparente. E os japoneses costumam dizer que um bambuzal é inabalável, pois
protege as pessoas mesmo em grandes terremotos, porque as suas raízes foram uma
rede de tramas que não deixam o solo rachar. Então, quando um bambuzal tomba, é um mau
sinal, e o dono da casa deve partir. E foi isso que esse meu irmão fez. E foi
pra muito longe...
Há uns dez anos, estivemos lá no antigo
sítio e vimos com tristeza que tudo se transformara em pastagem para bois. Tudo
detonado, a casa, o poço de água saborosíssima fora enterrado, as garagens, os galpões
todos em escombros. Só sobraram um pé de guaivira e um bambuzal mais novo. E à sombra desse bambuzal fizemos uma roda e
oramos por todos que lá moraram, que lá faleceram, para que estejam na paz de
Deus...
Levada pelas lembranças, me perdi no bambuzal, amigos...
Entretanto, preparei a iguaria e eles a
consumiram com os familiares em outra casa. Seguramente não foi a mesma emoção
que, experimentariam se tivessem consumido conosco relembrando o passado. Porque
lá só moram jovens. Enfim, foi assim.
Mirandópolis, maio de 2019.
kimie oku in
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