sexta-feira, 17 de maio de 2019


                Visitas
       Já no limiar da vida, nada nos encanta mais que uma visita de pessoas queridas da própria família. Notadamente dos irmãos, com quem a gente não consegue manter contato contínuo, devido à distância.
       Quando um parente programa uma visita aqui em casa, antecipadamente organizo tudo para aproveitar ao máximo a sua presença... E volta e meia alguém vem nos ver, porque a família é grande e a ligação é forte.
      Durante a semana que antecede a visita, procuro montar o cardápio do que vou servir, especialmente comida de sua preferência. E convido os irmãos que moram na região, porque não sabemos se teremos novo encontro. Tudo simples, que lembre o passado convivido, que lembre nossos pais, uma sobremesa que traz a infância de volta... Como descreveu Marcel Proust que, certas sensações despertam vivamente quando a gente saboreia algo  de outrora... Procuro caprichar, porque enquanto degustamos a comida, revivemos momentos lindos, relembramos os fatos, as refeições, as reuniões de família que ficaram lá atrás num passado distante...
       Esta semana tive a visita de um irmão e sua esposa, ambos já beirando os noventa anos... Sua filha e o genro os trouxeram. Moram muito longe e raramente vêm nos ver. Por isso tentei caprichar na recepção. Mas não deu muito certo. Fiquei acamada com Dengue que me derrubou de fato, sem forças e sem disposição. Fiquei arrasada com isso...
       Mas, a comida não é o principal objeto da reunião.
       Geralmente, fazemos uma romaria aos cemitérios, onde descansam nossos antepassados, levando-lhes flores, velas, incensos e orações... E nessas romarias falamos sobre o tempo que passou, sobre as lembranças que deixaram e sobre a falta que nos fazem... Desta vez eles foram sem mim...
       Frustrada por não poder lhes oferecer um almoço de família, organizei uma tarde com um lanche. E enquanto tomávamos café com uma torta bem saborosa, folheamos novamente o velho álbum de família.  Um álbum que consegui organizar na comemoração dos oitenta anos de mamãe. Álbum que conta através de fotografias selecionadas sobre todo o clã Osaki, desde os antepassados lá do Japão, que não chegamos a conhecer, até os anos 80. Descendência que hoje já está beirando cem membros.
       E sempre é bom demais relembrar o passado, porque fatos novos são lembrados e acrescentados e vão enriquecendo a memória da família.
      Eu havia guardado brotos de bambu aferventados para servir a eles. Era a última porção da colheita de abril. Queria relembrar o tempero de mamãe e proporcionar-lhes o prazer de degustar os brotos, relembrando tudo que vivenciamos quando jovens. Quando morávamos no sítio da família Osaki, lá tínhamos dois bambuzais imensos plantados por papai. E consumimos muitos brotos ao longo dos trinta e sete anos que moramos lá. Então o bambu teve presença cativa em nosso cardápio, uma liga que nunca iremos esquecer. Mas, certo dia um bambuzal tombou inteiramente, sem nenhuma razão aparente. E os japoneses costumam dizer que um bambuzal é inabalável, pois protege as pessoas mesmo em grandes terremotos, porque as suas raízes foram uma rede de tramas que não deixam o solo rachar. Então, quando um bambuzal tomba, é um mau sinal, e o dono da casa deve partir. E foi isso que esse meu irmão fez. E foi pra muito longe...
      Há uns dez anos, estivemos lá no antigo sítio e vimos com tristeza que tudo se transformara em pastagem para bois. Tudo detonado, a casa, o poço de água saborosíssima fora enterrado, as garagens, os galpões todos em escombros. Só sobraram um pé de guaivira e um bambuzal mais novo.  E à sombra desse bambuzal fizemos uma roda e oramos por todos que lá moraram, que lá faleceram, para que estejam na paz de Deus...
       Levada pelas lembranças, me perdi no bambuzal, amigos...
     Entretanto, preparei a iguaria e eles a consumiram com os familiares em outra casa. Seguramente não foi a mesma emoção que, experimentariam se tivessem consumido conosco relembrando o passado. Porque lá só moram jovens. Enfim, foi assim.
       E valeu a pena tê-los por algumas horas conosco.
      Até nova visita!

       Mirandópolis, maio de 2019.
kimie oku in















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