Professora?????
Em 1961, com menos de dezoito anos eu fui
dar aulas numa Fazenda do Doutor Rafael Franco de Mello, em Lavínia.
Era distante da cidade uns 15 quilômetros
e a escolinha de tábua ficava na beira da estrada, onde não passava ninguém.
Lugar ermo, perdido num fim de mundo, cercado de pastagens sem fim. Até hoje
ouço o choro triste dos cabritos que rondavam a escola todos os dias... Era um rebanho de uns vinte cabritos que
berravam o dia todo bé, bé, bé, bé... Todas as manhãs, os meninos maiores e eu
éramos obrigados a limpar o calçamento da escola, para retirar todo o cocô que
deixavam em forma de bolinhas. Por sorte não cheiravam forte...
Quando abri a escola, começaram a
aparecer os alunos e seus pais. Fui anotando os nomes que totalizaram 62
crianças! Ao tentar registrá-las no livro de Matrículas, constatei que eram de famílias
provenientes do Nordeste do Brasil, recém chegadas para plantar algodão. Enfim,
eram retirantes da seca de lá. De Limoeiro, da Porteira Amarela e de outros
lugares estranhos que nunca tinha ouvido falar. E descobri que nenhuma criança
tinha uma Certidão de Nascimento. Nenhuma! Elas nem sabiam seus próprios nomes, pois
eram chamadas por apelidos como Zominho,Diadorio, Nena...Zeca...Tida...
Fiquei desnorteada e convoquei uma reunião com os pais à noite. Todos compareceram e eu lhes disse que, se uma daquelas crianças chegasse a falecer, eles não poderiam enterrá-la no Cemitério de Lavínia, porque legalmente não existiam... Eles ficaram chocados e foi um grande bafafá! Eu lhes disse que nem poderia matriculá-los sem uma certidão de nascimento... Que urgia regularizar os documentos para elas poderem estudar.
Fiquei desnorteada e convoquei uma reunião com os pais à noite. Todos compareceram e eu lhes disse que, se uma daquelas crianças chegasse a falecer, eles não poderiam enterrá-la no Cemitério de Lavínia, porque legalmente não existiam... Eles ficaram chocados e foi um grande bafafá! Eu lhes disse que nem poderia matriculá-los sem uma certidão de nascimento... Que urgia regularizar os documentos para elas poderem estudar.
No dia seguinte não apareceu nenhuma criança! Fiquei esperando
com o coração apertado, pensando se eu havia cometido uma grande besteira. Mas,
daí a pouco passou um caminhão lotado de crianças e seus pais indo para a
cidade. O motorista parou e me disse que a mando do arrendatário, iam registrar
as crianças. E passado um tempo, todas elas tiveram sua situação legalizada. E eu
tenho muito orgulho disso! Porque fiz a diferença na vida de sessenta e duas
crianças para sempre! E eu tinha apenas dezessete anos! Isso o Curso Normal não
havia me ensinado...
Mas, ensinar as crianças era tarefa muito difícil! A sala lotada de molecada, de idades diversas, todas chucras de tudo, que não obedeciam, por mais que lhes pedisse... Percebi
que nada sabia, que não tinha jeito, que nem sabia por onde começar! A maioria nunca havia visto um giz, um lápis, um livro! E eram irreverentes, andavam o tempo
todo, falavam alto e brigavam uns com outros, aos socos... Levei um bom tempo para domá-las...
Muitas vezes eu tinha que gritar bem alto para me impor. Eram como os cabritos
soltos lá fora que cabriolavam sem controle! Levei um bom tempo para torná-las mais
dóceis e obedientes, e mantê-las sentadas nas carteiras... Teve até um garoto que,
revoltado com a minha repreensão foi lá fora e ficava andando a cavalo,
espiando pelas janelas e ameaçando me bater...
Nesse dia, tive vontade de sentar no chão daquela estrada erma e
chorar, chorar, chorar...
Mirandópolis, maio de 2019.
kimie oku in
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