DITO VERMELHO E DONA MARIA
história verídica
1948 ou 1949.
Havia uma mata no fundo do sítio, onde
morávamos.
Cada proprietário deixava intacta uma faixa
de mata virgem, não sei se era por ordem do governo.
de mata virgem, não sei se era por ordem do governo.
Cada faixa se emendava na dos vizinhos, formando
uma floresta.
Era bela, secular e inóspita. Misteriosa.
uma floresta.
Era bela, secular e inóspita. Misteriosa.
Lá moravam muitos
macacos,
que sempre tínhamos que afugentar,
porque vinham roubar as espigas de milho.
Enquanto uns corriam e saltavam céleres
para as árvores,
outros desciam e pegavam as espigas,
numa rapidez incrível.
Nós crianças, sempre perdíamos para eles.
Parecia até que zombavam da gente.
que sempre tínhamos que afugentar,
porque vinham roubar as espigas de milho.
Enquanto uns corriam e saltavam céleres
para as árvores,
outros desciam e pegavam as espigas,
numa rapidez incrível.
Nós crianças, sempre perdíamos para eles.
Parecia até que zombavam da gente.
Volta e meia, víamos
um bando de
veados vermelhos, atravessando as plantações
verdes de arroz.
O que mais se destacavam eram os chifres,
em forma de galhos.
veados vermelhos, atravessando as plantações
verdes de arroz.
O que mais se destacavam eram os chifres,
em forma de galhos.
Essas imagens ficaram gravadas para sempre,
em minha memória.
E nunca foram fotografadas, mesmo porque
ninguém tinha máquinas fotográficas.
em minha memória.
E nunca foram fotografadas, mesmo porque
ninguém tinha máquinas fotográficas.
No começo, havia até onças,
que os homens queriam caçar, sentados nas esperas,
que armavam no alto das árvores.
E passavam horas, esperando madrugada adentro,
com suas garruchas, e tremendo
de medo das bichas.
que os homens queriam caçar, sentados nas esperas,
que armavam no alto das árvores.
E passavam horas, esperando madrugada adentro,
com suas garruchas, e tremendo
de medo das bichas.
Depois, os bichos foram desaparecendo,
não sei por quê razão.
Só ficaram pássaros, tatus, teús e macacos.
Estes também logo emigrariam, para outras
matas mais densas.
não sei por quê razão.
Só ficaram pássaros, tatus, teús e macacos.
Estes também logo emigrariam, para outras
matas mais densas.
Um dia, um bando de molecada resolveu explorar a mata.
Não
sei por quê, eu também fui.
Era um grupo de seis ou sete crianças de sete a dez anos.
Era um grupo de seis ou sete crianças de sete a dez anos.
E lá fomos nós, numa aventura não
programada,
e sem avisar os pais, que naturalmente seriam
contra a brincadeira.
e sem avisar os pais, que naturalmente seriam
contra a brincadeira.
O
maior dos meninos ia à frente, cortando com um facão os cipós,
e os galhos cheios de espinhos.
e os galhos cheios de espinhos.
E nós, atrás, pulando os troncos,
arranhando os braços nos galhos ásperos das árvores, choramingando, escorregando,
mas seguindo atrás, com medo de ficar perdido na mata.
arranhando os braços nos galhos ásperos das árvores, choramingando, escorregando,
mas seguindo atrás, com medo de ficar perdido na mata.
Como era um mundo desconhecido,todos
estavam
com muito medo,
porque ninguém sabia o que nos esperava.
Coraçõezinhos batiam acelerados.
E em fila indiana, fomos seguindo mata adentro.
com muito medo,
porque ninguém sabia o que nos esperava.
Coraçõezinhos batiam acelerados.
E em fila indiana, fomos seguindo mata adentro.
Súbito, uma clareira.
Verde, verde de capim e uma centena de coqueiros,
que se multiplicavam naturalmente.
que se multiplicavam naturalmente.
Era uma paisagem inesperada.
O local era muito bonito, cercado pela mata secular
por todos os lados.
O local era muito bonito, cercado pela mata secular
por todos os lados.
Quando despertamos do susto, vimos
uma tapera bem no meio do coqueiral.
Era feita de troncos roliços e coberta com palmas de coqueiro.
E reinando ali, num mundo desconhecido para nós,
moravam o Dito Vermelho e a dona Maria.
uma tapera bem no meio do coqueiral.
Era feita de troncos roliços e coberta com palmas de coqueiro.
E reinando ali, num mundo desconhecido para nós,
moravam o Dito Vermelho e a dona Maria.
O homem era branco, claro, mas bem
vermelho
queimado de sol, e a mulher era preta, miudinha.
Quando nos viu, vieram nos receber naturalmente,
na maior simplicidade.
Nós, crianças, estávamos temerosas, porque não os conhecíamos
e desconfiávamos de gente estranha.
queimado de sol, e a mulher era preta, miudinha.
Quando nos viu, vieram nos receber naturalmente,
na maior simplicidade.
Nós, crianças, estávamos temerosas, porque não os conhecíamos
e desconfiávamos de gente estranha.
Mas, logo eles contaram a sua história.
Moravam ali e viviam de criar porcos.
Mostrou-nos o chiqueiro, onde uma dezena de porcos
gritavam, pedindo comida.
E aí, o Dito pegou uma vara longa e cutucou os coqueiros, derrubando os cocos.
E com eles acalmou os suínos.
Os cocos eram as macaúbas, que até nós crianças, gostávamos de comer. (depois disso, nunca mais comi as tais)
Mostrou-nos o chiqueiro, onde uma dezena de porcos
gritavam, pedindo comida.
E aí, o Dito pegou uma vara longa e cutucou os coqueiros, derrubando os cocos.
E com eles acalmou os suínos.
Os cocos eram as macaúbas, que até nós crianças, gostávamos de comer. (depois disso, nunca mais comi as tais)
O Dito e a dona Maria criavam porcos,
e vendiam sua carne e banha num patrimônio,
distante uns cinco quilômetros dali.
E com a renda, compravam o café, o arroz, o feijão, a farinha e o açúcar. Acho que eram felizes, assim,
vivendo na extrema pobreza, sem nenhum luxo.
e vendiam sua carne e banha num patrimônio,
distante uns cinco quilômetros dali.
E com a renda, compravam o café, o arroz, o feijão, a farinha e o açúcar. Acho que eram felizes, assim,
vivendo na extrema pobreza, sem nenhum luxo.
Hoje penso que, seriam os sem terra de
antigamente,
que moravam em terras alheias,
sem nenhuma preocupação.
que moravam em terras alheias,
sem nenhuma preocupação.
Não me recordo, como terminou essa
nossa aventura mata adentro.
Sei apenas que foi inesquecível.
nossa aventura mata adentro.
Sei apenas que foi inesquecível.
Anos mais tarde, nós encontramos o
casal levando
a banha e a carne em latas de dezoito litros,
na cabeça, como
a banha e a carne em latas de dezoito litros,
na cabeça, como
faziam
os africanos, antigamente.
Percorriam sempre descalços, as estradas de terra,
que queimavam os pés, levando a sua carga preciosa
para trocar com a farinha e o feijão.
que queimavam os pés, levando a sua carga preciosa
para trocar com a farinha e o feijão.
Muitos anos depois, encontrei a dona
Maria
“pedindo ajutório para a vó”
“pedindo ajutório para a vó”
nos Bancos da cidade.
E ela abençoava a todos, que lhe davam uns trocados.
Perguntei do Dito Vermelho e, ela me informou
que havia falecido.
E ela abençoava a todos, que lhe davam uns trocados.
Perguntei do Dito Vermelho e, ela me informou
que havia falecido.
Sua imagem ficou também gravada:
usava uma saia longa rodada, uma blusa branca,
e um monte de colares de contas no pescoço.
Na cabeça levava uma rodinha de pano,
que era onde ela carregava qualquer coisa.
E sempre tinha um pito na boca.
E sempre, sempre, descalça.
usava uma saia longa rodada, uma blusa branca,
e um monte de colares de contas no pescoço.
Na cabeça levava uma rodinha de pano,
que era onde ela carregava qualquer coisa.
E sempre tinha um pito na boca.
E sempre, sempre, descalça.
Movida por compaixão, procurei saber como ela
vivia.
E fiquei sabendo, pasmem , que ela tinha uma porção de
casinhas de aluguel numa cidade próxima.
E fiquei sabendo, pasmem , que ela tinha uma porção de
casinhas de aluguel numa cidade próxima.
Há anos que não a vejo mais.
Com certeza já morreu, também.
Dito Vermelho e dona Maria.
Mirandópolis, qualquer dia de 2007.
Revisado em 20 de
dezembro de 2011.
Kimie oku
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