crônica - INTOLERÂNCIA
Li em alguma parte da
Mitologia Grega sobre o leito de Procusto.
Procusto era um terrível
fora da lei, bandido mesmo, que se escondia nas matas da Grécia antiga.
O que o diferenciava de
outros facínoras, era a sua mania de atrair os cidadãos incautos, que por ali
passassem a caminho de seus destinos.
O bandido fingindo-se
gentil hospedeiro, convidava as pessoas para partilharem de seu cantinho.
Oferecia-lhes comida e abrigo. E mais, instava que usassem a sua própria cama. Essa
cama era de ferro reforçado, feita na medida de seu corpo, nem mais, nem menos.
Os viajantes cansados da
jornada, e encantados pela inesperada atenção de um estranho, acediam ao
convite.
Se os visitantes eram
maiores que a cama, o bandido lhes decepava as partes que sobravam. E se eram
menores, ele os esticava para preencher a cama.
Ninguém sobrevivia.
Essa prática terrível já
durava um bom tempo e ninguém conseguia pegar o malfeitor. Até que um dia,
apareceu Teseu, vindo de Atenas, que prendeu Procusto de atravessado na cama. E
lhe cortou as pernas e a cabeça, que nela não couberam.
Fê-lo provar do próprio
martírio que ele infligira a tantos
outros.
Que lição podemos tirar
dessa lenda?
A Humanidade,
especialmente a Igreja, a Santa Igreja Católica construiu ao longo de seu
reinado, camas iguais de Procusto. Camas que, determinavam “em nome de Deus”,
comportamentos sociais, políticos, religiosos, morais, afetivos e até
familiares... e foi eliminando as partes
ou cristãos, que não se encaixavam. Lembrem-se das fogueiras nas praças
públicas, onde milhares de pessoas foram queimadas vivas, a título de bruxaria,
de possessão do demônio, só porque eram diferentes.
Lembrem-se de centenas de milhares de nossos primeiros
habitantes, que foram exterminados porque
não aderiram à catequese dos Anchietas
e Nóbregas, e demais jesuítas. E de
milhares de nativos em outras terras, que tiveram o mesmo fim, pela
mesma razão.
O reinado de terror de
Procusto não passou.
Muitas vezes, agimos
como o bandido, estabelecendo padrões nossos de comportamento, e condenando os
que fogem deles. Outras vezes, somos os viajantes que, caem
nas armadilhas do politicamente correto, dos padrões da moda atual, dos padrões
sagrados da religião.
E tudo isso torna nossa
vida pesada, um fardo duro para se levar.
Às vezes, nosso intelecto cria aberrações,
querendo chegar à perfeição – é como se quiséssemos encaixar um objeto quadrado
numa forma esférica, ou vice-versa. Não encaixa, não serve. Descarta-se. E isso
se faz muito na escola.
Mas, o homem nasceu
livre.
Livre como as
andorinhas, as borboletas e demais seres vivos.
Livre para ser um sábio
ou um ignorante.
Livre para ser Presidente ou Subalterno.
Livre para ser Aluno ou
Professor.
Livre para ser Paciente
ou Médico.
Porque Presidente, Chefe,
Diretor, Mestre, Doutor, Secretário, Ministro ...são meras palavras. Palavras
inventadas para designar funções, frente ao grupo.
Ninguém com esses títulos
tem aura divina, nem auréola de arcanjo.
Porque Divino só Deus.
Numa revoada de
andorinhas não há Presidentes, nem Secretários, nem Ministros e nem
Tesoureiros. E o grupo voa em perfeita harmonia, sem escalas sociais, que tudo
isso é bobagem, babaquice.
Porque todos os pássaros,
todos os grãos de trigo, todas as pedras dos caminhos cumprem sua função, sem
nunca tentarem ser melhores , nem mais perfeitos que outros.
Então, pra quê camas de
Procusto?
Mirandópolis, novembro de 2010.
kimie oku
(kimieoku@hotmail.com)
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